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O que Carlitos revela sobre Charlie Chaplin

Carlitos e o garoto, interpretado por Jackie Coogan. Keystone

Comemora-se neste ano de 2014, o centenário da criação de ‘The Tramp’ (vagabundo, em inglês)  – ou ‘Little Tramp’ – que conhecemos como Carlitos.

Há um século, contratado por ume empresa cinematográfica norte-americana, Charlie Chaplin – que atuava em teatro de variedades – vestiu uma calça larga e um fraque apertado, pôs um chapéu-coco na cabeça, pegou uma bengala e, para completar, acrescentou um bigode vertical de maneira a facilitar a leitura labial na frente das câmaras… O artista britânico acabava de inventar o que se tornaria o mais cativante e durável personagem da era do cinema mudo.

Para comemorar o centenário de the Tramp, o Museu de Fotografia do (Palácio) Elysée, de Lausanne, apresenta documentos raros do Acervo Fotográfico Chaplin que revelam tanto o homem quanto a época em que viveu.

Entre duas Guerras

Carlitos foi inventado no início da Primeira Guerra Mundial e transformou Chaplin em estrela da noite para o dia. E enquanto ele trabalhava em seguidos filmes burlescos, no conforto da indústria cinematográfica norte-americana, seu país entrou em guerra.

Chaplin foi muito criticado por não regressar à Inglaterra para respaldar nos combates seus compatriotas, crítica que lhe foi reiterada durante a Segunda Guerra Mundial.

Carole Sandrin, curadora do Acervo Fotográfico Charlie Chaplin, no Museu do Elysée, disse à swissinfo.ch que seu objetivo com a exposição ‘Chaplin, entre Guerras e Paz’ era revisitar a resposta dada pelo cineasta a essa controvérsia. 

“O Grande Ditador” (1940), em que Chaplin imita Hitler. Musée de l’Elysee Lausanne

A resposta veio em dois de seus filmes, ‘Shoulder Arms’ (Recruta), em 1918, um enorme sucesso em que apelou a situações cômicas para mostrar o horror das trincheiras, e o “The Great Dictator’ (O Grande Ditador), em 1940, em que Chaplin audaciosamente imita os pavorosos ataques de Adolf Hitler.

Arquivos Chaplin

A mostra do Elysée reúne pinturas originais e extraordinários documentos antigos do Acervo Charlie Chaplin, constituído em parte por documentos meticulosamente acumulados, anos e anos, pelo irmão de Chaplin, Sydney, e seu meio-irmão, Wheeler Dryden. “Eles perceberam desde o começo que Charlie seria uma figura marcante do século,” diz Sandrin.

Escaneados e catalogados durante um período de dez anos no âmbito de The Chaplin Project, na cinemateca de Bolonha, na Itália, os arquivos em papel estão agora guardados em Montreux, na Suíça, enquanto as fotos dos 20.000 documentos foram confiados ao Museu do Elysée, em 2011.

Concentrando-se no período entre 1918 – quando Chaplin criou seus próprios estúdios e seus arquivos foram iniciados – e 1940, a exposição do Museu do Elysée apresenta o artista como um ativista sensível às tragédias da guerra, contrariando as críticas, e como quem elabora estratégias próprias para defender-se. 

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Em homenagem à criação de Carlitos, em 1914, quando Charlie Chaplin acabava de ser contratado pelos estúdios de cinema Keystone, o Museu do Elysée e as Edições Barras publicaram a réplica do único documento que Carole Sandrin encontrou nos arquivos.

‘O album Keystone’ reproduz fotogramas (i.é, quadros de filmes cinematográficos) de 29 dos 36 curtas-metragens que Chaplin realizou apenas no ano de 1914. Trata-se de uma compilação, realizada há mais de 70 anos pelo ‘British Film Institute,’ para garantir a autenticidade dos filmes de Chaplin, numa época em que começaram a proliferar cópias não oficiais e adulteradas.

O album revela o frenético ritmo de trabalho de Chaplin, e principalmente a progressiva invenção de um extraordinário maneirismo que o transformaria em ídolo universal.

Em “Corrida de automóveis para meninos” (1914), Chaplin interpreta um vagabundo espectador de uma corrida de carros para crianças em uma praia de Los Angeles, chamada Venice. Um cameram que está filmando o acontecimento, é interrompido pelo espectador que insiste em aparecer no filme, interrompendo a filmagem, atrapalhando a corrida e causando frustração no público e nos participantes. Courtesy Musée de l’Elysée

Comemorações do centenário

“Com o passar dos anos, o ícone em que se converteu a figura do Little Tramp representa não apenas o personagem maltrapilho, travesso e maleável dos filmes, como também o humanismo, o humor e o modernismo de Chaplin,” diz Kate, Guyonvarch (diretora de The Association Chaplin – grupo de empresas detentoras dos direitos sobre as obras do cineasta) para definir o contínuo sucesso de seus filmes.

Embora esteja empenhada há bastante tempo na valorização da herança de Chaplin, Kate Guyonvarch realça que as comemorações deste ano de 2014 “permitiram-nos uma melhor compreensão do homem e da maneira que ele trabalhava.”

Ela está convencida de que a incessante tendência de Chaplin ao perfeccionismo veio de sua infância difícil. Ele se viu obrigado a defender-se sozinho e ganhar a vida a partir dos dez anos, quando perdeu o pai e o frágil estado mental de sua mãe a impossibilitou de cuidar dele e de seu irmão mais velho, Sydney.

Tentado pela política

Segundo Kate Guyonvarch, Chaplin quase abandonou a profissão quando surgiu o cinema sonoro. “Ele tornou-se famoso com Carlitos e sabia que não podia fazê-lo falar.”

Chaplin começou ‘City Lights’ (Luzes da Cidade) em 1928, um ano depois lançamento do primeiro filme sonoro, mas realizou uma película muda (sempre com o vagabundo como protagonista). Durante a promoção desse trabalho – numa tournée de um ano mundo afora – suas dúvidas sobre o futuro do ‘Tramp’ levou-o a novas atividades.

“Desejo que Charlie conserve sempre um humor leve, ele está sério demais,” escreveu seu irmão Sydney. “Atualmente ele escreve um artigo sobre como resolver o problema das indenizações pela Alemanha. E a solução para essa dificuldade é notável e tão simples que não entendo por que ninguém pensou nisso antes.”   

Guyonvarch suspeita que Chaplin ponderou seriamente à época a possibilidade de uma carreira política e mostra um recorte de 1931 – entrevista tirada do Daily Telegraph, de Londres – em que Chaplin declara: “O que gostaria antes de mais nada seria disputar uma cadeira no Parlamento.”

É geralmente aceito, acrescenta, que Charlie Chaplin lançou a carreira de Paulette Goddard quando ele regressou a Hollywood, mas na opinião de Guyonvarch, pode ter acontecido o contrário, sendo Goddard quem o tenha recolocado nos trilhos”. E, então, Chaplin passou finalmente a dedicar-se ao cinema sonoro.

“Ele estava e ainda está por todas as partes,” observa Guyonvarch. No mundo, mais de 100 cidades são realizados eventos comemorativos do centenário de The Tramp, bem como muitas exibições de filmes ao vivo.com acompanhamento de orquestra.

Mudança para a Suíça

Charles Spencer Chaplin (1889-1977) nasceu em Londres. Ele começou muito cedo no music-hall inglês, e quando viajava pelos Estados Unidos em 1913, recebeu proposta de contrato para seu primeiro filme, em 1914, que se tornou um sucesso mundial. E por volta de 1917 tinha suficiente êxito para lançar seus próprios estúdios em Hollywood, onde realizou filmes até 1952. Nesse ano, quando lhe foi recusado visto para os Estados Unidos, em consequência do clima político da época, ele decidiu mudar-se com a família para a Suíça.

Chaplin foi um dos poucos cineastas que não somente financiaram e produziram quase todos seus filmes, como também autor, ator, diretor e compositor das músicas da maioria de suas películas.

O Museu Chaplin deve ser inaugurado em 2016, no Manoir de Ban, em Vevey (ao lado de Montreux), onde viveu com sua família depois de transferir sua residência dos Estados Unidos para a Suíça.

O Acervo Chaplin será publicado por Taschen em tamanho XL, em janeiro de 2015.

David Robinson, biógrafo autorizado de Chaplin, acaba de publicar ‘The World of Limelight.’ (lit. O Mundo de Luz da Ribalta)

Tradução: J.Gabriel Barbosa

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