O trunfo de Gaspard Stockalper: Simplon, mercenários e o sal
Na turbulência da Guerra dos Trinta Anos, o empresário Gaspard Stockalper tinha três trunfos na manga: o Simplon, os mercenários e o mercado de sal. De sua sede em Briga, ele elaborou uma estratégia que era tão delicada quanto lucrativa: a de um jogo internacional de dois lados.
Este artigo foi extraído do blog do Museu Nacional Suíço e publicado originalmenteLink externo em 15 de setembro de 2023.
Em 1639, quando Gaspard Stockalper estava criando seu império comercial no Simplon, o risco de ser arrastado para a guerra que assolava o continente era grande.
Poderosas formações militares estavam estacionadas nas fronteiras, incursões e travessias de tropas eram comuns, enquanto as passagens importantes desta região alpina a colocavam constantemente sob a mira de potências beligerantes.
Quanto à Confederação Suíça, ela estava dividida em linhas confessionais, incapaz de agir na política externa e não tinha uma organização militar centralizada.
Coletor de impostos e diplomata
A inquietação também crescia no Valais: não podendo ignorar a situação perigosa em que a região se encontrava, o Grande Conselho do Valais se vê forçado a reorganizar seu dispositivo de defesa e fortalecer suas capacidades defensivas.
Gaspard Stockalper, um importante comerciante com uma extensa rede de contatos e informações, é eleito para o Conselho de Guerra. Ele já havia sido enviado a Soleure para se encontrar com o embaixador da FrançaLink externo, a fim de recuperar as somas devidas aos mercenários valaisanos e negociar o envio de novas companhias para a França.
Ele é então enviado a Baden como representante da República dos Sete Dizens na Dieta Federal, onde estão sendo debatidos os distúrbios que abalam as Três Léguas e os direitos de passagem das tropas espanholas por seus passos alpinos. Gaspard Stockalper obtém assim acesso a funções decisivas também no campo militar, que ele sabe aproveitar para seus negócios.
Naquela época, entre 20 mil e 30 mil mercenários suíços estavam a serviço de governos estrangeiros. Todas as partes beligerantes estavam de olho nesse recurso: reis e príncipes pagavam quantias substanciais aos cantões para obter autorização para recrutar, enquanto empreendedores militares que alistavam, equipavam e enviavam as companhias aos seus contratantes obtinham enormes lucros.
Muitos exércitos na Europa tinham vários milhares de suíços em suas fileiras. Nem os compradores nem a Confederação consideravam que essas transações iam contra o princípio da neutralidade, desde que cada solicitação fosse examinada sem tomar partido.
O serviço estrangeiro sempre foi importante para o Valais. Desde a Idade Média, membros de famílias patrícias se distinguiam como líderes de mercenários, e os antepassados de Gaspard Stockalper não eram exceção.
Essa atividade constituía uma boa fonte de renda tanto para os proprietários de empresas quanto para os oficiais. As somas recebidas em troca do direito de recrutar representavam uma parte significativa da receita pública. Além disso, o Valais não tinha escassez de filhos excedentes de camponeses.
A França era um mercado particularmente ativo, uma vez que o reino podia recrutar pelo menos seis mil suíços em virtude do grande tratado de aliança defensiva concluído em 1521, que acabara de ser renovado. Quando a Confederação não permitia que a França expandisse suas fileiras o suficiente, o rei francês prontamente recorria às companhias livres do Valais. Em 1641, o Regimento Valaisano de Ambühl, com dois mil homens, também entrou em seu serviço regular.
Gaspard Stockalper não liderava tropas pessoalmente, mas fornecia companhias à França e à Saboia, e provavelmente também a Nápoles e Veneza, alugando-as a comandantes ou entregando-as a oficiais por um salário fixo. Essa atividade rendia retornos de até 20% com baixo risco.
Stockalper teve que se deslocar pessoalmente a Paris apenas uma vez, em 1644, quando o regimento de Valais estava sem comandante. No entanto, cinco companhias, totalizando 600 homens, já haviam sido enviadas à Espanha para apoiar os insurgentes catalães, violando o tratado celebrado com a França.
Esses mercenários foram quase completamente dizimados pelos espanhóis na cidade estratégica de Lérida (em catalão: Lleida). 250 mercenários perderam suas vidas, e 200 foram capturados: um duro golpe para o serviço estrangeiro. No entanto, estima-se que, até 1679, somente essa atividade, que estava em constante crescimento, permitiu a Gaspard Stockalper auferir um lucro equivalente a 48 milhões de francos atuais.
Sal, o ouro branco
As atividades comerciais de Gaspard Stockalper realmente decolaram em 1647, quando ele obteve o monopólio mais importante, o de fornecer sal ao Valais. O salLink externo era, de fato, um produto indispensável para a criação de gado e a para conservação de queijo e carne.
Como não dispunha de depósitos de sal e suas necessidades podiam chegar a 750 toneladas por ano, o Valais concedeu o monopólio de seu suprimento. Visto que as fontes de sal eram muito distantes, o “mestre do sal” tinha de manter boas relações nos centros de comércio e com os órgãos governamentais.
Também era necessário um capital substancial para cobrir os custos de compra, transporte e armazenamento de sal. Da mesma forma, dispor de uma vasta rede de distribuição era imprescindível.
Gaspard Stockalper parece ideal para esse papel. O contrato de dez anos que ele negociou mostrou-se vantajoso: em troca do direito e da obrigação exclusivos de abastecer com sal o Valais, ele o comprava a um preço fixo e recebia preços de venda fixos.
Ele também estava isento de taxas alfandegárias e impostos sobre o uso de subterrâneos. Por sua vez, seus subcontratados eram sempre obrigados a pagar pelo sal em dinheiro vivo. Além disso, ele tinha a liberdade de obter seus abastecimentos de onde quisesse: dependendo das condições do mercado, ele podia comprar sal francês, da Sabóia, da Borgonha, de Veneza ou da Sicília, e embolsar uma bela margem de lucro. O contrato foi renovado duas vezes, tornando Stockalper extremamente rico.
No entanto, a verdadeira força motriz por trás de sua “prensa de dinheiro” em Briga consistia na combinação do trânsito pelo Simplon, mercenarismo e sal, formando um sistema que se alimentava e se acelerava por si só.
Esses três trunfos permitiam a ele velejar entre as grandes potências. Ele fornecia mercenários ao rei da França em troca de sal barato, privilégios comerciais e vantagens especiais. O embaixador francês escrevia repetidamente a Paris que “Stockalper governa o Valais” ou que “Stockalper é o líder do País do Valais”. Sal barato tinha de ser entregue a ele para não pôr em risco o fluxo constante de mercenários.
Na corte francesa, ele recebeu o apelido de “O Rei do Simplon”. Stockalper também fez valer seus trunfos junto a Milão espanhola, permitindo a franca passagem de tropas pelo colo em troca de sal a preço acessível e outros privilégios. Todas as cabeças coroadas queriam atrair as boas graças deste senhor de Briga. Ele foi assim nomeado cavaleiro de São Miguel por Luís XIV, cavaleiro da Espora de Ouro pelo Papa Urbano VIII, barão pelo duque de Saboia e cavaleiro do Império pelo imperador Fernando III.
Ao longo dos anos, Gaspard Stockalper de la Tour tornou-se útil em todos os lugares graças à sua neutralidade política e comercial. Ele impedia as grandes potências de intervirem e as colocava umas contra as outras, ao mesmo tempo em que fazia negócios com cada uma delas.
Com isso, ele permitiu que o Valais passasse por esse período difícil sem problemas, enriquecendo-se consideravelmente no processo. A rivalidade entre a França e a Espanha persistiu após os Tratados de Vestfália de 1648, e a neutralidade que Stockalper havia estabelecido como modelo comercial e seu status nesse jogo de equilíbrio permaneceram intactos.
Em 1669, ele ascendeu ao mais alto cargo secular do Valais, o de grande bailio, reunindo assim os mais altos poderes legislativo, executivo e judicial. No auge de sua carreira econômica e política, ele parecia intocável. Mas o destino havia decidido o contrário…
Adaptação: Karleno Bocarro
swissinfo.ch reproduz regularmente artigos do blog do Museu Nacional SuíçoLink externo sobre temas históricos. Artigos são publicados semanalmente em alemão, francês e inglês.
O autor
Helmut Stalder é historiador, jornalista e autor de livros especializado em história da economia, transporte e tecnologia.
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