Os mercenários suíços na América do Norte
Embora não fossem oficialmente autorizados a atuar na região, mercenários suíços lutaram na América do Norte ao longo da primeira metade do século XVIII. Durante a guerra da França contra os povos indígenas, soldados suíços do Regimento de Infantaria de Karrer foram mortos no Mississippi.
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Louisbourg, uma antiga cidade francesa fortificada, localizada no extremo da província canadense da Nova Escócia: em 2017, arqueólogos escavaram um dos cemitérios da região e encontraram o esqueleto de um homem entre 30 e 34 anos. Até agora, nada de anormal para uma necrópole do século XVIII. Mas os botões de cobre encontrados com os ossos sugerem que o falecido tinha um passado militar. Após investigar o caso utilizando métodos forenses e pesquisando sobre a história do forte, os cientistas chegaram à conclusão de que se tratava de um soldado originário das regiões da atual Suíça ou do sul da Alemanha. O jovem provavelmente servia num regimento criado na Suíça e enviado para o Canadá na primeira metade do século XVIII: o Regimento de Infantaria Naval de Karrer.
Até o final do século XVI, o mercenarismoLink externo era um negócio lucrativo para a Confederação. Os combatentes confederados eram extremamente requisitados pelas potências beligerantes europeias. Essa atividade trouxe muito dinheiro para os cofres do que é hoje a Suíça, e particularmente para os bolsos das classes dirigentes, que organizavam esses intercâmbios, organizavam as tropas e às vezes até serviam como oficiais em exércitos estrangeiros. No início do século XVI, até mesmo um homem de origem modesta podia encontrar, nesses arranjos, uma oportunidade de enriquecer. Na época, as expedições militares tinham uma duração limitada e terminavam quando o serviço era concluído. Remunerada por pagamento, mas também pelos frutos das pilhagens, essa atividade permitia acumular rapidamente uma fortuna muito maior do que aquela ganha com ofícios mais comuns. É por isso que a proposta também atraía homens das camadas populares.
A situação, no entanto, mudou com o surgimento de exércitos regulares na Europa ao longo dos séculos XVII e XVIII. Por muitos anos, o mercenarismo havia se limitado a uma tropa. Os serviços de guarnição, assim como as longas e desnecessárias campanhas nos conflitos europeus, tornaram-se a norma nos serviços estrangeiros. Mas essa normalização também aumentou o risco de ser deixado para trás física, psicológica e financeiramente. Assim, o entusiasmo pelos serviços estrangeiros foi diminuindo.
No que diz respeito aos mercenários suíços, o reino da França foi sem dúvida o parceiro mais poderoso da Confederação. Desde o século XVII, os regimentos helvéticos eram recrutados nas regiões que são hoje a Suíça, em nome do rei francês e seu exército regular. A coroa francesa e os cantões confederados celebravam acordos, também conhecidos como capitulações, que determinavam o tamanho, a composição, o comando e a alocação desses regimentos. Os Confederados tinham particularmente o interesse de garantir que essas tropas suíças, recrutadas oficialmente, não tomassem parte em nenhum conflito fora da Europa. Eles também insistiam que, na medida do possível, os regimentos suíços não lutassem entre si e fossem repatriados rapidamente.
No entanto, o Regimento Karrer foi uma exceção à regra. Seu fundador e primeiro comandante foi Franz Adam Karrer (1672-1741), que nasceu em Röschenz (Basileia-Campo) e se estabeleceu no cantão de Soleura a partir de 1711. Ele iniciou sua carreira militar aos 14 anos de idade, a serviço da França, e foi então sendo promovido. Em 1719, ele conseguiu formar seu próprio regimento, com base numa capitulação privada celebrada com Joseph Fleuriau d’Armenonville (1661-1728), o ministro francês da Marinha. Embora não fosse uma capitulação oficial, este acordo foi tolerado pelos cantões confederados, o que permitiu que o chamado regimento “franco” atravessasse o mar para lutar nas colônias francesas.
A coroa francesa precisava extremamente das tropas suíças em suas colônias. As terras americanas cobiçadas pela França na primeira metade do século XVIII se estendiam desde o atual Canadá até o Delta do Mississippi, para além de Nova Orleans. Tratava-se de um vasto território que precisava ser não apenas vigiado, mas também defendido contra os ataques de grupos indígenas e de missões expansionistas britânicas ao leste.
A partir de 1721, o regimento de Karrer foi colocado sob a autoridade direta do Ministério da Marinha francês e duas companhias foram enviadas para a “Nova França”. Os mercenários suíços deviam apoiar os franceses em várias bases militares ao longo dos rios Mississippi e São Lourenço, mas também em Louisbourg, localizada no território onde é atualmente o Canadá.
As missões eram árduas, particularmente por causa das más condições do abastecimento de suprimentos. Os suíços também eram muitas vezes difíceis de comandar, uma vez que as condições especiais definidas por seu contrato lhes davam direito a privilégios que, frequentemente, nem os oficiais conseguiam ter. Foi nesse contexto que as tropas de Karrer se amotinaram em 1744 em Louisbourg, onde estavam estacionadas.
A guerra entre os ingleses e os franceses também envolveu lutas nas colônias norte-americanas. Com as faixas marítimas sob controle britânico, o abastecimento de Louisbourg era incerto. As disputas pessoais entre os oficiais que comandavam a cidade fortificada também alimentaram o descontentamento e a desconfiança dos soldados. E, em 1744, pouco depois do Natal, os abusos levaram ao motim suíço. Os soldados se reuniram sem seus oficiais e, ao bater dos tambores, deixaram seus aposentos, com suas baionetas nas pontas dos rifles e sabres em punho. Os oficiais que tentaram argumentar com os amotinados foram espancados. Até mesmo soldados do exército francês regular se juntaram aos descontentes. A revolta geral não estava longe. Foi apenas quando o comando da guarnição concordou em falar francamente sobre a escassez e ouvir as queixas que os ânimos se acalmaram um pouco. A precariedade do fornecimento de alimentos foi uma das reclamações apresentadas. Os peixes, em particular, tiveram um papel importante. De fato, durante uma missão bem-sucedida contra uma fortaleza britânica na primavera daquele ano, o saque havia incluído grandes quantidades de bacalhau, que o comando havia prometido distribuir aos soldados. Mas os insurgentes argumentavam que os oficiais haviam guardado a maior parte para si. A situação finalmente se acalmou sem derramamento de sangue: os amotinados receberam uma soma de 7 a 8 mil libras dos cofres reais, o equivalente a cerca de 35 a 40 mil francos suíços hoje. Eles baixaram as armas e voltaram para seus aposentos de inverno. O comando, por sua vez, renunciou a qualquer sanção, por medo de reanimar a insatisfação.
O regimento de Karrer também esteve envolvido em conflitos militares com os nativos da Nova França. Em 26 de maio de 1736, mercenários suíços, ao lado de tropas regulares francesas, voluntários e aliados da etnia Chacta, participaram do ataque a um povoado chicacha, não muito longe da atual cidade de Tupelo (Mississippi), onde Elvis Presley nasceria séculos mais tarde. Sob o comando do governador Jean-Baptiste Le Moyne de Bienville (1680-1767), cofundador de Nova Orleans, foi iniciado um ataque descoordenado ao povoado, um episódio que ficou conhecido na história americana como a Batalha de Ackia. O ataque foi repelido habilmente pelos chicachas, o que obrigou os franceses a se retirarem com grandes perdas, que não pouparam os mercenários do regimento de Karrer.
Adrian Baschung é historiador e diretor do museu Altes Zeughaus em Solothurn.
Adaptação: Clarice Dominguez
Adaptação: Clarice Dominguez
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