Os ventos de agosto do Brasil sopram também em Locarno
Entre ficção e documentário, aproximação antropológica e arte pura, o primeiro longa-metragem do jovem diretor brasileiro Gabriel Mascaro foi exibido sexta-feira em Locarno.
“Para mim não existe contradição entre a ficção e a realidade, como também entre a vida e a morte. São componentes de um todo único”, afirma Mascaro em entrevista a swissinfo.ch.
“Minha intenção, em todo caso, foi chegar perto de uma visão de convergência entre a vida e a morte, convencido de que fazem parte da mesma experiência do cinema.”
Para comprovar essa hipótese, o diretor e uma pequena equipe de cinco pessoas passou algumas semanas, em meados de 2012, no povoado de Patacho, no litoral de Alagoas, na época dos violentos ventos atlânticos, marco e pretexto para o roteiro do filme que teve estreia mundial em Locarno.
O roteiro é simplesmente o cotidiano
Shirley, encenada por Dandara De Morais, abandona a cidade grande e chega ao povoado para cuidar da avó que vive sozinha.
Tratorista em uma plantação de coco, encontra Jeison -Geová Manoel Dos Santos-, que trabalha na mesma plantação e que nas horas livres pratica pesca submarina em apneia.
As tempestades tropicais de agosto castigam regularmente o litoral, no momento em que um especialista de ventos – interpretado pelo próprio Mascaro – chega ao povoado para localizar a zona de convergência intertropical e escutar o som do vento.
O descobrimento de um esqueleto antigo no fundo do mar e a norte acidental do recém chegado levam os jovens Shirley e Jaison a se confrontarem à dualidade entre vida e morte, luto e lembranças, vento e mar.
Só uma atriz profissional
Gabriel Mascaro nasceu em 1983 e é formado em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco. Alguns de seus trabalhos experimentais foram apresentados no Museu de Arte Contemporânea de Barcelona e no MoMa de Nova York.
Dandara de Morais nasceu em 1990. É bailarina desde o sete anos de idade.
O filme foi feito com modestos recursos materiais. Menos de 60 mil reais em sua fase de produção. Foi rodado em três semanas.
Com diversas subvenções foi feita a pós-produção. Essa fase durou quase 18 meses e incluiu refazer todo o som em estúdio.
Além de Locarno, Ventos de agosto será apresentado em outros festivais. Já foi pré-selecionado para 47ª edição do Festival de Brasília.
Ventos de Agosto, cuja produção custou menos de 40 mil francos suíços, é uma realização coletiva interpretada por atores amadores. Com a exceção de Dandara de morais, a atriz principal, todos os protagonistas foram selecionados entre os moradores do povoado. Isso provocou um encontro intercultural forte ente a equipe chegada da cidade grande e os locais.
Apesar desse encontro entre dois mundos, “não se pode falar de um filme
antropológico, explica Mascaro. “Do momento em que existem personagens externos que dão força à ficção, já se trata essencialmente de cinematografia e não de etnografia, mesmo se podem haver referências antropológicas na ideia de base”, acrescenta.
“Foi uma experiência muito desafiadora. Eu fui morar com Maria – que no filme representa minha avó – em sua casa muito humilde. Sem água encanada nem banheiro, apenas com uma cama e um colchão”, explica Dandara De Morais ao swissinfo. ch.
“Passamos três semanas com os atores locais e desse intercâmbio ativo foi surgindo a versão final do filme. Tive muita liberdade em minha participação. Pude improvisar constantemente. Porém os outros, como não profissionais, tiveram que aprender de cor seus papéis para não perder o fio da meada e dar coerência ao roteiro”, continua.
O encontro e a convivência com Maria tiveram momentos fortes, insiste. “Foram criados em pouco tempo laços afetivos profundos. Ele me incorporou com uma verdadeira neta, me contava histórias da vida. Eu a penteava, ouvia, a mimava, o que permitiu criar uma grande confiança que se expressa em nossos diálogos no filme.”
Locarno é “algo incrível”
A apresentação do filme na competição internacional aparece hoje para Dandara De Morais “como um sonho que se tornou realidade, algo realmente incrível”, que marca o início de uma caminho que pode ser prometedor.
Com a perspectiva de uma distribuição no Brasil, em busca de compradores em outros países e selecionado para o próximo Festival de Brasília, o filme teve sua estreia em Locarno.
Tudo isso causa surpresa ao diretor e sua equipe. “Sempre quis ser atriz, porém nunca imaginei que em apenas dois anos ia passar de bailarina a protagonista de um filme e estar presente em tela tão prestigiosa como a que oferece este festival”, conclui.
Adaptação: Claudinê Gonçalves
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