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“Para que o céu não caia em nossas cabeças”

Cena do espetáculo de dança Para que o céu não caia da coreógrafa Lia Rodrigues.
Cena do espetáculo de dança "Para que o céu não caia" da coreógrafa Lia Rodrigues. cortesia

A companhia brasileira de dança Lia Rodrigues apresentou nos palcos do Zürcher Theater Spektakel sua mais recente criação, o espetáculo "Para que o céu não caia". A coreografia explorava, entre outras, a questão do que cada um de nós pode fazer para interromper os processos de destruição do planeta, dos povos nativos, da sociedade.

A Lia Rodrigues Companhia de DançaLink externo foi a única representante da arte produzida no Brasil nos palcos do Zürcher Theater SpektakelLink externo este ano. O evento, que ocorreu em Zurique entre os dias 17 de agosto e 3 de setembro, trouxe mais de 40 artistas e grupos de teatro, dança, circo e música, de 39 países.

A companhia, que há mais de 12 anos se estabeleceu na Comunidade da Maré, no Rio de Janeiro, se apresentou entre os dias 31 de agosto e 2 de setembro. No palco, 11 bailarinos dançaram “Para que o céu não caia”, uma obra criada por Lia Rodrigues e seu grupo. Foi a segunda participação da companhia na história do Zürcher Theater Spektakel. A primeira foi em 2012 com o espetáculo “Pororoca”.

A coreografia, segundo Lia Rodrigues, é resultado de uma jornada de mais de nove meses de interação e criação dos bailarinos e coreógrafa. Tudo começou com o projeto piloto Questionário Afetivo–Cultural-Corporal na Maré, parte do programa Dançando com a Maré.  Nele, os bailarinos da Lia Rodrigues Companhia de Danças, os 18 jovens do Núcleo 2 da Escola Livre de Danças da Maré e de duas estagiárias percorreram as ruas da Maré e pediram a mais de cem pessoas para responderem um questionário produzido coletivamente. A partir dessa experiência, os bailarinos e estudantes criaram um exercício coreográfico. Ali, a semente de um projeto de espetáculo foi plantada.

Inspiração na cultura indígena

Depois, referências e trabalhos de diversas fontes foram utilizados no processo de criação. Uma delas é o livro “A queda do céu”, do xamã ianomâmi Davi Kopenawa e etnólogo Bruce Albert. Nele, Davi Kopenawa relata o mito do fim do mundo, explicando que uma vez que a harmonia na terra é quebrada, o céu, que no idioma ianomâmi se refere a “tudo aquilo que está acima de nós”, irá cair na terra sobre as cabeças das pessoas.

Em seu livro, Davi Kopenawa faz um apelo ao anunciar a morte dos xamãs e a “queda do céu” sobre os brancos, chamados por Davi de “o povo da mercadoria”. Uma das questões que permearam o processo de criação da companhia é o que cada um de nós pode fazer para, a seu modo, segurar o céu.

Conteúdo externo

Lia afirma que seu trabalho não tem a intenção de passar uma mensagem específica ao público, “não pretende ser um manifesto”. “Não é meu desejo passar uma mensagem para ninguém, apenas sensibilizar aqueles que estão vendo o trabalho. E cada pessoa vai fazer o que quiser com essa sensibilização, a partir daquilo que ela já tem dentro de si”, afirma a coreógrafa. 

O espetáculo estreou em maio de 2016 em Dresden, na Alemanha, e já foi apresentado em várias outras cidades alemãs, assim como na França, Israel e no Brasil.  Depois de Zurique, o grupo seguirá com apresentações na Alemanha, Noruega, Suécia, Espanha, Portugal e França. 

Intercambio na Suíça, trabalho na França

Além dos espetáculos, Lia Rodrigues desenvolveu ao longo de sua carreira diversos projetos de pesquisa, educação e criação com alunos de diversos países.  Em dezembro de 2016, os alunos da Maré passaram duas semanas em Lausanne participando de um intercâmbio com os alunos da escola de artes La Manufacture. Em abril deste ano, foi a vez dos alunos da escola suíça passarem quatro semanas no Centro de Artes da Maré no Rio de Janeiro.

Para os próximos três anos, Lia Rodrigues conta que já está com projetos engatilhados na França em dois teatros dos quais é artista associada. Sua conexão com a França vem de longa data. Após ter participado do movimento de dança contemporânea em São Paulo, nos anos 70, Lia integrou a Compagnie Maguy Marin entre 1980 e 1982. De volta ao Brasil,  fundou a Lia Rodrigues Companhia de Danças em 1990, no Rio de Janeiro.

Lia Rodrigues fala sobre fazer arte no Brasil

“No momento não há nenhuma verba disponível, zero dinheiro para as artes no Rio de Janeiro, e no Brasil também. Nós sobrevivemos graças às nossas apresentações na Europa. Se não fossem nossas turnês pela Europa, não teria como manter meu trabalho. Nesse sentido, sou bastante privilegiada porque tenho essa história que foi construída ao longo dos anos na Europa. Mas é muito triste ver tudo isso porque o melhor é quando você tem vários artistas fazendo seus trabalhos, de jeitos diferentes, com estéticas diferentes, criando diálogos. E agora, neste momento é um deserto. As pessoas estão muito desesperadas.”

O trabalho de resistência

“Eu estou fazendo o que acredito há muitos anos. Trabalho com a Redes da Maré, no Centro de Artes da Maré, na Escola Livre de Dança da Maré – Núcleo 2, que é um núcleo de formação continuada que atende 200 pessoas ao ano entre crianças, adolescentes e adultos, além do meu trabalho de artista direto com a Lia Rodrigues Companhia de Dança. E vou continuar a parceria com a Redes da Maré. Para mim, é um trabalho de muita importância, não só do ponto de vista pessoal, mas é o jeito que eu acredito que estou mobilizada. Já estou há muito tempo fazendo isso e vou continuar resistindo, sempre.” 


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