Pro Helvetia abre representação fixa na América do Sul
Depois de três anos de experiência com um projeto piloto, em 2021 a Pro Helvetia consolidará de vez a conexão artística entre a Suíça e o continente sul-americano inaugurando escritórios fixos em São Paulo, Santiago, Bogotá e Buenos Aires.
Quando leu o e-mail pela primeira vez, Janaína Lobo não entendeu. Curadora e produtora de um festival de dança contemporânea no Nordeste do Brasil, ela não estava exatamente acostumada a receber convites para viagens internacionais de pesquisa. Fora do considerado ‘eixo central’ das artes no Brasil, ainda muito pautado pela região Sudeste (Rio de Janeiro e São Paulo), a artista ficou surpresa quando entendeu que estava recebendo um convite para acompanhar um festival de dança na Suíça com todas as despesas pagas.
A equipe do JuntaLink externo, festival internacional de dança que acontece há seis anos em Teresina, Piauí, havia entrado no radar do programa de fomento para intercâmbios culturais entre Suíça e América do Sul. Com o objetivo de criar parcerias e promover trocas entre artistas do país alpino e do Sul do mundo, o Conselho de Artes Suíço Pro HelvetiaLink externo estava de olho no festival, conhecido por provocar reflexões políticas através da dança.
Depois da viagem de pesquisa para Lausanne, a equipe do festival Junta entrou para o grupo de iniciativas apoiadas pela Pro Helvetia no Brasil. Em parceria com a fundação, planejaram uma residência artística de quatro semanas para unir bailarinos locais do Piauí e suíços – mas que precisou ser adiada por conta da pandemia de Covid-19.
A parceria entre os artistas dos dois mundos foi viabilizada pelo projeto Coincidência, uma iniciativa piloto da Pro Helvetia para mapeamento e articulação de artistas na América do Sul. Seguindo o caso do festival Junta, chama atenção o esforço e sucesso da fundação em contatar artistas de diversos territórios e países, não se limitando às zonas mais centrais ou tradicionais no mercado da arte.
Depois de três anos e cerca de 280 projetos apoiadosLink externo – entre exposições, performances, viagens – a experiência de trocas artísticas no continente foi avaliada como um sucesso. Em 2021 a fundação suíça dará sequência ao fomento das artes. A surpresa é que, para a América do Sul, a Pro Helvetia decidiu-se por um esquema tentacular, com um escritório central em Santiago (Chile) e três outros espalhados pelo resto do continente.
A nova estrutura permitirá que a Pro Helvetia consolide as relações internacionais já existentes e aumente para sete o número de regiões cobertas por sua rede global de escritórios no exterior. Além do novo escritório com representantes no Chile, Brasil, Argentina e Colômbia, a fundação suíça tem sedes na Rússia, Índia, Egito, África do Sul, China e França.
“Antes, a Pro Helvetia não tinha presença ativa no continente sul-americano, o que era uma pena, pois o potencial artístico e a diversidade cultural da América do Sul impressionam”, disse Maria Angie Vial, coordenadora do programa, em entrevista à swissinfo.ch. Para ela, a abertura das novas bases significa a oportunidade para os artistas abordarem temas e questões importantes que são relevantes para a sociedade suíça e sul-americana.
Como ocorre com as outras sedes, o escritório da América do Sul é financiado pelo Conselho de Artes Suíço, deliberado pelo governo e parlamento. O investimento gira em torno de CHF 640 mil, incluindo custos operacionais, de pessoal e dos projetos apoiados. Na prática, o escritório mapeia iniciativas artísticas, e estabelece contatos e parcerias para cofinanciamento com as iniciativas locais.
“Isso significa que os fundos reais do projeto são muitas vezes maiores do que a contribuição da Pro Helvetia”, explica Vial. “Para nós a questão crucial é como usar o orçamento de forma mais eficaz, porque com as verbas disponíveis podemos causar um impacto muito bom”, acrescenta.
Vial, que além de coordenar as atividades da Pro Helvetia também tem longa carreira como produtora cultural, observa que há um interesse enorme de artistas suíços na cena latino-americana. “O continente gera um impacto cultural eletrizante”, diz.
A abertura dos escritórios aparece como o caminho para consolidar e expandir as parcerias artísticas semeadas pelo Coincidência. Criado pela Declaração de Política Cultural 2016-2020 do governo suíço, o programa aprofundou colaborações entre profissionais e instituições na Suíça e em dez países sul-americanos.
Diversidade continental
Além do festival inovador de dança Junta, outras dezenas de coletivos e artistas foram apoiados. “Priorizamos trabalhos com temas principalmente relacionados às questões de memória, construção do território, conflito e pós-conflito, contemporaneidade e narrativas não modernas”, explica Vial.
Dentre as várias iniciativas apoiadas, várias foram vivências imersivas que juntaram artistas de diferentes nacionalidades. Na Argentina, por exemplo, apoiada pela Pro helvetia, ocorreu entre março e abril de 2019 uma residência colaborativa com a artista suíça Julie Beauvais, a francesa Horace Lundd, a argentina Natalia Chami e a população local da península Valdés, na Patagônia.
Durante a vivência foram captados materiais e inspirações para a vídeoinstalação “Orlandos”, uma exposição que parte do romance épico de Virginia Woolf sobre uma figura andrógina e incorpora um novo paradigma pós-binário.
Outra residência apoiada pela fundação suíça foi a plataforma Explode!Link externo, no Brasil. Na zona leste da cidade de São Paulo, uma residência de quatro semanas reuniu 14 artistas conectados à pesquisa e experimentação das noções de gênero, classe, raça, pedagogia e imigração. “Construímos um espaço de encorajamento coletivo”, conta João Simões, um dos curadores do evento.
Como fruto da residência, a plataforma Explode! participou de oficinasLink externo, performances e exposiçõesLink externo em São Paulo e na Suíça. Buscando “provocar reflexões sobre um sistema que regula e oprime corpos, códigos, condutas e subjetividades”, os projetos da Explode! se conectaram com outros artistas suíços principalmente na PartoutLink externo – uma plataforma internacional de arte de performance sediada na Basileia.
Apesar da pungência artística, vários países latino-americanos amargam uma realidade de pouco investimento na cultura. Na análise de Vial, o desequilíbrio e a desigualdade econômica no setor cultural estão aumentando. Para ela, esse é um momento importante para solidificar as parcerias e envolver artistas locais ainda mais.
“É também importante que possamos garantir a continuidade e um apoio com base democrática, que possamos proteger a liberdade inerente e os valores da liberdade de expressão”, aponta.
Com a chegada oficial da Pro Helvetia no continente sul-americano, Vial declara “não estamos interessados em fazer uma exportação cultural. Ao contrário, promovemos cooperação. No fundo, trata-se de criar espaços compartilhados, onde o diálogo e a troca cultural sejam possíveis”.
A nova direção
O escritório da Pro Helvetia na América do Sul funcionará de maneira descentralizada para cobrir todo o continente extenso que reúne cenas culturais tão diversas. A equipe se dividirá em quatro bases, distribuídas em diferentes países e considerando as variações linguísticas. A direção geral ficou com a promotora cultural chilena María Vial, que já era responsável pelo projeto Coincidência para o Chile, Bolívia e Peru.
Os demais responsáveis pelo intercâmbio cultural Suíça-América do Sul são Santiago Gardeazábal (Bogotá, Colômbia), o curador especializado em arte digital e música eletrônica Ariel Charec (Buenos Aires, Argentina), e o crítico e curador João Paulo Quintella (São Paulo).
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