Quando a Suíça se tornou um centro de espionagem da China
Na década de 1960, Berna converteu-se em centro da espionagem chinesa. Os serviços secretos suíços mostraram-se impotentes - também porque não conseguiam realmente distinguir os chineses dos infiltrados.
“Berna: o centro de espionagem da China Vermelha na Europa”, “Diplomatas chineses vermelhos recebem formação na Suíça”. Centenas de manchetes em todo o mundo atingiram esse ponto nos anos 1960. Mas a Suíça oficial negou tais descrições por um longo tempo:
Já em 1965, o Ministério Público anunciou que o “conto de fadas” sobre uma escola de agentes chineses na Suíça tinha provavelmente sido inspirado no filme “Goldfinger” com James Bond.
Contudo, os dossiês dos Arquivos Federais mostram uma imagem diferente: agentes secretos chineses criaram dezenas de redes internacionais de espionagem nas décadas de 1950 e 1960 – a partir da Suíça. Como poderia a Suíça tornar-se um centro de controle para a espionagem chinesa?
Centro de espiões
Por um lado, a Suíça estabeleceu relações diplomáticas com a República Popular da China desde cedo, assim como a Holanda e os países escandinavos. Mas Berna estava melhor situada para reuniões secretas do que Amsterdã ou Oslo. Por outro lado, como país neutro que pretendia firmar-se como mediador de conflitos, a Suíça mantinha relações diplomáticas com o maior número possível de nações. Milhares de diplomatas viajavam todos os anos para a ONU e outras organizações internacionais em Genebra. Aqui era possível espionar delegações e diplomatas de todo o mundo.
Contribuía, com isso, também o fato de que o mandato da contra-espionagem suíça fosse definido de forma muito restrita. A Procuradoria-Geral da Suíça e a Polícia Federal só tinham que tomar medidas contra pessoas e organizações que pusessem em risco a segurança interna e externa da Suíça. Em suma, espionar estrangeiros na Suíça não era ilegal.
Nas décadas de 1950 e 1960, a embaixada e o consulado-geral da China em Genebra empregaram em conjunto até 100 funcionários. O conselheiro federal Max Petitpierre justificou em 1957, no Parlamento suíço, o enorme número de funcionários chineses afirmando que a China mantinha contatos econômicos, culturais e políticos com diversos países da Europa Ocidental e também formava diplomatas na Suíça.
Não que não houvesse um olhar vigilante sobre espiões de países comunistas: um relatório de 1963 do ministério suíço das Relações Exteriores (EDA, na sigla em alemão) listou 20 tchecoslovacos, 6 russos soviéticos, 6 húngaros, 3 poloneses, 2 romenos, 2 iugoslavos e 1 búlgaro como suspeitos: no entanto, nem um único chinês ou chinesa. No mesmo ano, o departamento admitiu que, apesar das suspeitas, se absteve de tomar medidas contra a embaixada chinesa – “no interesse de manter relações normais com a China”.
Espionando em Taiwan
Hoje está claro: vários diplomatas chineses também eram espiões. Mesmo o primeiro embaixador da China na Suíça, Feng Xuan, revelou-se um agente secreto de alto escalão que ajudou a estabelecer a Suíça como centro de espionagem chinesa na Europa. Quando regressou à China em 1959, tornou-se vice-director do Departamento Central de Investigação, hoje Ministério para a Segurança do Estado. Em 1966, a Polícia Federal escreveu que Feng tinha sido “um dos mais importantes chefes dos serviços secretos chineses na Europa Ocidental”.
Os diplomatas taiwaneses também desempenharam um papel central. Para a China, Taiwan era uma província separatista que mais cedo ou mais tarde seria reintegrada à República Popular. Muitos diplomatas taiwaneses podiam ser chantageados para colaborar porque tinham parentes na República Popular da China. Nem sempre foram apenas pastas com poucas folhas que foram entregues: em um caso, um tradutor taiwanês em Nova York trouxe consigo tantos documentos da ONU que foi necessário chamar um táxi para que pudessem ser transportados até o consulado chinês.
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O envolvimento atingiu as fileiras mais altas: em 1966, Guo Youshou, o adido cultural da embaixada de Taiwan em Bruxelas, foi preso. Guo era um convidado regular nas conferências da UNESCO em Genebra – em duas funções: em 1954 ele havia sido recrutado pessoalmente na Suíça pelo próprio embaixador chinês Feng Xuan.
Durante doze anos, ele forneceu à China informações sobre Taiwan e mais de 100 diplomatas, expatriados e turistas taiwaneses – por um total de cerca de 40 mil dólares. Sua imunidade diplomática o protegeu de consequências legais, mas ele e seus contatos na embaixada chinesa foram expulsos do país. Isso foi feito com toda a discrição – a fim de não prejudicar as boas relações com a China, não foram divulgados à imprensa nomes ou razões para as medidas.
Uma vez que a China necessitava urgentemente de know-how e tecnologias ocidentais, os “diplomatas” chineses também contrataram numerosos cientistas e estudantes de origem chinesa em toda a Europa. Além da diplomacia, o jornalismo também forneceu um encobrimento muito bem-vindo: alguns agentes dos serviços secretos trabalhavam para a agência de notícia estatal Xinhua, que foi descrita pela Polícia Federal como a “força motriz por trás da inteligência chinesa na Europa Ocidental”: “A sua localização central lhe permite coordenar os relatórios recebidos de todo o mundo ocidental em Paris e depois encaminhá-los para Pequim via Berna e Genebra”.
Dificuldades para investigar
Em 1967, dos quase 100 funcionários chineses na Suíça, 30 eram suspeitos de serem agentes. Acredita-se que outros 30 exerciam funções de inteligência. É claro que a contra-espionagem suíça não ficou de braços cruzados enquanto assistia suas atividades em Berna e Genebra: ligações telefônicas foram interceptadas, diplomatas vigiados e visitantes identificados e investigados sempre que possível.
Cooperou também com a CIA e a Interpol – com pouco sucesso. O grande número de diplomatas chineses parecia impossível de dominar. Já em 1955, um relatório da Procuradoria-Geral da Suíça afirmava: “É quase impossível distinguir os chineses uns dos outros, uma vez que todos eles são muito parecidos”.
De fato, inúmeras tentativas de rastrear as atividades de supostos espiões chineses não deram em nada porque as testemunhas suíças eram simplesmente incapazes de identificar claramente os chineses.
Pelas mesmas razões, as atividades comunistas dos chineses eram consideradas pouco perigosas: a subversão chinesa na Suíça, segundo o secretário-geral do Departamento Político em 1964, não apresentava um grande problema: “Devido apenas à cor de sua pele, os chineses podem ser mantidos sob controle a qualquer hora”.
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Uma vez que a Polícia Federal não dispunha de financiamento suficiente, policiais locais seguiam suspeitos espiões e colaboradores chineses. Uma e outra vez, essas perseguições eram interrompidas repentinamente – por falta de pessoal, mau tempo, desorientação devido a ruas de mão única ou porque a pessoa suspeita tinha embarcado em um trem. Os agentes policiais contatados no suposto destino geralmente esperaram em vão na plataforma – os suspeitos haviam evaporado durante a viagem.
Mas mesmo que se pudesse provar que um diplomata estava envolvido em espionagem, ele raramente tinha que temer alguma medida contra si: qualquer ação tomada poderia resultar em retaliação contra empresas e diplomatas suíços na China.
Adaptação: Karleno Bocarro
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