Poetas concretos desembarcam em Zuriguidum
A exposição “Poesia é Risco” (Poesie ist Risiko), que abre hoje em Zurique, mostra como o trabalho iniciado no Brasil por Décio Pignatari e os irmãos Haroldo e Augusto de Campos tornou-se o movimento artístico brasileiro de maior relevância internacional até hoje.
“Poesia é Risco” é centrada na obra de Augusto de Campos, em plena atividade do alto dos seus 88 anos de idade e bastante presente inclusive no Instagram (@poetamenos, com 19 mil seguidores).
A abertura da exposição no Photobastei Link externosegue no bojo de um simpósio na Universidade de ZuriqueLink externo dedicado a Haroldo de Campos, com a presença de tradutores e estudiosos de sua obra vindos dos EUA, Alemanha, Itália, Suíça, França e Portugal. E, de quebra, uma leitura de poemas no Cabaret VoltaireLink externo, berço do dadaísmo, local mais que apropriado para uma homenagem à altura.
A arte concreta, ou concretismo, tem por origem diversos vetores, o que dificulta uma definição curta e concisa, geográfica e artisticamente limitada no tempo. Mas a poesia concreta floresceu no Brasil implodindo os limites da página, afetando todos os espaços da arte e cultura.
Segundo Mendonça, a influência do multi-artista e designer suíço Max Bill sobre o então jovem Décio PignatariLink externo foi decisiva no desenvolvimento da poesia concreta daquele ponto – virada das décadas de 1940/50 – em diante. “Mais que influência, porém, foi um encontro, ou seja, os irmãos Campos e Décio estavam já gestando algo que encontrou ressonância no que Max Bill e outros artistas, principalmente na Alemanha, estavam fazendo ao mesmo tempo”, explica Mendonça.
A máxima de que “nada se cria, tudo se transforma” também vale para o concretismo, afinal o seu ponto de partida formal encontra-se na evolução da tipografia em fins do século 19, explorada então pelo poeta francês Mallarmé e, em seguida, por Guillaume Appolinnaire. Mas a grande explosão foi mesmo a Bauhaus, a escola alemã cujo centenário de fundação está sendo celebrado este ano.
A Bauhaus foi a epítome do modernismo, e mexeu com tudo: arte, arquitetura, design, música, moda. Max Bill teve o privilégio de estudar com diversos mestres da escola, como Wassily Kandinsky, Paul Klee e Oskar Schlemmer, e na volta a Zurique foi um dos principais agitadores entre os vanguardistas do grupo AllianzLink externo (nenhuma relação com o império homônimo de seguros). Seu trabalho não só prático como teórico sobre tipografia foi um dos elementos que o alçaram à condição de grande mestre do design moderno.
Em suas viagens à Europa na década de 1950, Decio Pignatari também conheceu Eugen GomringerLink externo, na época (entre 1954 e 1957) assistente de Bill, e que se tornou um dos principais poetas concretos em língua alemã. Filho de pai suíço e mãe boliviana (e nascido na Bolívia), Gomringer editou revistas e livros de poesia concreta (como a série bilíngue konkrete poesie – poesia concreta, 1960-65), e elaborou por mais de 30 anos textos de publicidade da cadeia de lojas francesa Au Bon Marché, inspirados em poemas concretos.
O flerte dos concretistas com a publicidade e outras formas de comunicação de massa antevê a explosão da arte pop, e não se intimidou em nada com o advento das novas tecnologias de mídia. A presença de Augusto de Campos no Instagram é uma consequência absolutamente natural, assim como a apropriação de conceitos e usos concretistas por artistas que vieram depois, dos tropicalistas aos diletos neo-concretos (Lygia Pape, Lygia Clark, Hélio Oiticica) – que inclusive têm uma sala dedicada no coração do prestigioso Tate Modern, em Londres, entre outros museus de arte moderna e contemporânea.
Os “poetas a menos” (e os signos de negação e minimalismo são bastante caros a eles) “deram uma nova e explosiva dimensão ao poema como obra de arte, como quadro, e até mesmo como som, assim como o design da Bauhaus ultrapassou o desenho”, ressalta Vanderley Mendonça.
“A letra tem função de imagem, e a sonoridade tem ritmo, rima e métrica, só que em uma nova espacialidade”, complementa.
Tradução, transliteração
O impacto dos concretistas não pode em nada ser subestimado, e vai muito além do domínio das artes visuais, da propaganda e da poesia, com uma presença marcante na academia, especialmente com a introdução da semiótica, e no ofício da tradução.
No Brasil, foi principalmente graças aos irmãos Campos e Pignatari que os leitores puderam se familiarizar com um leque imenso de literatura moderna mundial, dos anglo-saxôes aos japoneses.
Foram eles que familiarizaram o público brasileiro com, entre outras, a obra do poeta americano Ezra Pound, uma referência importantíssima para a poesia concreta, e sem os pruridos europeus (em parte compreensíveis) que relegaram Pound ao limbo por ter aderido de coração aberto ao nazi-fascismo – o que lhe valeu uma longa temporada (1945-58) de prisões psiquiátricas depois da Segunda Guerra Mundial.
O boom de traduções que se observa hoje no Brasil deve muito a esses pioneiros. “Fala-se muito no quanto se perde nas traduções, mas nunca do que se ganha”, diz Mendonça. As traduções dos Campos e Pignatari são verdadeiras recriações, um exercício – não livre de críticas – que almeja traduzir o próprio contexto linguístico e espacial do poema.
O professor Eduardo Jorge explica que o concretismo brasileiro possui uma dimensão crítica pouco presente no caso alemão, cujo experimentalismo é mais formal.
A exposição curada por Jorge e Vanderley Mendonça oferece uma pequena mas rica janela para as aventuras transoceânicas da poesia concreta, e fica em cartaz até o dia 24 de novembro.
Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch
Mostrar mais: Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch
Veja aqui uma visão geral dos debates em curso com os nossos jornalistas. Junte-se a nós!
Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.