País pequeno, bolso cheio: como a Suíça faz (e financia) filmes e coproduções
No Festival de Cinema de Cannes deste ano, a Suíça foi a “convidada de honra” do Marché du Film, o mercado cinematográfico mais cobiçado do mundo. No evento, apresentou o caminho das pedras do financiamento para as coproduções suíças e como o país lida com o passado e o futuro do cinema.
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Existe um mundo enorme e subterrâneo sob os tapetes vermelhos, as celebridades elegantes, as marcas de luxo e as estreias mundiais apresentadas no Festival de Cinema de Cannes. Literalmente embaixo das icônicas escadas vermelhas do Grand Théâtre Lumière, acontece em Cannes a cada ano o maior encontro de profissionais do cinema: o Marché du Film. Considerado o “coração da indústria cinematográfica”, o evento reúne centenas de produtores, distribuidores e curadores de festivais. É no lá que muitos filmes efetivamente nascem – e onde eventualmente são vendidos (ou não).
A última edição do Marché, que aconteceu entre 14 a 22 de maio, escolheu a Suíça como País de Honra. Os suíços levaram uma delegação grande, com funcionários da Swiss Films (a agência nacional para a promoção de filmes), da Secretaria Federal de Cultura da Suíça e da Sociedade Suíça de Radiodiusão e Televisão SRG SSR (a empresa controladora da SWI swissinfo.ch).
Considerando que a Suíça é um país pequeno mas com recursos relativamente vultuosos, a sua indústria cinematográfica depende enormemente de coproduções internacionais. No Marché, os suíços tiveram uma oportunidade privilegiada de mostrar os seus talentos em diferentes áreas do mundo do cinema, ampliar as redes de contato e aumentar a sua visibilidade a nível internacional – ao mesmo tempo que falavam o que importa aqui: dinheiro.
De onde vem o dinheiro?
A Suíça produz Link externoem média 80 longas-metragens por ano, sendo 43% em coproduçõesLink externo com outros países. Em Cannes, discutiram-se as vantagens e os inconvenientes dos esquemas de financiamento suíços, que podem ser generosos, mas também diferem amplamente de região para região.
Durante um painel da indústria sobre os órgãos dedicados à produção de filmes na Suíça, a diretora-gerente do Zurich Film Fund, Julia Krättli, destacou que, embora a maior parte do financiamento venha do Departamento Federal de Cultura, seguido pelo SBC e pelos fundos regionais, nem todos os fundos regionais têm as mesmas obrigações para aplicação de recursos no cinema.
Na verdade, a estrutura descentralizada de poder no país alpino, com cada cantão (unidade federativa) definindo autonomamente seus investimentos, se reflete nas produções cinematográficas. Dos seus 26 cantões, a Suíça tem apenas seis órgãos voltados para promoção do cinema – Ticino Film Commission, Valais Film Commission, Film Commission Zurich, Film Commission Bern, Film Commission Lucerne & Central Switzerland, Film Location Riviera – cada um com diferentes prioridades, ofertas e capacidades econômicas.
Em comum, porém, todos partilham os objetivos de atrair capital cinematográfico com ofertas de serviços especializados e mão-de-obra para produções – e convencer os políticos a aumentar a atratividade do setor com benefícios fiscais, subsídios e leis favoráveis.
A estratégia da Suíça para o financiamento de filmes consiste em um Link externoprograma nacional de reembolso de investimentos cinematográficos (PICS)Link externo em vez de incentivos fiscais. Enquanto os incentivos fiscais reduzem o valor dos impostos que uma empresa deveria pagar, o sistema de descontos consiste no reembolso de 20% a 40% das despesas investidas. A nível regional, a Valais Film Commission, lançada em 2022, oferece o seu próprio modelo de incentivo de descontos.
A mesma iniciativa será seguida pela Film Commission Zurich, conforme informou o diretor-geral Dino Malacarne, que também anunciou a inauguração de um incentivo à produção que oferecerá financiamento para filmes rodados na região de Zurique. Em Cannes, Malacarne enfatizou que “se não começarmos a trabalhar com incentivos na Suíça, não será possível competirmos com países estrangeiros”.
Dentre os esforços de desenvolver o setor suíço, uma das estratégias consideradas no momento é focar em atrair parceiros e talentos estrangeiros para dentro do país, em vez de tornar os filmes suíços atraentes para o público internacional.
Futuro e passado
A Suíça investe em novas tecnologias audiovisuais, mas também se destaca na restauração e conservação de clássicos do cinema, e não apenas do cinema suíço.
Durante um painel com foco em filmes clássicos, Giona A. Nazzaro, diretora artística do Festival de Cinema de Locarno, falou sobre os projetos do festival que visam criar um diálogo contínuo entre o passado e o presente do mundo do cinema.
“O cinema é uma língua que se fala no presente”, disse. “Se não soubermos o que aconteceu antes, não poderemos ter uma conversa significativa sobre o que queremos fazer amanhã. Conhecer o chamado passado é a melhor maneira de começar a moldar o futuro”.
Em 2020, Locarno lançou uma plataforma online chamada Heritage Online que conecta diferentes catálogos e profissionais envolvidos em filmes clássicos. O programa passou a contar também com um Concurso de Restauração do Patrimônio que patrocina a restauração de um dos filmes clássicos selecionados.
Frédéric Maire, chefe da Cinémathèque Suisse, destacou no mesmo debate que o seu principal objetivo é fazer com que o público descubra os filmes históricos e o cinema suíço. Maire chamou a atenção para os dois maiores problemas que enfrentam em relação à restauração no contexto suíço.
As coproduções internacionais não são uma tendência recente na Suíça. Esse modelo de negócio é utilizado há muitas décadas, então o desafio é recuperar bons exemplares dessas obras, com elementos que são difíceis de se encontrar na Suíça por estarem com os países coprodutores.
Na verdade, a Cinémathèque realiza pesquisas quase “arqueológicas” para encontrar os proprietários corretos dos direitos – uma consequência, segundo Maire, do fato de a Suíça ter demorado muito para estabelecer protocolos para indexar as suas próprias produções.
Mas o investimento público na Cinémathèque nos últimos 20 anos sinaliza um forte empenho para a recuperação do tempo perdido: a instituição está entre os dez arquivos cinematográficos mais importantes do mundo e as suas instalações são uma referência na área. O investimento na cinemateca foi certamente uma das marcas mais fortes deixadas pela Suíça no Marché du Film de Cannes.
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Inovadores discretos
A delegação suíça em Cannes ainda destacou o mais recente Índice Global de Inovação, no qual a Suíça mantém a primeira posiçãoLink externo há 14 anos consecutivos. No Marché, um “Hub Suíço” reuniu start-ups suíças especializadas em IA, tecnologias espaciais e experiências multissensoriais que apresentaram os seus produtos e serviços.
A diretora-gerente da Virtual Switzerland, Laetitia Bochud, explicou que o investimento em pesquisa e desenvolvimento de inovação é uma das razões pelas quais há tanta coisa acontecendo na Suíça. “Nós podemos competir com gigantes da tecnologia, mas sempre com muita humildade. Então talvez você não perceba”.
Este ano a Suíça teve três longas e um curta na Seleção Oficial:
– The Shameless O Desavergonhado de Konstantin Bojanovlevou o Prêmio de Melhor Atriz para Anasuya Sengupta na competição paralela Un Certain Regard.
– O filme de estreia da atriz suíço-francesa Laetitia Dosch, Le Procès du Chien, também foi exibido na seção Un Certain Regard, levando para casa o prêmio Palm Dog de melhor artista canino.
– O animador suíço Claude Barras fez a estreia mundial de seu filme Savages na sessão Special Screenings, e Elena López Riera também estreou Las Novias del Sur na seção Semaine de la Critique, e vencer a Queer Palm como Melhor Curta.
Edição: Virginie Mangin e Eduardo Simantob/fh
(Adaptação: Clarissa Levy)
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