Som suíço no carnaval de Salvador
Quinta-Feira (03 de março) o prefeito de Salvador entregou a chave da cidade a Momo, soberano da folia, abrindo a festa de um dos maiores carnavais do mundo, o Carnaval de Salvador 2011.
Um engenheiro de som suíço participa do evento há anos, sonorizando a voz de Daniela Mercury.
Trabalhando como engenheiro de som no maior estúdio de gravação de Salvador, o WR Studios, Fabio Marc Baltensperger conseguiu atrair a atenção da estrela do axé music com a qualidade de seu trabalho. O engenheiro de som de Zurique conta: “Daniela é vanguardista e me convidou para mixar sua voz. Ela queria apresentar, pela primeira vez no carnaval de Salvador, um estilo combinando axé e techno”.
“Empoleirado em cima do trio elétrico de Daniela Mercury, eu ficava cuidando dos efeitos sonoros da voz dela, impressionado com a imensa multidão de milhares de participantes que iam ondulando em volta do nosso gigantesco palco motorizado, como se estivesse voando sobre um mar tempestuoso”, conta.
De Gilberto Gil a Blue Man Group
No início de 1990, Daniela Mercury é a Rainha de Salvador e está no auge de sua glória. Com ela, o engenheiro de som suíço participa de vários carnavais e, no embalo, acaba colaborando em seu disco “Sol da Liberdade”.
Vinte anos depois, Daniela Mercury cedeu o centro das atenções a Ivete Sangalo e Claudia Leitte. Mas o público continua encontrando na festa todas as velhas glórias, incluindo Gilberto Gil, Caetano Veloso, Olodum e Carlinhos Brown, que esse ano comandará uma grande composição com percussionistas de todos os blocos afro do carnaval e a participação especial do grupo novaiorquino Blue Man Group.
O suíço revela duas razões para o sucesso do Carnaval de Salvador: “é distinguido pela sua riqueza e diversidade da música, especialmente ritmicamente, e o fato de que convida todos a participar. É um carnaval de rua popular, o maior do mundo”, diz.
17 quilômetros de desfile
Para o engenheiro de som de Zurique, o Estado da Bahia, com sua origem multiétnica de índios, portugueses e especialmente africanos, oferece ao Brasil a maioria dos seus artistas mais famosos.
É que o Carnaval de Salvador é a vitrine cultural anual de tudo que é feito de melhor na Bahia. Em cada edição, os cantores lançam uma nova música e o público descobre uma nova dança.
Nada menos que 240 blocos carnavalescos vão desfilar, fantasiados de cores e com muito batuque, por mais de 17 quilômetros divididos em três circuitos pela cidade. O desfile se estende ao longo de quatro a cinco quilômetros em dois itinerários mais longos (Campo Grande a Castro Alves e Barra a Ondina), protegidos por milhares de cordeiros, homens e mulheres que seguram as cordas dos blocos dos trios. O desfile no centro histórico do Pelourinho é só de quatrocentos metros e é lá que saem os grupos tradicionais e folclóricos, basicamente acústicos.
As classes populares invadem assim a capital baiana, lembrando a época quando os escravos libertos esperavam o carnaval para manifestar com barulho sua alegria. Atrás de cada bloco segue uma série de foliões ou simpatizantes que se divertem pulando e dançando o “Samba de Roda”, variante soteropolitana em que as mulheres e os homens vão para a frente e para trás juntos em movimentos corporais cadenciados.
Surra ao luar
Mas não é só a festa que causa espanto ao suíço, a violência também. Fabio lembra o dia em que acompanhou uma jornalista de São Paulo que queria afastar-se da multidão para admirar a lua à beira-mar. “Em dois minutos estávamos rodeados por quatro gigantes mandando entregar tudo que tínhamos. Eles nos bateram muito. Tentando chamar a atenção para mim, fui jogado na água. Molhados, sangrando, atordoados, fomos forçados a caminhar de volta para casa porque nenhum táxi quis se arriscar a nos levar”, conta.
Fabio lembra também a vez em que trabalhou como engenheiro de som para o programa da TV suíça alemã “10 vor 10”, que preparava uma matéria sobre a organização da polícia e das forças de segurança durante o carnaval em Salvador. Durante a reportagem, Fabio comenta que “o cinegrafista brasileiro não se atrevia a filmar as brigas, então fui filmar no lugar dele! Havia muitas brigas entre brancos e negros”.
Desde o nascimento de seus filhos que o suíço renunciou ao carnaval. Mas este ano a vontade de cair na folia falou mais alto: “vou sonorizar a música do bloco Mascarados e fazer entrevistas nos camarotes por conta do youtube”, se alegra.
O carnaval baiano hoje é o maior carnaval de rua do mundo. Seu diferencial mais importante, incansavelmente repetido pelo marketing nacional e internacional, é o de ser uma festa de rua capaz de transformar os espectadores em bailarinos, de ser um espetáculo de “participação popular”.
No entanto, até finais dos anos 1940, o desfile, tradicionalmente realizado na área que incluia Campo Grande, Avenida Sete de Setembro e a Praça Municipal (hoje Praça Thomé de Souza), era exclusivamente voltado às classes altas, que desciam pela avenida entre bandas de sopro, carros alegóricos e um corso de automóveis importados, representando assim uma vitrine da riqueza e do poder das elites locais.
As comunidades pobres, a maioria demográfica da cidade, ficavam confinadas a festejar em áreas periféricas ao desfile (Terreiro de Jesus, Baixa dos Sapateiros&Largo de São Miguel, Barroquinha, Saúde, Tororó, Garcia, etc.) e bairros mais remotos (Liberdade, Cosme de Farias, Engenho Velho de Brotas, Ribeira, Itapajipe), sem muitas opções para participar diretamente ao evento oficial que não fosse assistindo e aplaudindo. Esta divisão rígida começou a desabar no início da década de 1950, quando o engenheiro de mecânica Osmar Macêdo e o radiotécnico Dodô Nascimento decidiram desafiar o desfile ofical, tocando seus instrumentos eletrificados caseiros em cima de um velho Ford 1929.
(Fonte: A Guitarra Baiana)
Adaptação: Fernando Hirschy
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