Sotaque português nos cursos de alemão
Em um curso de integração e aprendizagem de alemão para principiantes em Kerzes, um povoado da Suíça predominantemente agrícola, os estudantes vêm integralmente de Portugal.
A classe é parte da oferta de cursos para crianças em idade pré-escolar e adultos imigrantes apoiada pelo governo comunal, o primeiro projeto do tipo na parte germanófona do cantão de Friburgo.
Susana, Cristina, Sandra e Duarte são jovens que oscilam entre os 20 e 30 anos de idade. Há um ou dois anos eles vivem na Suíça. Eles são portugueses e deixaram sua terra em busca de melhores perspectivas em um país que, apesar de não fazer parte da União Européia, se abriu para ela através do acordo de livre circulação de pessoas firmado em junho de 2004.
Esta nova onde imigratória se soma a velha geração de portugueses que chegou há várias décadas para converter-se na terceira nacionalidade mais importante dentro do grupo de um milhão e meio de estrangeiros que vivem na Suíça, atrás apenas dos italianos e sérvios.
Além disso, os portugueses são atualmente o segundo grupo da UE em número que mais chega à Suíça procurando um emprego, depois dos alemães e antes dos franceses.
A principal ocupação dos portugueses na economia helvética ocorre nos setores de serviços: gastronomia, hotelaria, agricultura e na construção.
Justamente nas últimas duas áreas trabalham estes jovens, que são acudidos – interessados pela sua integração no novo país de acolhida – por um curso básico de alemão na comuna em que vivem, Kerzers, que tem 4.500 habitantes e uma cota de estrangeiros de 17%, inferior à média nacional de 20,4%, reflexo do seu caráter rural diferenciado do ambiente multicultural das grandes cidades helvéticas.
Primeiro contato em alemão
“Wir lernen zusammen Deutsch” (“aprendemos juntos o alemão”), dizem em uníssono os estudantes no curso realizado numa sala de aula da escola primária do pequeno povoado. Ao mesmo tempo a professora Ruth Rindlisbacher repete a frase e corrige a pronúncia dos seus entusiasmados alunos. “Essa é a nossa meta, a de aprender o alemão”, diz com energia.
Um dos jovens, cuja mais experiência com o dialeto suíço-alemão (a língua utilizado na vida cotidiana do povoado e semelhante, apenas em parte, com o alemão culto que aprendem) foi mais reforçada, tentar traduzir as palavras ao português para os seus companheiros, que pela primeira vez na vida têm contato com esse idioma de acústica tão estranha.
No final do curso, Sandra e Cristina, duas jovens que já vivem há dois anos na Suíça, ressaltam a importância que vêem em aprender o idioma local. Elas estão felizes de poder freqüentar as aulas sem precisar sair da comuna. “É muito importante termos os cursos de alemão nas proximidades”, declaram.
Susana, uma jovem mãe de família, chegou no país dos Alpes há um ano acompanhando o seu esposo. O chefe deste, dono de uma pequena empresa de construção, mencionou a existência dos cursos de alemão que são oferecidos desde março pelo programa da Escola Popular da região dos Lagos (Seeländische Volkshochschule).
Justamente, “as empresas locais são uma chave no caminho da integração dos seus empregados”, assegura Jolanda Girardin, uma das iniciadoras do projeto. Ela teve contato com alguns representantes empresariais do setor agrícola da região, acompanhada por representantes das comunidades de estrangeiros dos países balcânicos e de Portugal, que representam um terço da população estrangeira do povoado.
Projeto pioneiro em Friburgo germanófono
Estabelecer estes cursos para melhorar a integração da população estrangeira no povoado não foi uma tarefa simples. O primeiro impulso veio através de 8 mil francos da Comissão Federal de Estrangeiros em 2006 e do apoio financeiro do governo comunal. No atual semestre o apoio é de 7 mil francos.
“Agora se fala bastante na Suíça sobre integração. Eu sei que a comuna sabe da importância que ela tem”, diz Girardin. Ele lembra também Kerzers está oferecendo o primeiro projeto de integração com cursos de alemão para estrangeiros na parte germanófona do cantão de Friburgo.
Além do curso para principiantes, outro é oferecido para pessoas com certos conhecimentos do idioma e isso também nas quarta-feiras à noite. Na sexta-feira o curso ocorre pela tarde e é voltado para mães com filhos em idade pré-escolar.
“Os cursos deveriam ser obrigatórios”
Os cursos mais avançados ajudam dois estudantes muito especiais. O primeiro é um pai de família suíço, cuja língua materna é o francês e que se lançou na aventura de abandonar seu lar na região francófona do país para viver na parte germanófona.
“Chegamos há seis meses em Kerzers para escolarizar nossos filhos e ficar entre um ou três anos. O objetivo é familiarizá-los com o alemão”, conta Christian. “Ao mesmo tempo eu também quero aprender este idioma nacional, o dialeto suíço-alemão, e de compreender o máximo possível”.
Perguntado sobre o valor que vê nos cursos, ele não titubeia. “Cada curso destes deveria ser obrigatório para as pessoas que não falam o idioma. O curso é muito bom. Se eu fizesse sempre as tarefas de casa, acho que estaria até melhor”, conta, com um sorriso de quem reconhece sua própria responsabilidade pessoa de aprender.
Sua companheira de classe, Nicole, também é francófona de origem africana. Ela está casada com um suíço germanófono e vive no povoado há dois anos.
“Meu esposo é suíço de língua materna alemã e meus sogros não falam o francês. Para que eu possa me integrar, preciso aprender o alemão”.
Sobre a oferta dos cursos no povoado, ela afirma: – “Eu acho muito importante a iniciativa. Além disso, nós podemos aprender perto de casa e, dessa forma, conhecer melhor o povoado antes de ir para outros lugares”.
Cursos para crianças
Um conhecimento valioso no seu papel de pais de família, confirma a professora Theres Blondel: – “Se é importante que as crianças aprendam o idioma local antes de escola, eu acho que também os pais deveriam fazê-lo. Do contrário, eles precisarão pedir aos filhos que traduzam as informações enviadas pela escola ou pelo governo, o que lhes limita bastante a própria integração”.
Na sua opinião, a comuna está se esforçando para integrar melhor os estrangeiros. “Seguramente estamos ainda no início deste trabalho, mas já estamos fazendo algo se compararmos a nossa situação com outras comunas vizinhas. Além disso, temos vários projetos em andamento como traduções ou os chamados ‘mediadores culturais’. Agora precisamos saber como atrair mais pessoas para os cursos e fazer com que as pessoas de baixo nível de educação, que não estão mais acostumadas a sentar em bancos escolares, se inscrevam nestas ofertas”.
swissinfo, Patricia Islas Züttel
Desde a entrada em vigor do acordo de livre circulação com a União Européia (UE), aproximadamente mil portugueses se estabelecem na Suíça por mês.
De junho de 2004 a fevereiro de 2007, 33.970 portugueses entraram no país.
Dentre as causas da imigração portuguesa pode-se mencionar que Portugal, dentro os membros da União Européia, um dos países com os maiores indicadores de pobreza e diferenças salariais.
Especialistas consideram que o país tem a distribuição de riquezas mais injusta de toda a UE. As regiões rurais e os subúrbios pobres são as mais afetadas.
O salário médio na Alemanha (menor do que o Suíço) é 180% maior do que o português.
– Um de cada cinco habitantes na Suíça é estrangeiro (20,4%) da população
As principais comunidades são:
-291.684 italianos (19,1% dos estrangeiros)
-190.794 sérvios (12,5%)
-173.000 portugueses (11,4%)
-170.000 alemães (11%)
No cantão de Friburgo
Um em cada sete habitantes do cantão é estrangeiro: 41.500 pessoas, ou seja, 15,7% da população.
A capital cantonal, Friburgo, tem uma cota de estrangeiros de 25%.
Nas comunas próximas a percentagem de estrangeiros é um pouco mais elevado: Bulle (28,6%), Romont (32%) e Courtepin (35,8%).
Os portugueses têm a principal comunidade de estrangeiros (10.500 pessoas, ou seja, 25% dos estrangeiros).
Logo depois vem a dos provenientes dos países balcânicos (7.300, ou 17,6%).
Os franceses e os italianos compartilham a 3a posição (4.000 pessoas em cada grupo, o que corresponde a 9,6%).
Logo depois vêm os espanhóis, alemães, turcos e pessoas provenientes do continente africano, cuja soma total é de 2.179 pessoas (aprox. 5,3%)
Na comuna de Kerzers
Um entre seis habitantes na comuna não tem o passaporte suíço (17%: aproximadamente 770 pessoas).
39,4% dos estrangeiros vêm dos países balcânicos (167 pessoas vêm da Sérvia e Montenegro, 113 da Macedônia, 15 da Bósnia-Herzegovina, 5 da Croácia e 4 do Kosovo).
-28,4% vêm de Portugal (219 pessoas).
– O restante de 32,2% se divide em grupos muito reduzidos de aproximadamente 30 diferentes nacionalidades. Dentre elas se destacam alemães (61 pessoas), italianos (43), espanhóis (34 pessoas) e Sri Lanka (20 pessoas).
O povoado, localizado no cantão de Friburgo e próximo à fronteira do cantão de Berna, é conhecido por ser um dos grandes fornecedores de vegetais para o país.
Kerzers é também uma das comunas de Friburgo onde se fala o friburguense, um dialeto do suíço-alemão. A maior parte do cantão é francófono.
Com um salário médio entre 11 e 20 francos a hora, o trabalho de colheita e seleção de vegetais e frutas é feito em grande parte por mão-de-obra estrangeira.
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