Um instrumento suíço que encanta os músicos
O hang, instrumento musical da classe idiofônica criado por Felix Rohner e Sabina Schärer em Berna, Suíça, tem algo de místico. Pelos seus fãs, ele é considerado um verdadeiro "Santo Gral" dos instrumentos. Um dos criadores revela em uma das raras entrevistas a razão pelo inesperado sucesso.
“O hang é um vírus”, define Felix Rohner a sua criação conjunta com Sabina Schärer. De fato, ele parece não conseguir largar das mãos o instrumento. Durante a conversa, elas parecem sempre procurar o contato com o estranho objeto, feito com meia-conchas de chapas de aço nitretadas, coladas juntas pelas bordas, deixando o interior oco e criando um formato de um óvni como explica o site Wikipédia.
O tom tirado do hang lembra um pouco os tambores de aço utilizados em países como Trinidad e Tobago no calipso, um dos ritmos musicais caribenhos. O primeiro protótipo foi construído com duas conchas de aço que estavam jogadas em um canto.
Rohner conta que, em 1976, foi contaminado pelos tambores de aço ao escutá-los nas ruas de Berna. “Para mim não era música, mas sim uma chuva de tons”, conta. As pessoas em volta dançavam. “Eu percebi o impressionante efeito que essa música tinha nas pessoas”. Assim ele decidiu no dia seguinte fabricar o seu próprio tambor.
Durante anos ele os fabricou. Até que, em 1990, decidiu pesquisar novas formas do instrumento com ajuda de Sabina Schärer. Assim surgiu em 2001 o primeiro. Os dois criadores explicam que o hang aproveita dos princípios do tambor de aço, mas tem um tom mais intenso. Ao contrário do instrumento caribenho, o hang é tocado com as mãos (“hang” é um termo do dialeto suíço-alemão para mão).
No início o novo instrumento com o estranho tom era vendido nas lojas, mas então a demanda começou a aumentar.
Rohner e Schärer, cuja empresa foi batizada de PANArt, decidiram então mudar a forma de comercialização. “A gente não queria ficar mais trabalhando só para atender aos pedidos. Era necessário tempo para escutar, desenvolver e compreender o que estávamos fazendo”, lembra-se Schärer.
Detento, político, psicólogo
Muitas pessoas aproveitaram-se do sucesso do instrumento, mas Schärer e Rohner não se importavam com o dinheiro. Para frear a demanda, eles mudaram as condições de venda. Quem quisesse comprar agora um hang, era preciso escrever. Milhares de cartas então começaram a chegar de todas as partes do mundo.
“Dê uma olhada”, afirma Rohner, apontando para uma carta enviada em 2009 e tirada de uma pasta com a marcação “não respondida”. O autor escreveu na sua carta que gostaria de comprar o instrumento para um amigo, detido em uma prisão, um dos mais conhecidos assassinos dos Estados Unidos.
Políticos, neurólogos, psicologia no ambulatório pré-natal e esotéricos procuram contato. “Aproximadamente 20 mil cartas e todos escrevem o mesmo. Seus autores contam historias de como viveram pela primeira vez a experiência de escutar o hang”, completa Rohner.
Para Schärer é a intensidade do tom que mais fascina as pessoas. “Acontece tanta coisa, que não dá para saber imaginar. No final ela diz que deixa ser tomada por ele. O tom tem um efeito de relaxamento, a pressão do sangue baixa. O resultado é que muitos sentem até menos dores.”
A swissinfo.ch também escreveu uma carta formal para pedir uma entrevista, já que o telefone da PANArt e o endereço e-mail não podem ser facilmente encontrados.
Apenas “escolhidos”
A criação de uma oferta voltada apenas a clientes “selecionados” acabou dando uma áurea mística para o instrumento e seus construtores. No pico da demanda, cada exemplar chegava a ser vendido por 2.400 francos (US$ 2.680) e a lista de espera era longa. Alguns otimistas chegaram a aparecer na fábrica do hang, instalada em um antigo açougue às margens do rio Aare, nas proximidades de Berna.
Uma sala de espera foi especialmente preparada para os clientes que vinham buscar seus instrumentos ou para os que não eram aguardados. “Eles vêm de todas as partes do mundo, seja Alasca, Taiwan, China e muitas vezes sem combinar”, diz Rohner. “É possível facilmente entender o que eles sentem quando descobrem que não receberão um hang. Alguns ficam frustrados, agressivos, fora de si e começam até a chorar.”
Filippo Zampieri escutou pela primeira vez um hang em uma rua de Veneza. Ele escreveu uma carta, onde descreve a paixão despertada pelo instrumento. Todavia, os construtores em Berna exigiram palavras adicionais de motivação. Depois de alguns meses, ele foi finalmente “escolhido” e pode fazer sua viagem da Itália à Berna. “Disseram-me que eu poderia escolher um instrumento. Depois testei um atrás do outro, os toquei, escutei o tom que saia deles, até que eu senti finalmente qual dos hang seria ideal para mim”, confessa.
Hoje, o instrumento é como uma parte do seu corpo, algo capaz de transmitir sentimentos e emoções. “Ele mudou a minha vida”, declara.
Pesquisador de tons
A grande demanda aliada à escassez do produto fez com que surgissem imitações. Algumas cópias se assemelham na forma, mas não no tom. Nesse ponto já era tarde para os criadores de patentear o design do instrumento, apesar do hang estar protegido como marca. Outra característica patenteada foi o processo de fabricação do material composto (uma chapa de ferro enriquecido com azoto).
PANArt trabalha junto com físicos. “Queríamos saber como o nosso instrumento se movimenta quando é tocado, como ele vibra”, revela Rohner. Dentro do contexto de aperfeiçoar o hang, os pioneiros em Berna desenvolveram um novo instrumento: Gubal. Nas prateleiras da oficina estão dezenas de objetos semelhantes a discos voadores expostos. Eles precisam ficar armazenados pelo menos três meses, “como vinho”.
O gubal parece-se com o hang na forma, mas acusticamente é bastante diferenciado: ele tem mais volume e graves. O gubal é afinado a partir da frequência básica de um vaso e o hang, ao contrário, é afinado sem aparelhos especiais. “É verdadeiramente uma nova dimensão. Você tem uma orquestra no colo. Não existe um instrumento como esse”, explica Rohner.
Centenas de protótipos foram entregues para pessoas testarem. Eles se encontraram em maio durante os chamados “Dias do Gubal”, um período para as pessoas tocarem juntos e trocarem experiências com os criadores.
“O gubal tem um coração. Você toca o que existe dentro de você”, explica Rohner. “O gubal tem um corpo. O hang pega o teu corpo. Você abandona o seu corpo. É um instrumento de passagem, onde você abandona o corpo por um momento. É por isso que temos tanta ressonância no mundo.”
Ele admite que o gubal “não é mais um instrumento mágico”, mas dá “ainda para fazer uma música mágica”.
Nos últimos vinte e um anos, Rohner e Schärer aprenderam as lições do passado. Uma patente foi garantida para o design do gubal. Além disso, eles iniciaram também o licenciamento do processo de tratamento do material para que outras empresas possam fabricar o instrumento.
Uma recente disputa de marca, o casal conseguiu chegar a um acordo com a Samsung. O fabricante coreano havia denominado um dos toques de smartphone de “hang drum”. Posteriormente concordou em interromper a sua produção.
O casal também parece ter rompido com o passado. Agora o gubal é o único instrumento vendido pela PANArt. Um anúncio publicado em dezembro de 2013 no site da empresa explica que os hangs não são mais produzidos e “cartas ou e-mails relacionados ao produto não serão mais respondidas.”
“Esse é o desenvolvimento. Você tem de abandonar algumas coisas para continuar a avançar”, declara Schärer. “Esperamos agora que não existe mais um movimento viral. Talvez as pessoas possam se curar do hang se começar a tocar o gubal”, responde com um sorriso no rosto.
Adaptação: Alexander Thoele
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