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“Um Romeu e Julieta sem a Julieta”

O cineasta Mário Barroso durante a coletiva de imprensa em Locarno. swissinfo.ch

Adaptado de "Um amor de perdição", romance escrito no século 19 por Camilo Castelo Branco, o mais recente longa-metragem do cineasta Mário Barros é o único filme em português a competir pelo Leopardo de Ouro no Festival de Locarno.

A história de uma paixão impossível entre um jovem revoltado e uma moça confinada não tem final feliz. Enquanto a crítica chama o filme de “novela”, público se emociona.

Lágrimas rolam durante a apresentação do “Um amor de perdição” no Festival Internacional de Cinema de Locarno. A sala Fevi estava quase lotada – três mil pessoas para 3.200 lugares – poucos minutos antes de as luzes serem apagadas, o que não passou despercebido pelo cineasta Mário Barroso. “Acho que meu filme terá mais espectadores aqui do que em Portugal”, disse ele com humildade, arrancando risos da platéia.

O que aparece na tela, durante 81 minutos, está longe de ser uma comédia. O filme conta a história de Simão, um jovem solitário e violento, que se revolta contra a sociedade e sua família, da alta burguesia portuguesa. Seus pais vivem um relacionamento sem comunicação, onde o ódio transparece em cada um dos diálogos. A mãe tem um relacionamento incestuoso com um dos filhos. Enquanto Simão o odeia, ele dá toda sua confiança à irmã mais jovem. Seu destino muda apenas no momento em que se apaixona por uma bela jovem, cujos pais são contra o relacionamento. Os esforços dos dois são rechaçados por todos os lados.

O filme é a quarta adaptação do clássico da literatura portuguesa escrito por Camilo Castelo Branco no século 19. Mário Barroso explica que sua intenção não foi apenas realizar outra versão. “Meu filme é, antes de tudo, uma homenagem a Manoel de Oliveira, com quem trabalhei por muito tempo como diretor de fotografia e ator. Ao revisar o livro pela terceira vez, eu decidi me distanciar da história de amor e centrá-la mais na questão da revolta. É um Romeu e Julieta sem a Julieta”.

O espectador não é poupado da violência. Simão esmurra e espanca todos que passam pela sua frente. O sangue flui também com abundância. O jovem é baleado na tentativa de encontrar a amada e se vinga posteriormente do oponente, assassinando-o. As cenas românticas são intercaladas pelas de ação, com carros velozes, onde a trilha sonora é rock pesado. Porém, há sensualidade, com cenas de sedução e até erotismo, como o seio desnudo de outra menina perdidamente apaixonada pelo jovem, mas cujo amor não é correspondido. A única saída para o triste triângulo amoroso é a mais trágica de todas: os três terminam se suicidando, por inanição, corte dos pulsos e gás.

Opiniões divididas

De todos os elementos do filme, os únicos que parecem sair do contexto são as referências ao colonialismo português. Elas aparecem através dos diferentes personagens, como o pai de Simão, que havia sido oficial durante as guerras de independência em Angola, e o mecânico que o abriga quando este foge de casa, que foi salvo pelo pai. Mário Barroso justifica as menções através da sua experiência pessoal. “Eu vivi toda a minha infância e juventude em um contexto ditatorial.”

Já outros críticos tiveram problemas com o formato do “Um amor de perdição”. Para Thomas Hunziker, autor do site FilmBlog.ch, o filme de Mário Barroso é uma “narrativa escandalosa de um romance cafona”. Em sua opinião, seu público-alvo é de adolescentes – “o que nesse sentido é louvável” – mas se pergunta como “um filme para meninas de 13 a 14 anos pode ser exibido no Festival de Locarno” para um público de cinéfilos e críticos.

Já o jornalista Rui Martins, do Estado de São Paulo, não poupou elogios ao cineasta. “Para mim, os filmes que vi estão na média. Já o filme de Mário Barroso sai dessa média e acho que tem até grandes chances de ganhar o festival”, explica.

O próprio cineasta diz que foi totalmente livre na sua interpretação da história, sem se apegar a motivações externas, como ocorre geralmente no meio em que produz 90% dos seus filmes, a televisão. “Seu eu fosse obrigado a fazer um filme rentável, teria de por o Simão e a Teresa a fazer amor na cama. Eu fiz um filme exatamente à minha maneira.”

A figura principal do filme, o português Tomás Alves, foi escolhido por Barroso dentre uma centena de candidatos. Ele formou-se há apenas um ano no curso de teatro de Cascais. Depois de uma pequena participação em um longa-metragem, o jovem ator teve com “Um amor de perdição” seu primeiro grande papel no cinema. A experiência deixou marcas. “Se não fosse tão difícil encontrar trabalho nessa área, acho que estava sempre atuando em filmes. Porém, a realidade é que na televisão encontro mais facilmente papéis.”

swissinfo, Alexander Thoele

Nasceu em Lisboa em 1947. Admitido no INSAS (Bruxelas) secção Realização e Teatro. Formado pelo I.D.H.E.C. (Institut Des Hautes Etudes Cinématographiques) com Menção (Realização e Fotografia -1973/76).

Em sua extensa e variada atividade, Mário Barroso se destaca pelo seu trabalho como realizador de várias curtas-metragens e do telefilme “Aniversário”. É também um diretor de fotografia premiado tanto em Portugal como como no exterior.

Colaborou nos filmes de, entre outros, Manoel de Oliveira, João César Monteiro, Raul Ruiz e Jean-Claude Biette.Nasceu em Lamego em 11 de Maio de 1949. Actividade de cineclubista no Porto e em Coimbra, onde também dirige o CITAC.

(Texto: Clap Filmes)

O 61° Festival Internacional do Cinema de Locarno se realiza de 6 a 16 de agosto.

A tela gigante na Piazza Grande, a praça central de Locarno, exibe 20 filmes. Da competição internacional participam 18 filmes. No total, 380 películas (curtas e longas-metragens) serão exibidas durante o festival.

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