Perspectivas suíças em 10 idiomas

Uma caixa contra o esquecimento: internados poloneses na II Guerra

Caixa de madeira
A caixinha de madeira encontrada em uma loja de antiguidades em Berna pelo autor. Na inscrição em alemão: "Feito por internados poloneses como lembrança, 1941, Sarnen". swissinfo.ch

Uma caixa de madeira descoberta em uma loja de antiguidades mostra ser um tesouro. Não pelo valor monetário, mas por lembrar um triste capítulo da história: a fuga de doze mil soldados poloneses durante a II Guerra Mundial e seu acolhimento na Suíça. O filho de um internado polonês luta pela sua memória. 

Era só uma caixinha, de madeira, perdida na prateleira junto a outras quinquilharias. Era uma loja de objetos usados em Berna. Porém o brasão nacional da Polônia e a bandeira suíça talhadas na sua tampa chamavam atenção. E o objeto custava apenas sete francos. Uma ninharia. Comprei e levei para casa. Ao chegar, pesquisei na internet para descobrir quem havia fabricado aquela curiosa peça de artesanato.

As pistas do mistério eram a inscrição em alemão: “Feito por internados poloneses como lembrança, 1941, SarnenLink externo“. Nesse ano, o vilarejo ao sul de Lucerna, abrigava algumas dezenas de soldados poloneses refugiados na Suíça em meio à II Guerra Mundial. Provavelmente um deles fabricou a pequena caixa para agradecer à população ou ganhar alguns trocados, já que, na época, os soldados estrangeiros internados no país não tinham direito de trabalhar por remuneração. 

Mas a história da caixa começa alguns anos antes. Em setembro de 1939 a Polônia foi invadida por forças alemãs e soviéticas. Muitos poloneses se juntaram aos Aliados contra as forças do Eixo. Quando a França capitulou em junho de 1940, inúmeras tropas, dentre elas polonesas, ficaram cercadas no sul do país.

Então, entre 18e 20 de junho de 1940Link externo, cerca de 12 mil soldados da 2ª Divisão de Infantaria Polonesa, que pertenciam ao 45º Corpo de Exército Francês, cruzaram a fronteira perto da aldeia de Goumois no rio Doubs. Logo após cruzar a fronteira, eles foram obrigados a entregar suas armas e munições. Nos dias seguintes, as tropas polonesas, entre outras, foram internados em campos de refugiadosLink externo nos Alpes bernenses (8.500 soldados franceses e poloneses) e na região do Seeland (seis mil soldados franceses, poloneses e marroquinos).

A Suíça, que adotou uma política de neutralidade durante a guerra, relutou inicialmente em aceitar esses soldados, mas acabou concedendo-lhes asilo e permitindo que permanecessem no país até o final da guerra.

Então o mistério foi solucionado. Descobri quem fez a caixa. Então a utilizei para guardar algumas lembranças de família, um relógio do avô e dentes caídos das crianças. Os meses se passaram e eu sempre pensava no soldado que havia talhado a caixa na madeira. O que ele estaria sentindo quando fez aquela lembrança? E quem a herdou, abandonando-a depois em uma loja de objetos usados? Então decidi escrever um e-mail para a Embaixada da Polônia em Berna. Pensei que, possivelmente, tivessem algum interesse. 

Duas pessoas segurando uma caixa
O autor no momento da entrega da caixa de madeira à embaixadora da Polônia, Iwona Kozłowska, em Berna. swissinfo.ch

A resposta chegou um dia depois com um convite. “Compareça na Embaixada da Polônia neste dia e horário. A embaixadora Iwona Kozłowska irá lhe receber”. O suntuoso casarão localizado no bairro de Kirchenfeld entrou para a história em 1982, quando sequestradores armados ocuparam a embaixada para exigir o fim da lei marcial na Polônia e a libertação de presos políticos. Por isso senti um calafrio ao entrar na embaixada levando a caixinha dentro da mochila.

A embaixadora e o cônsul Marek Gluzko entraram no salão e pediu que se senta à mesa, já preparada com frutas, pães e café. Conversamos sobre a história dos internados poloneses na Suíça. “Essa é uma das minhas principais missões na Suíça: lembrar esse capítulo e homenagear essas pessoas, que tanto se sacrificaram pelo nosso país”, declarou Kozłowska. No final da conversa, não resisti e ofereci a caixa de madeira como presente ao governo polonês. A diplomata não escondeu a emoção e aceitou. “Muito obrigado. Essa caixa tem um valor inestimável para nosso povo e fará parte, em breve, da exposição que iremos abrir no Museu PolonêsLink externo“, explicou, abordando um duro capítulo, mais recente, no relacionamento entre a Suíça e a Polônia. 

Herança polonesa

Rapperswil-JonaLink externo tem hoje pouco menos de 30 mil habitantes. Nessa pequena vila no cantão de St. Gallen, vivam, ao longo do século 19, centenas de poloneses refugiados. Em 1868 um dos líderes, o conde Władysław PlaterLink externo, construiu uma Coluna Polonesa da Liberdade e, dois anos depois, um museu dedicado à cultura nacional polonesa sediado no castelo local. O local foi o centro da resistência contra as nações ocupantes (ao longo da história, Prússia, Rússia ou Áustria-Hungria) até a fundação da Segunda República da Polônia em 1918, quando uma boa parte do seu acervo retornou à Varsóvia. 

Os laços com a Polônia resistiram aos séculos. Porém em 2020, os eleitores locais decidiram em plebiscito que o castelo deveria retornar à comuna (município). O governo polonês aceitou a decisão democrática, mas decidiu intervir. O antecessor da atual embaixadora certa vez descreveu o castelo como um “pequeno Rütli” para a Polônia (n.r.: Rütli é o lugar histórico no cantão de Uri onde o juramento da Confederação Suíça foi assinado).

Dois homens e uma mulher em pé
Witold-Marek Konkol ao receber o passaporte polonês das mãos da embaixadora Iwona Kozłowska (dir.) e do cônsul Marek Głuszko. swissinfo.ch

Em julho de 2022, o vice-primeiro-ministro polonês, Piotr Gliński, e a embaixadora Iwona Kozłowska anunciaramLink externo que o país compraria um hotel desativado em Rapperswil-Jona e construiria lá o novo museu polonês, por 25 milhões de francos. “Aqui foram fundados partidos e associações polonesas. Rapperswil é, portanto, muito importante para a história e o povo da Polônia”, declarou Anna Buchmann, diretora do Museu da Polônia no momento do anúncio para a televisão suíça.

Na embaixada polonesa, Kozłowska explicou que a caixa doada poderá fazer parte do acervo do novo museuLink externo, que já organizou a primeira exposição em novembro de 2022. Então convidou-me para outro momento especial a ser realizado no dia seguinte: uma entrega solene da nacionalidade polonesa a um descendente, cujo pai foi internado como soldado durante a II. Guerra Mundial na Suíça.

Quando Witold Konkol chegou na embaixada em Berna, ela não escondia o nervosismo. Aos 74 anos, esse policial aposentado do cantão de Solothurn esperou muitos anos por esse momento em que sua identidade seria reconhecida oficialmente pela Polônia. Seu pai faleceu quando tinha apenas 11 anos e chegou na Suíça junto com os 12 mil soldados poloneses que atravessaram a fronteira do país em 1940.

Torre de observação e barracões de madeira
O campo de concentração em Büre an der Aare foi concebido pelas autoridades em 1940 para abrigar internados e evitar seu contato com a população local. Problemas sanitários e revoltas fizeram com que o governo decidisse dissolvê-lo em 1942. Os barracões abandonados pelos soldados poloneses foram ocupados posteriormente por refugiados judeus. StABE N Gribi 2.49″.

Depois ele viveu em diversos campos de internamento (havia mais de seiscentos), como eram denominados oficialmente até então, quando conheceu a sua mãe, suíça, no vilarejo Wasseramt, no cantão de Solothurn, quando ela prestava seu serviço de ajuda de mulheres (Frauenhilfsdienst – FHD), como era chamado na época. Apesar do relacionamento entre soldados estrangeiros e suíços serem proibidos na época, os dois se casaram em 1944 e o pai permaneceu no país após o fim da II Guerra Mundial. 

“Meu viveu provavelmente aqui por um curto espaço de tempo”, mostra Konkol apontando para um descampado com um barracão em uma ilha na antiga bacia do Aare, nos arredores de Büren an der Aare, um vilarejo distante meia hora de Berna, a capital. Ele se posiciona ao lado de uma pedra comemorativa, na qual foi fixada uma placa de metal. Nela está o desenho do “campo de concentraçãoLink externo” (Concentrationslager, em alemão, a denominação oficial na época) construído no verão de 1940 para abrigar seis mil soldados.

Soldados frente a barracões
O campo de concentração para internados poloneses em Büren an der Aare em 1940 (acervo de Ulrich Gribi no Arquivo do Cantão de Berna). StABE N Gribi 2.32

O campo era composto por 150 barracões de madeira. Fotos históricas mostram o espaço cercado por cercas de arame farpado, sentinelas com cães de guarda e uma torre de observação que lembrava seus congêneres na Alemanha. Porém seu objetivo era abrigar os internos e isolá-los da população local.

Até 1942 o campo abrigou uma boa parte dos soldados internados poloneses. Após protestos contra as más condições, o governo suíço decidiu desativá-lo e distribuiu os internos em pequenos campos espalhados pelo país. Uma parte dos barracões foi desmontada e as restantes passaram a abrigar refugiados, em grande parte judeus, depois soldados italianos e russos. Só em 1946 o campo foi desativado. No total seis mil pessoas estiveram por lá durante a II Guerra Mundial.

Após o conflito, o governo suíço devolveu o terreno aos agricultores locais. Hoje o único vestígio restante do campo é a antiga lavanderia, hoje utilizado pelo proprietário como depósito de material agrícola. Para Konkol, um problema que lhe traz más recordações do passado. “Veja o estado em que se encontra a antiga lavanderia. O prédio está desabando aos poucos. E nada lembra que o espaço foi utilizado no passado por internados de guerra”, reclama.

Foto antiga de um casal
O pai (com uniforme) e a mãe de Witold Konkol quando se conheceram no vilarejo de Wasseramt. foto familiar

Há cinco anos, Konkol luta junto com a Associação de Descendentes dos Poloneses Internados na SuíçaLink externo pela preservação da antiga lavanderia e sua utilização como memorial para as novas gerações. Ao abrir sua pasta, mostra inúmeras cartas que já escreveu para diferentes órgãos públicos, incluindo até a ministra suíça da Defesa, Viola Amherd.

Porém até hoje a resposta das autoridades foi negativa. “A lavanderia não foi tombada pelo patrimônio histórico e não é considerada como um edifício de interesse nacional. Portanto, nada ocorrerá até agora”, explica. Sua esperança agora é que os embaixadores desses países, dos quais os soldados estavam presos no campo, façam pressão junto às autoridades para preservar o barracão. 

Idoso ao lado de barracão
Witold Konkol mostrando o barracão onde funcionava a lavanderia do campo de concentração de Büre an der Aare. swissinfo.ch

Do relacionamento de soldados com suíças, surgiram centenas de famílias. Porém as mulheres perdiam a nacionalidade suíça ao se casar com estrangeiros e só voltaram a recuperá-la nos anos 1950. Durante a guerra, os soldados também participaram de ações de trabalho. Segundo historiadores, teriam construído na Suíça mais de 450 quilômetros de estradasLink externo, 63 pontes, 10 quilômetros de canais e extraído carvão e minério de ferros nas minas do país. No total, teriam sido mais de oito milhões de dias de trabalho.

E ao observar a caixinha de madeira sobre a mesa na embaixada polonesa, declarou. “E veja o que está escrito nela: apesar de tudo, agradeceram a proteção que receberam da Suíça durante esses terríveis anos de guerra”. 

Mostrar mais
Männer besuchen Museum

Mostrar mais

Polônia-Suíça: um antigo relacionamento

Este conteúdo foi publicado em A Suíça fui muitas vezes ao longo da história refúgio para poloneses. As relações dos dois paises caracterizam-se em sua maioria pela simpatia mútua.

ler mais Polônia-Suíça: um antigo relacionamento

Edição: David Eugster

Mais lidos

Os mais discutidos

Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch

Mostrar mais: Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch

Veja aqui uma visão geral dos debates em curso com os nossos jornalistas. Junte-se a nós!

Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR