“Uma cidade deve ser concebida com amor”
Como transformar metrópoles em centros urbanos habitáveis? É o que tenta o arquiteto suíço Andreas Hofer, diretor da Exposição Internacional de Edificações 2027 na Alemanha.
“Primeiro vieram as bombas da II Guerra Mundial. Depois o planejamento urbano nos anos sessenta”, se pergunta Andreas Hofer ao lembrar dos danos causados ao patrimônio das cidades alemãs. O centro de Stuttgart, ao sul do país, é brutalmente cortado por estradas de seis faixas, todas feitas sob medida para carros. Nas redondezas, os conjuntos habitacionais preenchem a paisagem.
No centro, moradia é escassa e aluguéis exorbitantes. É uma situação comum não apenas nessa cidade, considerada o berço do automóvel, mas também em muitas outras metrópoles europeias. Porém isso não é uma lei natural.
O diretor da Exposição Internacional de EdificaçõesLink externo (IBA, na sigla em alemão) quer para Stuttgart o mesmo que viu ocorrer em Zurique, onde nasceu. A verdadeira “revolução “ nessa cidade, a maior do país, ocorreu há duas décadas: uma renovação, um renascimento do centro, a chamada “Renascença Urbana”.
O suíço e sua equipe de 20 pessoas têm dez anos para “fixar as estacas”. A IBA tem o objetivo de impulsionar, coletar ideias, formar redes, avançar projetos e levar a Stuttgart a uma nova fase. Em 2027, no centenário do centro habitacional Weissendorf, os resultados serão apresentados.
Mudança através de projetos
Hofer não acredita no poder de um plano diretor para a cidade do futuro. Para ele, a mudança vem de projetos arquitetônicos individuais, de espaços de vida inovadores, que depois desenvolvem seu impacto em um diâmetro ao seu redor. Um deles, por exemplo, é a garagem “Züblin”, construída no início dos anos 1960, no centro de Stuttgart.
À primeira vista, tem-se uma visão de um prédio cinzento de concreto, nas proximidades diretas da igreja “Leonhard”. Mas não para Andreas Hofer: “Acho ótimo.” Onde outros veem feiura, ele fica fascinado com as rachaduras do edifício, com seu entorno, com o campo de tensão, que surgiu aqui no meio do empreendimento residencial de pequena escala. Algo pode ser feito a partir disto.
Desde 2013, existe um projeto de jardinagem urbana no andar superior do estacionamento, e um café criativo no andar térreo. Os demais andares continuam a servir de estacionamento. Hofer poderia imaginar transformar todo o prédio em um edifício residencial com usos públicos e comunitários, e preservar sua estrutura básica. O abandono da “cidade do automóvel” não poderia parecer mais simbólico.
Os arquitetos precisam não só de visão, mas também persistência. Quando uma cidade está se remontando, não se pode fugir dos conflitos, diz Hofer, referindo-se à sua experiência em Zurique. Lá estava envolvido na conversão de um terreno industrial abandonado em um bairro residencial e de trabalho: o areal de Hunziker.
No início, houve críticas ao desenvolvimento denso em blocos grandes e maciços. “Foi um salto de grande escala em relação às fileiras adjacentes da cidade jardim”, admite ele. Mas então as pessoas viram a qualidade da nova estrutura e aprenderam a apreciá-la.
Densificação
Como neste projeto de Zurique, seu lema para a região de Stuttgart é adensar sempre que possível, a fim de fazer uso máximo e criativo do escasso espaço disponível: em edifícios garagem, em galpões comerciais ou fábricas.
Ao leste da cidade alemã, um projeto da IBA está lidando com a conversão de um local desocupado pelo fornecedor de energia EnBW. Aqui, cerca de 800 novos apartamentos devem ser construídos, em um terreno de quatro hectares: internamente sem a circulação de carros, para todas as classes sociais e socialmente mistos.
Há exemplos de tais conversões bem sucedidas em todo o mundo. Hofer ficou particularmente impressionado com um projeto em Paris: na capital francesa, um armazém dos anos setenta, com mais de 600 metros de comprimento, foi transformado em um complexo criativo e gigantesco com 1125 apartamentos – metade dos quais habitações sociais – escritórios e lojas. 15 arquitetos criaram um novo bairro residencial grandioso e denso.
Locais comerciais e industriais não utilizados oferecem um enorme potencial, como aqui, para se experimentar novas formas de moradia. “Você não deve ter medo do tamanho”, diz ele. O futuro está aí (no tamanho, na grandeza), não na casa própria no campo.
Longe da segregação e do retiro para a esfera privada, em direção ao trabalho em rede e para a comunidade, também no sentido de conservar recursos. Em um novo conjunto habitacional da associação municipal de habitação em Zuffenhausen, um bairro de Stuttgart, esta mudança será testada em breve; entre outras coisas, com salas para jardinagem ou cozinha coletiva.
Soluções cooperativas
Mas como a cidade do futuro pode se tornar acessível a todos? “Somente através de uma política de habitação social, que tem sido perseguida continuamente ao longo de décadas”, diz Hofer. A habitação urbana não deve ser deixada à mercê do mercado livre de capitais, acrescenta ele. “Assim se torna um condomínio fechado ou se degrada.”
Mas isso é exatamente o que já aconteceu em muitos lugares: na Alemanha, corporações internacionais têm comprado o estoque de moradias de municípios alemães em dificuldades durante as últimas duas décadas, e aumentado os aluguéis. Agora as cidades e o estado estão tentando amenizar a miséria auto infligida através de bonificações ou subsídios de aluguel.
Andreas Hofer acha isso absurdo. Ele é um defensor apaixonado da ideia de cooperativa. Em Zurique funciona. Lá, uma lei aprovada em 1907 iniciou a construção de moradias sem fins lucrativos. Nesse meio tempo, mais de um quarto dos apartamentos estão em mãos de cooperativas e dos municípios, e há alguns anos a população decidiu, em um referendo, aumentar esta participação para um terço. A receita funcionou: “Você tem que conceber uma cidade com amor”, diz.
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Um prédio para pessoas que gostam de compartilhar
Talvez ele também tenha algum sucesso em Stuttgart: a vontade está lá, assim como os recursos financeiros: “Temos os instrumentos para moldar a mudança. Como isso acontece nos detalhes dos projetos, cabe aos cidadãos desempenhar seu importante papel de participação.”
A IBA está experimentando novas formas de participação cidadã, e existe também uma loja ao lado do edifício garagem Züblin, que serve como ponto de contato para isto. Em seu primeiro ano antes de Corona, o Diretor da IBA realizou 160 reuniões noturnas na região, para desenvolver os projetos da IBA com os responsáveis dos municípios e com seus os cidadãos. Ele sentiu que algo estava começando a acontecer. As pessoas estão empenhadas em redesenhar seu espaço de vida e seus bairros. “Há um desejo de criar e um entusiasmo pelo futuro. Ninguém mais pode nos tirar isso.”
Adaptação: Flávia C. Nepomuceno dos Santos
Exposições Internacionais de Edificações (IBA)
As IBAs são um instrumento alemão de desenvolvimento urbano, que estabelecem novos impulsos por um período de tempo limitado, com participação de expositores internacionais. A primeira IBA aconteceu em Darmstadt, em 1901. No passado, as IBAs resultaram em projetos que atraíram atenção mundial, como o Weissenhofsiedlung em Stuttgart, em 1927, e o HansaviertelLink externo em Berlim, em 1957. As primeiras IBAs tendiam a se concentrar em projetos arquitetônicos. Hoje, elas também abrangem questões sociais, econômicas e ecológicas. A IBA’27Link externo na região de Stuttgart, por exemplo, defende a causa da reinvenção de uma região urbana.
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