Uma homenagem póstuma a Robert Walser
Há quase 50 anos, quando o escritor suíço Robert Walser foi encontrado morto sobre a neve de um dos jardins da cidade de Herisau, próxima a St. Gallen, na Suíça, ninguém poderia imaginar que décadas mais tarde sua obra fosse considerada como uma das referências literárias européias dos séculos XX e XXI, sendo traduzidas para dezenas de idiomas.
A Casa Literária de Berlim (Literaturhaus Berlin) apresenta até o dia 18 de novembro uma exposição e eventos diversos em homenagem ao autor que viveu mais de doze anos na Alemanha.
Era 25 de dezembro e o escritor fazia mais uma de suas rotineiras caminhadas solitárias quando sofreu um ataque do coração, aos 78 anos de idade. Os últimos 27 anos de sua vida foram vividos em duas clínicas psiquiátricas onde emudeceu como autor.
Os únicos pertences do escritor eram um relógio, dois livros que seu tutor, o jornalista Carl Seelig, lhe havia dado de presente, alguns trocados e a roupa que trazia no corpo.
Toda sua obra foi resgatada postumamente através de pesquisas iniciadas por Seelig, um de seus grandes admiradores. Ele assumira a responsabilidade da conduta legal do escritor em 1944, quando a última irmã de Walser falecera.
O escritor havia sido declarado incapacitado desde 1933. Apesar de não apresentar mais sintomas de esquizofrenia, em seus últimos anos de vidao autor se recusou a deixar a clínica psiquiátrica.
Homenagens
Em homenagem à sua memória o Arquivo Robert Walser, da fundação de mesmo nome, organizou uma série de eventos que estão sendo realizados na Europa (em cidades como Frankfurt, Berlim, Hamburgo, Munique, Bienne, Genebra, Herisau, Copenhague, Paris, Praga, Roma, St.Gallen, Zurique e Berna) desde agosto de 2006 e que se estenderão até maio de 2007.
Os eventos incluem diversas leituras de suas obras acompanhadas de exibição de slides, filmes, encenação de peças de teatro do autor, exposição de seus manuscritos e instalações que simbolizam locais dos diversos períodos da vida de Walser; discussões e até mesmo uma caminhada no dia de natal com partida da capela do antigo centro psiquiátrico de Herisau e passagem pelo túmulo do escritor.
Escriturário e microgramas
Aos 14 anos, por razões econômicas, Walser foi obrigado a deixar os estudos para ser aprendiz no Banco do Cantão de Berna. Um professor aconselhou seus pais a lhe enviarem para a formação de escriturário devido sua caligrafia bonita e rápida. Características de sua personalidade que lhe acompanhariam por muitos anos.
Trabalhou diversas vezes como escriturário para ganhar seu sustento, pois nunca pode viver de sua literatura. A caligrafia tornou-se uma de suas principais características. O escritor desenvolveu uma técnica para seus manuscritos que posteriormente foram chamados de microgramas. Grande parte de sua obra foi escrita com lápis sobre sacos de papel, em caligrafia que às vezes tinha somente um milímetro de altura.
Seus microgramas pareciam indecifráveis. Entretanto descobriu-se que a letra era uma miniaturização da escrita gótica alemã. Após 19 anos de trabalho, diversos especialistas puderam decifrar 526 páginas manuscritas que totalizaram mais de 4500 páginas de texto. Seus manuscritos são considerados os mais raros e caros do mercado.
Vida nômade
O autor nunca teve um endereço fixo. Sempre viveu em quartos mobiliados e mudava constantemente. Entre 1896 e 1905, período em que residiu principalmente em Zurique e escreveu seus primeiros textos literários, mudou-se pelo menos 17 vezes, sem contar as estadias em Munique, Berlim, Winterthur e outras.
Esse aspecto nômade de sua personalidade, o fato de vir de uma família pobre e trabalhar como escriturário para se sustentar, também contribuíram para que em vida fosse ignorado pelo público.
Seu primeiro livro, publicado em Zurique, em 1904, Fritz Kochers Aufsätze (sem tradução para o português), vendeu durante os primeiros seis meses apenas 49 exemplares. Apesar da pouca ressonância, Walser se demitiu do cargo de escriturário no Banco do Cantão de Zurique e foi tentar a vida como escritor em Berlim.
Período berlinense
Viveu em Berlim entre 1905 e 1913. Nos primeiros meses de sua chegada fez um curso de formação para criados e trabalhou como tal durante alguns meses num castelo em Dambrau.
A prática serviçal foi tematizada em sua obra e especialmente no livro Jakob von Gunten, de 1909 (mesmo título em português). No começo de 1906 o autor retornou para Berlim, onde trabalhava seu irmão Karl Walser como pintor, ilustrador de livros e cenógrafo. Foi ele quem lhe possibilitou contatos com escritores, editores e artistas.
Durante esse período, além de Jakob von Gunten, publicou Geschwister Tanner (sem tradução para o português) e O Ajudante pela editora Bruno Cassirer.
Também escreveu textos curtos em forma de prosa que foram publicados em respeitados jornais e revistas da época. Seus textos e esboços literários tornaram-se uma de suas características como escritor e não podem ser enquadrados em nenhuma categoria literária.
Ele tematizava os acontecimentos do cotidiano, onde encontrava a poesia e os segredos da vida. Contemporâneos consagrados como Franz Kafka, Hermann Hesse e Walter Benjamin admiravam seu talento.
Desvios
Quando retornou para a Suíça, morou durante sete anos e meio em um quarto de sótão na ala dos serviçais do hotel Blaues Kreuz em Bienne, sua cidade natal.
Nesse período foi convidado por um círculo literário de Zurique para fazer uma leitura de seus textos. Ao fazer uma preliminar, provavelmente por causa do sotaque do dialeto bernês, um dos organizadores, irritado, exclamou: “O senhor não sabe falar alemão!”
Pagou-lhe então o honorário e pediu a um redator do tradicional jornal Neue Züricher Zeitung para fazer a leitura. Durante o evento o escritor permaneceu sentado anonimamente entre o público. Como dizia Walser: “Não são nos caminhos retos e sim nos desvios que se encontra a vida.”
swissinfo, Gleice Mere, Berlim
Robert Walser nasceu em 15.4.1878 em Bienne (oeste de Berna)
Depois de fazer um curso técnico como bancário, ele viveu alguns anos em Bienne, Berna e Zurique.
Em 1905 ele mudou-se para Berlin e visitou uma escola formadora de mordomos.
Seu romances mais conhecidos foram escritos entre 1907 e 1909: “Geschwister Tanner”, “Der Gehülfe” e “Jakob von Gunten”.
Walser retornou à Suíça em 1913.
Em 1929 ele foi internado na clínica psiquiátrica de Waldau, em Berna.
De 1933 até sua morte em 25.12.1956, ele viveu no hospício de Herisau.
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