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Esqueça a estética: arte é política

Curator Gabi Ngcobo presenting her positions in Verbier
A sul-africana Gabi Ngcobo é uma voz proeminente e uma pensadora bastante provocativa nos debates atuais sobre práticas pós-coloniais em instituições de arte ocidentais. ©Alpimages Fleur Gerritsen

Tomando o modelo do Fórum Econômico Mundial em Davos, outro resort suíço está se tornando um destino no meio do inverno para as personalidades que agitam o mundo do futuro. A Cúpula de Arte de Verbier assumiu a questão de como tornar a arte mais inclusiva, e também mais atuante nas realidades políticas e sociais da atualidade.

O Verbier Art SummitLink externo, que realizou sua terceira sessão anual neste fim de semana, foi fundado há dois anos pela colecionadora de arte Anneliek Sijbrandij. Sua idéia era reunir vários interessados-chave no mundo da arte global, incluindo curadores, artistas, filósofos, marchands e colecionadores, para discutir os principais problemas enfrentados pelo setor.

Enquanto edições anteriores exploravam o papel da tecnologia na arte e no futuro dos museus, o tema deste ano foi definido pela atual turbulência e polarização política global, incluindo a presidência de Donald Trump, a recente posse do político de direita Jair Bolsonaro no Brasil, e o Brexit. 

Jochen Volz, diretor alemão da Pinacoteca de São Paulo e co-organizador da cúpula de Verbier, disse à swissinfo.ch: “Quando observamos a política atual e, de outro lado, os fenômenos culturais atuais, eles parecem estar falando línguas totalmente diferentes”.

Intitulada “Somos muitos: arte, política e múltiplas verdades”, a cúpula teve artistas e curadores discutindo a necessidade de apreciar e integrar vários “saberes” e experiências – muitas vezes de natureza política – de diferentes culturas.

Um tema comum entre os participantes é como uma melhor inclusão na arte pode ajudar a enfrentar a agitação social e política.

“Nós olhamos para a nossa missão e decidimos que a mudança social é o que queremos alcançar”, acrescentou Silbrandij. “A arte desempenha um papel tão poderoso na sociedade porque as pessoas não confiam mais em políticos, não confiam no setor privado, mas confiam na arte.”

Repensando as coleções de arte

Por muitos anos, as instituições culturais ocidentais – particularmente os museus – têm sido criticadas por perpetuar narrativas históricas e interpretações de arte datadas, em detrimento das sensibilidades culturais em outras partes do mundo. O chamado neocolonialismo das instituições envolveu uma visão de mundo centrada na Europa ou na América do Norte, que inclui a pilhagem cultural de pesquisadores ocidentais ou incursões militares.

Vários museus europeus decidiram descolonizar suas coleções e se tornar mais abertos à arte global. Na Alemanha, o conceito de restituição de obras de arte a seus donos originais já é familiar, particularmente depois da Segunda Guerra Mundial, quando obras confiscadas pelos nazistas foram devolvidas aos seus proprietários judeus, mas também a antigas colônias africanas.

Gabi Ngcobo, artista sul-africana, educadora, curadora da Bienal de Berlim de 2018, e palestrante convidada em Verbier, cresceu sob o apartheid. Ela disse que curadores e diretores de museus têm um papel a desempenhar na abordagem das realidades políticas através de seu trabalho.

“Sempre foi um papel que desempenhamos, mas quando nos damos conta de que precisamos despertar, temos que pensar o papel que nossas atividades, propostas e questões podem desempenhar no momento”, explicou.

Ela alertou que a descolonização de coleções pode, no entanto, sair pela culatra. “A linguagem da descolonização pode se abrir para outras formas de colonização, porque o poder é incluir mentiras. Precisamos estar bem conscientes disso.”

Enquanto isso, Ngcobo admitiu que alcançar maior inclusão na arte como meio de lidar com tempos turbulentos é complexo.

Ngcobo sustentou que “o que foi desfeito até agora [pelos museus ocidentais] não foi suficiente”, ao mudarem sua visão binária das culturas globais.

“Vivemos em futuros diferentes, mas em futuros que estão conectados”, avisou ela.

Jochen Volz and Naine Terena
O alemão Jochen Volz (na foto, com Naine Terena) foi um dos organizadores do Verbier Arts Summit este ano. Volz tem sido uma das personalidades mais ativas na cena artística global do Brasil: foi curador da 32.a Bienal de São Paulo (2016) e do pavilhão brasileiro na Bienal de Veneza de 2017. No posto de diretor artístico, Volz montou grande parte da coleção de arte contemporânea do Instituto Inhotim (MG), ao mesmo tempo em que atuou como diretor de programas da Serpentine Gallery, em Londres. Atualmente ele é o diretor da Pinacoteca de São Paulo. ©FREDERIK JACOBOVITS PHOTOGRAPHY

A política dos museus

A Tate, que congrega quatro das mais importantes galerias no Reino Unido – entre elas a Tate Gallery e a Tate Modern em Londres – está engajada em novas iniciativas que visam usar a arte para lidar com as crescentes divisões dentro da sociedade. No ano passado, seus museus receberam 8 milhões de visitantes.

Na cúpula da Suíça, a diretora do grupo, Maria Balshaw, elogiou a “multiplicidade confiante e muito positiva de protesto e resistência criativa” que emergiu globalmente dentro da atual turbulência política.

Os museus de arte pública, disse ela, desempenham um papel importante na manutenção de um “espaço aberto para experiências divergentes de arte e cultura”. Tais locais podem até gerar uma nova harmonia social onde as pessoas concordam em discordar.

“Podemos até mudar o mundo ou pelo menos os nossos comportamentos”, disse ela.

Recentemente, a Tate se comprometeu a tornar-se mais diversificada, menos ocidental e mais inclusiva em relação a outras culturas do mundo. Paralelamente, ela reconsiderou o significado das coleções históricas que datam dos tempos imperiais britânicos.

Um programa chamado Tate Exchange visa incluir e engajar o público – bem como dezenas de grupos e instituições locais – na produção de arte.

O projeto intitulado “Factory” (Fábrica) reproduziu uma linha de produção em uma fábrica na qual os visitantes podem moldar objetos de barro, incluindo jarros e bules, depois de aprender as habilidades necessárias para fazê-los. Eles foram convidados para conversas sobre como as comunidades operam com o trabalho coletivo e o valor da arte.

Tendo recebido cerca de meio milhão de pessoas para o projeto, Balshaw descreveu-o como “um exercício de aprender a ouvir, que é importante no Reino Unido agora”.

Arte e consequências

A política também ocupa o centro da arte da artista cubana Tania Bruguera, que trabalha particularmente com instalações e performance.

Em 2016, durante os encontros entre o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e o presidente cubano, Raúl Castro, em Havana, para aliviar meio século de tensas relações entre os dois países, Bruguera convocou um evento público na Praça da Revolução, onde um microfone aberto foi deixado para as pessoas falarem sobre o seu futuro. Mais de 80 pessoas foram presas como resultado.

“A arte política é uma arte com consequências”, explicou ela. Ela lidera uma campanha para promover uma maior conscientização sobre a Arte Útil, que incentiva ações populares para encontrar soluções para as injustiças sociais e questões pelas quais o Estado costuma ser responsável. Entre outros, destacam-se uma ação para obter direitos autorais sobre projetos de povos indígenas mexicanos, e um ‘crowdfunding’ para alívio da dívida de estudantes.

Tania Bruguera esteve recentemente envolvida no programa Tate Exchange, durante sua estadia lá como artista em residência. Seu trabalho intitulado ‘Nosso Vizinho’ provocou os visitantes dos museus a se comprometerem com uma ação socialmente positiva.

Mas referindo-se aos desafios globais no mundo de hoje, a diretora da Tate disse que era importante reconhecer que aqueles que tentam liderar mudanças radicais podem ser parte do problema. Segundo ela, a liderança no mundo da arte precisa aceitar empatia e vulnerabilidade.

Política da Terra

O artista carioca Ernesto Neto, cuja instalação monumental GaiaMotherTreeLink externo ficou pendurada durante um mês na estação ferroviária central de Zurique, explicou aos ouvintes a mistura de povos europeus, africanos e indígenas em seu país.

“Eu não sou ocidental, então não tenho que lidar com todos esses problemas ocidentais”, proclamou. Sua identidade cultural, como boa parte da população brasileira, é uma combinação de ancestralidade mista e experiências pessoais.

Nos últimos anos, Neto vem trabalhando com indígenas na região amazônica, onde sua cultura, conhecimento, habilidades artesanais e conexão com a natureza influenciaram seu conceito de arte.

O brasileiro foi apenas um dos vários artistas multiculturais que falaram sobre o que inspirou sua arte e como a cultura e a política os afetam.

Arte é política

Para Naine Terena, artista e educadora do povo indígena Terena no Brasil, a arte é política. O meio oferece a ela uma maneira de contar uma história sobre seu povo que, segundo ela, é “invisível” para os outros, especialmente para o estado.

Ela falou sobre o desmatamento e a violência contra os povos indígenas no Brasil, e teme que eles possam aumentar sob a presidência de Bolsonaro.

Terena conduz workshops que permitem aos indivíduos experimentar o que é ser outra pessoa e criar sensibilidades para as lutas dos outros.


Traduzido do inglês por Eduardo Simantob

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