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Famílias arco-íris colorem mídia suíça

A cena do Der Bestatter: a situação familiar da menina é a menor das preocupações do investigador. srf

Pais gays ou mães lésbicas são quase inexistentes na mídia suíça, ao contrário dos Estados Unidos, onde desempenham papéis centrais em várias séries premiadas. Mas alguns pais do mesmo sexo estão agora participando em um dos programas de televisão mais populares da Suíça.

Um palhaço de circo morre em cena. Parece um crime, mas quem o cometeu? Um investigador interroga vários membros da trupe e pergunta a uma menininha entre uma atiradora de facas e uma dançarina se o palhaço era seu pai. Não, essas são meus pais, responde ela, referindo-se às duas mulheres.

Esta breve aparição, difundida no começo deste ano no canal suíço SRF, aconteceu no quinto capítulo da série “Der Bestatter”, um seriado policial suíço.

O tabloide suíço Blick dedicou um artigo ao episódio, a primeira aparição na mídia suíça de uma família arco-íris, lamentando que os pais do mesmo sexo fossem “ainda raramente representados na televisão suíça”.

A Associação Suíça de Famílias Arco-Íris define uma família arco-íris como uma família em que pelo menos um dos pais é lésbica, gay, bissexual ou transgênero.

A associação estima que até 30.000 crianças na Suíça cresçam em famílias arco-íris. Essas crianças podem vir de relacionamentos heterossexuais anteriores, nascerem numa parceria entre pessoas do mesmo sexo ou serem adotadas sob certas condições.

Os bancos de esperma estrangeiros são uma opção para casais de lésbicas. Algumas pedem a um homem de seu círculo social para doar esperma, enquanto outras criam uma família de três pais com um homem. Um gay também poderia formar uma família com uma lésbica.

Algumas famílias são o resultado do uso de uma barriga de aluguel no exterior, já que esse recurso é ilegal na Suíça.

Segundo uma pesquisa francesa de 2012, 60% das pessoas lésbicas, gays, bissexuais ou transgêneras menores de 25 anos dizem querer ter filhos.

“O seriado pode ser uma ficção, mas também queremos que seja um espelho da sociedade – um espelho da Suíça em 2017, onde os pais do mesmo sexo cada vez mais aparecem como uma questão da atualidade”, explicou Urs Fitze, diretor de ficção da SRF.

Reações ambíguas

“Como mãe lésbica, achei adorável que uma criança apresentasse seus pais, que neste caso são duas mães lésbicas, com naturalidade”, disse Maria von Känel, membra fundadora da Associação Suíça de Famílias Arco-Íris. Ela fez parte de um recente debate no festival de cinema gay e lésbico Pink Apple, em Zurique, sobre o papel dessas famílias no meio das famílias tradicionais.

Nem todos concordaram no debate sobre a escolha da cena do circo, ressaltando que as mães lésbicas podiam ser vistas como algo exótico nesse contexto.

“Os circos têm gente com duas cabeças e, oh, olhe, lésbicas também!”, brincou Kerstin Polte, umas das palestrantes, diretora e produtora de Berlim. “Eu teria preferido a cena em uma situação mais cotidiana.”

Udo Rauchfleisch, professor de psicologia clínica da Universidade da Basileia, apontou que a cena era inovadora em comparação com a forma como gays e lésbicas costumam ser tratados na mídia suíça.

“Quando eu era jovem – eu nasci em 1942 – não havia absolutamente nada sobre as famílias arco-íris na mídia e não havia praticamente nada sobre gays e lésbicas”, conta.

“No máximo, eles apareciam em filmes antigos, mas o retrato sempre era muito negativo, sempre terminava em suicídio ou assassinato. Não havia modelos para a vida gay ou lésbica.”

Popularidade

Nos Estados Unidos, as famílias arco-íris aparecem em vários tipos de seriados há anos. Alguns exemplos incluem Modern Family, Grey’s Anatomy, Glee, The Wire, Nurse Jackie e Transparent. O filme de 2010 “Minhas Mães e Meu Pai”, que conta a história de um casal de lésbicas com dois filhos, ganhou quatro indicações ao Oscar. Na Suíça, no entanto, ninguém consegue dar outro exemplo que o seriado da SRF.

“Na Alemanha e na Suíça a televisão pública precisa ser bem cotada. Os programadores dizem: ‘bem, precisamos atingir uma faixa etária de 18-70 anos e a maioria das pessoas são heterossexuais’, por isso eles não fazem seriados ou programas de nicho. Eles têm medo de perder espectadores”, explica Polte.

Já os Estados Unidos têm muitas plataformas na TV a cabo e “on-demand” com conteúdo de nicho que ganha popularidade através do boca-a-boca. “Você não precisa de muitos telespectadores, você só precisa dos telespectadores certos. Você precisa deles para ser fãs e falar sobre o programa com seus amigos”, diz.

Polte não culpa os produtores suíços por essa diferença de pensamento, mas acredita que eles poderiam ser “mais corajosos” ao apresentar a diversidade.

“Na Alemanha, muitos seriados bons vão diretamente ao Netflix depois de aparecer na TV, por isso eles poderiam experimentar mais com a diversidade em família e a sexualidade, porque nos seriados você tem um elenco e esse conjunto é uma diversidade.”

Uma cena de “Ein Weg”, do diretor alemão Chris Miera, apresentado no festival Apple Pink deste ano em Zurique. Ein Weg, Chris Miera

Crianças como público-alvo

Rauchfleisch, cujas áreas de pesquisa incluem homossexualidade e identidade transgênera, anuncia com orgulho que acaba de publicar seu primeiro romance policial gay, que também aborda temas sobre famílias arco-íris. Ele diz que, em comparação com os textos acadêmicos que ele escreve normalmente, um romance permite que ele apresente esses temas para diferentes públicos.

“É extremamente importante que as famílias arco-íris apareçam na mídia, em filmes, documentários e também em livros infantis. Eu acho que é ruim para as crianças que crescem em famílias arco-íris não terem modelos de referência e não poderem ver filmes ou livros com outras crianças em uma situação semelhante”, disse.

A socióloga, historiadora e autora Christina Caprez considera que as referências da mídia às famílias arco-íris são cruciais para combater questões como o “bullying” e o termo “gay” sendo usado como um insulto.

“É quase mais importante mostrar essas imagens para crianças e pais de outras famílias – não para crianças de gays e lésbicas para quem a situação é completamente normal”, diz a socióloga.

“Sempre explicando”

Um evento em Berna marcando o Dia Internacional da Igualdade da Família, no dia 7 de maio, forneceu informações sobre o que as famílias arco-íris pensam de sua (sub) representação na televisão suíça.

“Isso ajudaria a sociedade a ter uma perspectiva mais diversificada. Onde quer que você vá – ao médico, no jardim de infância – você tem que se explicar o tempo todo”, conta Sabine, mãe de dois filhos.

“Isso ajudaria a ter uma imagem mais positiva na mídia. Os programas não precisam se concentrar necessariamente nas famílias arco-íris, mas no fato de que existem diferentes formas de família. Como em Grey’s Anatomy, onde duas mulheres enfrentam questões muito comuns a qualquer tipo de família.”

Maike, que tem uma filha, disse que a falta de personagens de família arco-íris é uma vergonha – “onde estão as pessoas como eu?” – mas acha que as coisas estão indo na direção certa.

“Até três ou quatro anos atrás, não havia quase nenhuma informação sobre as famílias arco-íris. Isso está se desenvolvendo a cada mês”, disse.

“Seria muito bom poder ver só uma família normal com problemas normais. Já existem muitos modelos familiares: pais divorciados, pais solteiros, crianças crescendo com seus avós … Nosso mundo está apenas começando a ser algo que as pessoas se questionam.”

O casamento entre pessoas do mesmo sexo e a paternidade conjunta entre pessoas do mesmo sexo é ilegal na Suíça, embora os casais do mesmo sexo tenham conseguido estabelecer uma parceria civil desde 2007. Isso lhes concede os mesmos direitos e obrigações de pensão, herança e impostos como casais casados.

No entanto, o casamento é necessário para a inseminação artificial ou para adotar os filhos do parceiro.

Em maio de 2016, o parlamento votou que os gays e lésbicas devem ser autorizados a adotar os filhos de seus parceiros, desde que o segundo pai biológico seja desconhecido, morto ou de acordo com a transferência de direitos e obrigações. Isto está previsto de entrar na lei no início de 2018.

Embora a adoção conjunta não seja (ainda) possível, gays solteiros, lésbicas ou transgêneros podem adotar crianças. No entanto, a Associação Suíça de Famílias Arco-Íris salienta que isso é muito difícil.

Casais do mesmo sexo podem ser os pais biológicos de seus filhos se um parceiro é transgênero.


Adaptação: Fernando Hirschy

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