Quando a nova esquerda surfou na revolução pop
1968 não foi uma revolução que veio de repente do nada, mas representa uma ampla gama de convulsões sociais. Aqui examinamos o papel da Nova Esquerda e como ela tentou aproveitar o fervor juvenil da época da cultura pop.
Em 1967, o proprietário do Café Odeon, em Zurique, expulsou uma jovem porque ela usava uma minissaia. Dias depois, uma multidão carregando faixas manifestou-se em alta voz pela aceitação das minissaias. Protestos por minissaias já haviam ocorrido em Londres em 1966, quando a grife Dior planejou retirá-las de seu catálogo. A minissaia se tornara um símbolo das explosivas mudanças que ocorriam no mundo nos anos 1960, e parecia que finalmente algo revolucionário estava acontecendo de novo no Odeon, o lugar onde Lenin costumava ler seus jornais.
O problema da moda foi discutido fervorosamente nas reuniões políticas da Ala Jovem do Partido Comunista. A demonstração pró-minissaia mostrou que os jovens poderiam ser mobilizados para protestos políticos, de acordo com uma pessoa na reunião. Na época do pop e dos beatniks, esse tipo de trivialidade também poderia desempenhar um papel importante nas atividades políticas, disse ele. Era apenas uma questão de trazer as pessoas que participaram dessa manifestação “para um nível superior”. Concretamente, os fãs de minissaia e pop deveriam ser transformados em revolucionários úteis.
Novos revolucionários
A Ala da Juventude do Partido Comunista em Zurique não era um grande grupo. Nos seus auge, compreendia duas ou três dúzias de pessoas e só existiu de 1964 a 1969. Mas a curta história dessa facção do partido ilustra a história da esquerda na década de 1960 – a rejeição de velhas idéias socialistas de liderança partidária, o adeus ao proletariado, e a busca de novos revolucionários. Tais conflitos geracionais entre a “velha” e a “nova” esquerda atingiram seu pico na época nos EUA e na Europa.
O Partido Comunista tinha uma adesão envelhecida no início dos anos 1960 e os anos de isolamento depois da repressão soviética à revolta húngara (1956) fez minguar ainda mais os quadros da esquerda. A fundação de uma ala jovem em 1964 foi bem-vinda. A maioria dos novos membros do partido havia se tornado politicamente ativa nas primeiras marchas da Páscoa contra as armas nucleares no início da década de 1960. A “juventude nuclear” foi tantas vezes taxada como esquerda radical que acabou se instalando lá. Eles queriam se apresentar como oponentes inequívocos da mídia de massa e dos partidos do governo, em outras palavras, do “sistema”.
Choque generacional
Mas a aliança entre os membros jovens e os mais velhos do Partido Comunista não funcionou por muito tempo. Mesmo entre os esquerdistas radicais, uma fenda surgiu entre as gerações na década de 1960. A velha guarda não estava mais disposta a suportar a “impaciência juvenil e a arrogância” e, em 1969, a ala jovem foi dissolvida em toda a Suíça.
Por que isso chegou a um fim tão abrupto? Depois da era de Stalin e da invasão soviética da Hungria, os dissidentes do leste e os socialistas do lado ocidental começaram a buscar novas formas de socialismo. Muitas das pessoas que os críticos em 1968 queriam enviar a Moscou por causa de suas convicções teriam sido expulsas de lá imediatamente pela mesma razão.
As diferenças eram profundas: os teóricos da Nova Esquerda não viam mais as fábricas como o principal instrumento de opressão, mas também a mídia de massa. A luta, como a Ala da Juventude do Partido Comunista em Zurique escreveu em seu manifesto fundador, deve ser dirigida ao “nível intelectual e cultural (ideológico)”. Não eram mais as necessidades econômicas, mas a “crise existencial intelectual do trabalho suíço hoje” que deveria ser o foco. A luta por necessidades materiais parecia uma prioridade menor durante o boom econômico da década de 1960.
No período que antecedeu 1968, as críticas de esquerda se tornaram críticas culturais. Somente depois que a crise intelectual e cultural fosse superada, os parâmetros poderiam mudar.
Quem vai liderar a revolução?
Houve muita discórdia sobre quem deveria dar o impulso para essa mudança. Os esquerdistas mais velhos acreditavam que deveria ser o proletariado, ou as classes trabalhadoras, enquanto membros da Nova Esquerda – incluindo a Ala Jovem do Partido Comunista – acreditavam que não eram mais os trabalhadores, mas a juventude radical, liderada por estudantes ativistas, que seria o motor da revolução.
Eles foram guiados por teóricos como Herbert Marcuse, que investiram suas esperanças em grupos marginalizados pela sociedade para fornecer o impulso político para a mudança, esperanças que anteriormente tinham se concentrado nas classes trabalhadoras. Entusiastas da minissaia e fãs de pop eram assim o produto de uma nova teoria marxista.
Para alimentar o fervor desta nova clientela, foram necessários meios políticos alternativos. Ativistas favoreceram pequenos protestos destinados a produzir uma grande sensação na mídia. A Ala da Juventude de Zurique do Partido Comunista pediu que os protestos fossem “mais interessantes, mais extraordinários, mais radicais, mais humorísticos!”
O partido-mãe estava bastante irritado, como relembra Franz Rueb, membro da ala juvenil. “Os rapazes e as garotas da Ala Jovem do grupo percorreram as ruas e praças distribuindo panfletos do qual eram imensamente orgulhosos, organizavam palestras e ‘sit-ins’, e formaram gangues de dúzias de militantes para invadir as praças públicas e protestar contra a polícia, o sistema legal ou a educação repressiva. E eles fizeram tudo isso sem a bênção do partido. Camaradas mais velhos sacudiam suas cabeças cinzentas em desgosto.
Esses protestos se multiplicaram na primavera de 1968. Depois do assassinato de Martin Luther King, as pessoas tomaram as ruas de Zurique e, pouco depois, os manifestantes queimaram um boneco de Vietcong em frente à sede da Dow Chemical Company, principal produtora de napalm. No final de maio, os manifestantes anarquizaram a tradicional procissão de tochas dos estudantes da Universidade de Zurique. A Ala da Juventude do Partido Comunista já havia se fundido com outros grupos da Nova Esquerda para se tornar o grupo de Alunos, Estudantes e Trabalhadores Progressistas (FASS, na sigla em alemão).
Baderna em Zurique
No final de maio de 1968, Jimi Hendrix tocou no estádio Hallenstadion, em Zurique. A polícia estava de prontidão com seus cães e, depois do concerto, o público foi dispersado à força. Durante o concerto, o FASS distribuiu um panfleto planejado há muito tempo. Teoria e prática alinhadas – um panfleto revolucionário foi distribuído do palco para jovens dançando. No meio do panfleto havia um retrato de Hendrix. Também poderia ser pendurado como um cartaz. O texto, no entanto, tinha como objetivo transformar a paixão pela música em fervor revolucionário:
“Beat é uma revolução cultural … O fato de não termos satisfação é totalmente culpa daqueles que querem nos dizer que a vida consiste em nada além de submissão e progresso pessoal, respeito e carreira, aprendizado e notas, trabalho e dia de pagamento, diligência e poupança, paz e ordem, lei e decência…”
A ala da juventude do Partido Comunista assumiu a responsabilidade pelo tumulto que se seguiu ao concerto. O jornal “Zürcher Woche” escreveu com indignação: “Você não distribui um panfleto como esse para 10.000 jovens, alimenta-os por horas com batidas, gritos e estalidos e depois se senta confortavelmente para assistir o que acontece. É assim que a Ala Jovem do Partido Comunista, que faz parte da juventude antiautoritária, está manipulando uma insurreição”.
A essa altura, a França estava no caos. Maio de 1968 expandiu o reino do possível. A imprensa conservadora temia a anarquia. No final de junho, Zurique entrou nas fileiras das cidades em revolta. Não surpreendentemente, foi por causa da luta por um centro juvenil autônomo, que seria um espaço livre tanto para a política quanto para a música.
Adaptação: Eduardo Simantob
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