O movimento de arte que colocou tudo em questão
Zurique festeja os 100 anos do dadaísmo, o único movimento cultural de importância mundial surgido na Suíça. Seu epicentro era o bar Cabaret Voltaire em Zurique. Até hoje em funcionamento, ele e outras instituições organizaram uma série de eventos. Porém o dadaísmo existe ainda?
A obra de arte dadaísta mais vendida? Uma nota de 50 francos! Ela mostra uma obra da artista suíça Sophie Taeuber-Arp. Dada é muito mais do que “Gadji Beri Bimba”, a famosa poesia do fundador Hugo Ball. O movimento dada não era apenas nonsense, mas também acaso, acontecimento, colagem, tipografia e muito mais. Em comum, o amor pelo não respeito às convenções
Tudo começou na rua Spiegelgasse 1, no bairro Niederdorf em Zurique. Lá encontra-se hoje o famoso Cabaret VoltaireLink externo, reaberto há alguns anos. O salão principal parece não ter sido modificado nos últimos cem anos quando a casa foi batizada com esse nome. Pelos muros estão penduradas pinturas e colagens, assim como o currículo dos mais famosos dadaístas. Também se vê um piano e, ao lado, partes de manequins de vitrine já não mais utilizados.
Comemorações na Suíça
Diversos eventos estão programados para ocorrer ao longo de 2016: peças de teatro, exposições em museus, concertos e até novas páginas na internet. Um siteLink externo dedicado aos 100 anos de comemoração do surgimento do movimento dada apresenta o programa.
O Cabaret VoltaireLink externo, em Zurique, festeja o dadaísmo durante 165 dias e apresenta a exposição intitulada “Obsession Dada”.
Outro ponto central dos festejos é a exposição “Dadaglobe ReconstructedLink externo” no Museu de Arte de Zurique e “Dada UniversalLink externo“, no Museu Nacional (Landesmuseum).
Mais de quarenta instituições nacionais e internacionais participam das comemorações.
Nesse espaço fundou Hugo Ball e Emmy Hennings, em 5 de fevereiro de 1916, há exatamente cem anos, em meio à confusão da I. Guerra Mundial, esse cabaré colorido. Foi o estopim que fez eclodir o movimento dada, uma expressão que surgiu dois meses depois.
“Eles apresentaram durante alguns meses um programa, provavelmente até 23 de junho, quando Hugo Ball surgiu trajando uma fantasia de bispo e, como um padre, começou a declarar seus primeiros poemas”, conta Adrian Notz, diretor do Cabaret Voltaire.
Os artistas ligados ao movimento, em grande parte imigrantes, partiram. O espaço na rua Spiegelgasse 1 voltou a ser uma adega. Depois da guerra a maior parte dos dadaístas retornou aos seus países de origem. Depois a casa ficou vazia a partir dos anos 1990, conta Notz.
Ocupação
Até quando o artista conceitual Mark Divo se lembrou dela. Em 2 de fevereiro de 2002, ele e uma dúzia de pessoas ocuparam a casa. “Mas foi com muito estilo. Todos muito comportados”, conta, lembrando que alguns levaram guitarras e até chegaram a organizar um concerto.
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Movimento artístico foi reação à 1ª Guerra Mundial
“Em algum momento apareceu a polícia. Nós explicamos que a gente teria herdado a casa. Os policiais ficaram satisfeitos e até comeram alguns dos salgadinhos. Ninguém percebeu que o espaço estava sendo ocupado. Eles perceberam somente alguns dias depois”, lembra-se, sem esconder o orgulho.
Um dos ocupantes era Ajana Calugar. “As paredes estavam repletas de fotografias, cartões postais, textos e mapas do mundo trabalhados. Além disso, uma instalação em 360 graus e em 3D. Era como se a gente tivesse em um outro mundo”, lembra a artista suíça de 36 anos. Através da ocupação ela entrou nessa subcultura. “Foi algo que marcou para sempre a minha vida”, diz. Dois anos depois, ela e Divo participaram do documentário „Dada Changed My Life”.
Dadaísmo pertence a todos
O que mais Divo gosta no movimento dada é o espírito de coletividade. “Foi um movimento de artistas, feito pelos artistas”, afirma. No jubileu de 100 anos, ele planeja um seminário sobre o dadaísmo em Praga, onde vive. Seu objetivo é pesquisar a influência que o dadaísmo tem sobre outros movimentos subversivos originários de Zurique.
Calugar realiza em 6 de fevereiro no Cabaret Voltaire um dia do “caos”, na realidade uma apresentação teatral sobre o tema. “De música, performance até filme, iremos apresentar diferentes coisas”, diz. “Não há regras”. Para ela, dada é uma “ruptura encenada de tudo o que pode ser considerado como convencional”.
Dadaísmo não é tangível. “O que dadaísmo é, nem os dadaístas o sabem, mas sim o Dada superior. E ele não diz a ninguém”, escreveu Johannes Baader já em 1919.
Juri Steiner é um dos curadores da exposição “Dada UniversalLink externo” no Museu Nacional (Landesmuseum) em Zurique e diretor da associação responsável pela organização dos eventos e realização do site do jubileu de 100 anos. Ele descobriu o dadaísmo durante uma fase conturbada da vida.
Para ela o dadaísmo “é um movimento que obriga a passar por uma forma radical de constrangimentos para encontrar a si próprio. E por traz desse medo de derrota, encontra-se uma liberdade nova e criativa, que no caso dos dadaístas descambou em grandes obras de arte”, define Steiner.
Arte liberada
“Essa erupção pode ser sentida até hoje”, explica o ex-diretor do Centro Paul Klee, em Berna, e também um reconhecido especialista no dadaísmo. O movimento mudou a arte que surgiu após o seu aparecimento. Ele define o Cabaret Voltaire como um “monumento do avantgarde”.
“O dadaísmo foi a primeira arte transdisciplinar”, afirma o seu diretor, Adrian Notz. A herança do movimento são os surrealistas, letristas, situacionistas, fluxus, punk, a geração Beat ou os artistas performáticos de hoje. “Marina Abramovic refere-se a isso”, nota Notz.
“Uma forma de criar um momento, onde as fronteiras entre o público passivo e os artistas ativos são dissolvidas. Seguramente esse foi um dos momentos mais importantes do Cabaret Voltaire”, completa Steiner. Dada pode ser, dessa forma, considerado até hoje como algo “virulento”.
Dimensões digitais
O jubileu do movimento dada não ocorre somente no mundo real, mas também no cyberspace. Dois grandes projetos são o “Dada DataLink externo“, uma página interativa na internet em quatro idiomas, realizada em colaboração com a Sociedade Suíça de Radiodifusão e Televisão (SRG SSR). O outro projeto se chama Dada DigitalLink externo, e foi realizado pelo Museu de Arte de Zurique.
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“Dada Universal”
A responsável se chama Cathérine Hug. Seu fascínio é contagioso. Ela mostra com os iluminados diferentes impressões originais dadaístas, que esperam pela digitalização.
“O mais bonito no dadaísmo é que ele é um clamor para todos. Ele é muito inclusivo”, diz Hug. O Museu de Arte de Zurique dispõe da maior coleção de obras de arte do movimento na Suíça. O público conhece as peças mais conhecidas, mas muitos documentos e jornais, que também fazem parte do movimento, estão ainda arquivados. Por isso a instituição decidiu disponibilizar aproximadamente 540 obras. Para fazer esse trabalho, ela trabalhou com o especialista Raimund Meyer.
Patrimônio
Algumas pessoas criticam essa série incomum de eventos. Uma delas é a cientista política Regula Stämpfli, que se pronunciou através de um artigo publicado no jornal Basler Zeitung. “Os dadaístas do passado iriam rir desses eventos”, escreveu.
Juri Steiner contrapõe: uma plataforma que une diferentes visões não precisa ser, ela própria, dadaísta. O mais importante é “debater do ponto de vista histórico o dadaísmo, aceitar a sua herança e dizer que ele pertence a nós. E isso mesmo se os dadaístas não eram necessariamente suíços.”
O que é o dadaísmo?
Foi num café em Zurique, em 1916, onde cantores se apresentavam e era permitido recitar poemas, que o movimento dadá surgiu.
Depois do início da I Guerra Mundial, esta cidade havia se convertido em refúgio para gente de toda a Europa. Ali se reuniram pessoas de várias escolas como o cubismo francês, o expressionismo alemão e o futurismo italiano. Isto confere ao dadaísmo a particularidade de não ser um movimento de rebeldia contra uma escola anterior, mas de questionar o conceito de arte antes da I grande guerra.
Não se sabe ao certo a origem do termo dadaísmo, mas a versão mais aceita diz que ao abrir aleatoriamente um dicionário apareceu a palavra dada, que significa cavalinho de brinquedo e foi adotada pelo grupo de artistas.
O movimento artístico conhecido como Dadaísmo surge com a clara intenção de destruir todos os sistemas e códigos estabelecidos no mundo da arte. Trata-se, portanto, de um movimento antipoético, antiartístico, antiliterário, visto que questiona até a existência da arte, da poesia e da literatura. O dadaísmo é uma ideologia total, usada na forma de viver e como a absoluta rejeição de todo e qualquer tipo de tradição ou esquema anterior. É contra a beleza eterna, contra as leis da lógica, contra a eternidade dos princípios, contra a imobilidade do pensamento e contra o universal. Os adeptos deste movimento promovem uma mudança, a espontaneidade, a liberdade da pessoa, o imediato, o aleatório, a contradição, defendem o caos perante a ordem e a imperfeição frente à perfeição.
Os dadaístas proclamam a antiarte de protesto, do escândalo, do choque, da provocação, com o auxílio dos meios de expressão oníricos e satíricos. Baseiam-se no absurdo, nas coisas carentes de valor e introduzem o caos e a desordem em suas cenas, rompendo com as antigas formas tradicionais de arte.
Um diretor de teatro, chamado Hugo Ball, e sua esposa criaram um café literário, cujo objetivo era acolher artistas exilados (Cabaret Voltaire), que foi inaugurado no dia 1º de fevereiro de 1916. Ali se juntaram Tristan Tzara (poeta, líder e fundador do dadaísmo) Jean Arp, Marcel Janko, Hans Richter e Richard Huelsenbeck, entre outros. O dadaísmo foi difundido graças à revista Dada e, através dela, as ideias deste movimento chegaram a New York, Berlin, Colônia e Paris.
Fonte: InfoEscolaLink externo
Adaptação: Alexander Thoele
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