“O fado sente-se em tudo aquilo que canto”
Ela é uma das referências do fado contemporâneo. Começou em casas de fado lisboetas, mas já levou a sua voz a grandes salas no mundo inteiro. Absorveu o fado, mostrou todo o seu talento e nos últimos anos transformou-o, deu-lhe contemporaneidade. O programa Beleza da Rádio X de Basileia falou com Ana Moura antes dos seus concertos na Suíça.
Rádio X: Os meus colegas de outros países lusófonos trazem normalmente à radio sons como o samba, a bossa-nova, o quizomba e outros ritmos, e eu sou sempre o português que trás o fado, que é mais triste, mais chato. No entanto a Ana já colaborou com nomes como o Herbie Hancock, os Rolling Stones, ou até mesmo o Prince. O fado é mesmo uma coisa assim tão chata ou o fado está a mudar?
Ana MouraLink externo: Eu acho que o fado nunca foi chato. Em todos os géneros há artistas com os quais nós sentimos mais proximidade, e isso também acontece comigo. Há fadistas de gerações mais antigas com os quais eu não me identifico, e que não ouço mesmo. Portanto não é uma questão de género, mas uma questão de afinidade. O fado esteve sempre associado a letras mais tristes, mais nostálgicas. Durante muitos anos os fadistas escolhiam poemas de autores que marcaram a história do nosso país, e que retratavam as nossas vivências duma forma mais intensa, mais profunda. O fado é isso mesmo, é retratar, contar histórias das nossas experiências de vida. Obviamente nós como povo temos determinadas características de personalidade, mas esta nova geração conta as suas histórias duma forma diferente. E a escolha de poemas para contar as suas experiências de vida é um bocadinho mais leve. A parte musical também vai evoluindo. Por exemplo, gravei o meu último disco com bateria, com piano, com instrumentos que não são habituais no fado tradicional, e musicalmente já vamos incluindo alguns instrumentos que fazem com que o fado não seja só pesado e nostálgico.
Rádio X: Com a chegada de novos instrumentos ao fado, achas que o fado corre o risco de perder alguma da sua essência?
AM: Neste meu último disco há fado tradicional e há outras músicas que não são fado, mas sente-se sempre a presença do fado. O violista toca uma viola de fado, o que trás alguma linguagem fadista, há a guitarra portuguesa, e há a intrepretação de uma fadista. Eu gosto de cantar vários géneros de música. Permite-me viajar por outros universos musicais. Mas a minha essência é a de fadista, e acho que o fado sente-se em tudo aquilo que canto. O respeito pelo fado acaba por estar sempre presente.
Rádio X: Obviamente sendo fado cantas fundamentalmente em português. Hoje em dia, fora do fado, existem muitos artistas portugueses que preferem cantar em inglês. Qual é a tua opinião: fora do fado é necessário cantar em inglês para poder vender?
AM: Não, eu acho que não é necessário cantar eminglês para poder vender. Acho que a nossa língua tem um exotismo que encanta cada vez mais as pessoas de outras nacionalidades. Desperta essa curiosidade nas pessoas. Embora haja alguns artistas portugueses que se expressão mais facilmente em inglês, e eu não condeno isso. É porque provavelmente as suas influências desde sempre foram músicas escritas e cantadas em inglês e cada um expressa-se como sente. Eu não julgo isso, mas acho que para vender não é necessário cantar-se noutra língua.
Rádio X: Lançaste o teu último album há cerca de três anos. Em 2015, podemos esperar novidades?
AM: Sim, já estou a preparar o meu novo disco, já estou a recolher alguns temas e vou entrar em estúdio no início do verão.
Rádio X: E queres dar-nos algumas ideias sobre como é que vai ser o teu novo trabalho? Vai ser inovador como foi o último ou vai ser um regresso às origens do fado?
AM: Eu posso dizer que vai ser inovador, tal como o último, sim, mas ainda estou a maturar as coisas, ainda está numa fase muito embrionária.
Rádio X: Entretanto vais estar ao vivo na Suíça, mas não é a primeira vez que vens a este país. O que é que achas do público suíço?
AM: O público suíço tem-me recebido belissimamente, sempre muito carinhosos.
Rádio X: Vais estar ao vivo no Festival de Cully, que é um festival de Jazz. É diferente organizar um concerto de fado para um Festival de Jazz?
AM: Não, eu acho que a atmosfera é criada não só pela música mas pelas pessoas que vêm ao concerto. Depende sempre das salas e do público. Mas as pessoas que vão a festivais de Jazz são pessoas curiosas, são pessoas que vão à procura de sonoridades diferentes e isso sente-se no concerto.
Ana Moura apresenta-se no Festival de Jazz de Cully no dia 11 de Abril às 20:30.
Esta entrevista foi realizada por Eduardo da Fonseca do programa Beleza da Rádio X. A Rádio X é uma emissora independente sem fins lucrativos que promove a creatividade e a integração de diferentes culturas na cidade de Basileia. Para isso conta na sua grelha com programas em diversos idiomas, incluindo o Beleza, o espaço em Língua Portuguesa. O programa promove a música oriunda de países lusófonos. O programa vai ao ar todas as quartas-feiras, das 21:00 às 22:00 (hora suíça), e pode ouvir-se em 94.5 FM ou pela internet em radiox.ch.
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