O homem atrás da câmera
Fernando Coimbra, diretor e roteirista brasileiro, conta como foi produzir seu primeiro longa e, de cara, já levar um prêmio na Espanha.
Depois de nove curtas metragens, muitos deles premiados, o diretor e roteirista brasileiro Fernando Coimbra lança seu primeiro longa “O lobo atrás da porta”, a única produção brasileira a competir na categoria Filme Internacional no Zurich Film Festival. A obra ainda nem chegou às telas do Brasil e já foi premiada no Festival de Cinema de San Sebastián, na Espanha.
A história, baseada em fatos reais, retrata o desespero dos pais de uma criança que é sequestrada em um subúrbio do Rio de Janeiro. O thriller psicológico apresenta toda a investigação policial. Aos poucos peças do quebra-cabeças são reveladas envolvendo totalmente o expectador. No elenco, Milhem Cortaz, Fabíula Nascimento e Leandra Leal.
Fernando esteve em Zurique esta semana para apresentar o filme e falou com exclusividade à swissinfo.ch.
swissinfo.ch: Como foi que “O lobo atrás da porta” entrou para a competição do Zurich Film Festival?
Fernando Coimbra: Eles nos convidaram já faz um bom tempo. Umas das organizadoras do Festival de Cinema de Cannes é que viu primeiramente o filme, gostou e acabou sugerindo aos organizadores do Zurich Film Festival. Eles nos contactaram antes mesmo de termos entrado no Festival de Toronto e de San Sebastián.
swissinfo.ch: Você tem uma história sólida e bem reconhecida em filmes de curta metragem. Como foi a estreia em um longa?
F.C.: Foi até bom ter feito nove curtas metragens antes porque tivemos tempo para ganhar experiência com filmagem, lidar com os problemas, imprevistos e tudo mais. Você fica mais seguro para fazer um longa. Mas, é claro, muda muito. É bem diferente em termos de tamanho do projeto, duração, montagem. Num curta, por exemplo, concentramos as filmagens em média em cinco dias. No caso do longa, são cinco semanas. E neste caso, você tem que lidar com suas próprias fragilidades. Ter a noção do todo, que é muito maior no longa e envolve muito mais horas de filmagem, foi um dos grandes desafios.
swissinfo.ch: Você declarou que seu interesse pela história tratada no filme surgiu há mais de dez anos. O que despertou sua atenção neste episódio?
F.C.: O filme é baseado em um fato real, que aconteceu nos anos 60 no Rio de Janeiro. Há cerca de 15 anos eu tive o primeiro contato com a história. Nessa época eu tinha 22 anos, ainda estava na Faculdade de Cinema. Li a história. Me impressionou, comecei a pesquisar e fiquei meio obcecado por ela. Comecei a escrever o roteiro. Até filmar a história foram 13 anos. Enquanto isso, fui tocando vários outros projetos, trabalhando como ator no Teatro Oficina em São Paulo, produzindo curtas, me desenvolvendo.
swissinfo.ch: O que exatamente chamou sua atenção na história?
F.C.: Trata-se de um crime. E eu via que a imprensa da época tratava a criminosa como um monstro, uma besta, de forma desumana. Acho que foi brutal o que ela fez, não concordo, mas temos que encarar isso, até para entender melhor esse lado do comportamento humano. Foi isso que me instigou, fui tentar entender o que estava por trás daquela história, o que tem de humano ali. Mostrar uma outra perspectiva
swissinfo.ch: Você já imaginava levar o prêmio “Horizontes Latinos” do Festival Internacional de Cinema de San Sebastián?
F.C.: Eu não tinha nenhuma grande expectativa. Sabia que tinha alguma chance, afinal estava competindo. Mas haviam outros filmes bem bacanas. Quando soube fiquei bem feliz.
swissinfo.ch: Você já viu os filmes concorrentes do Zurich Film Festival?
F.C.: Infelizmente, não consegui. Cheguei em Zurique no domingo à noite. Depois na segunda e terça-feira participei das sessões do filme, teve debate em seguida. Depois me encontrei com um distribuidor da Suíça. De Zurique também estou coordenando nossa estreia no Brasil, que será no sábado durante o Festival de Cinema do Rio de Janeiro. Nos cinemas, o filme deve estrear em fevereiro ou março de 2014.
Percebi também que quando fazemos curtas conseguimos ver muito mais filmes durante um festival, por exemplo. Quanto apresentamos um longa, fica tudo mais complexo. Precisamos de muito mais tempo para cuidar da divulgação, promoção, distribuição. Sobra pouco tempo.
swissinfo.ch: Em 2009 você já esteve na Suíça rodando o curta “Jogando tênis com Jean-Luc Godard”. Como foi essa experiência?
F.C.: Tratava-se um concurso internacional de curtas promovido pelo Museu Olímpico de Lausanne. Foram escolhidos dois diretores do Brasil, da China, da Espanha e da Suíça. Na primeira fase da competição cada um fez o filme em seu próprio país de origem. E aqueles que passaram da primeira fase da competição foram convidados a ir até Lausanne para fazer um novo filme lá. Um outro tema nos foi dado. E tivemos uma semana para criar a ideia, produzir o roteiro, filmar e uma semana para finalizar. Acabamos ganhando o prêmio. Foi uma aventura filmar fora do Brasil, já falávamos pouco francês e tínhamos menos infraestrutura disponível.
swissinfo.ch: Qual a sua expectativa para o lançamento do filme no Brasil?
F.C.: Eu acho que o filme tem potencial. Dialoga bem com o público. Não é um filme radical de linguagem. As pessoas acompanham e ficam presas à história. Agora precisamos trabalhar bem, divulgar, fazer um barulho, para conseguir ter uma boa bilheteria quando lançarmos no cinema. No Brasil, vamos apresentar o filme ainda na Mostra de São Paulo, no Janela Internacional de Cinema do Recife. Estamos recebendo convites para outros festivais internacionais, mas ainda não confirmamos nada.
swissinfo.ch: Você já tem outros projetos encaminhados?
F.C.: Temos vários projetos em andamento. Atualmente estou fazendo um filme com Sérgio Machado, também uma produção da Gullane. Trata-se de um longa documentário sobre o bolsa família. Estamos acompanhando a vida de cinco famílias pelo Brasil que recebem a bolsa. A ideia é saber qual o impacto do bolsa, o que mudou, a rotina. O filme deve ficar pronto no começo de 2014. Há um outro projeto de ficção, que ainda estamos na fase do argumento. Vou começar a escrever o roteiro em breve. Ganhamos uma verba da Rio Filmes para desenvolver. A história também se passa no Rio de Janeiro e também tem uma pegada de thriller psicólogo e aborda o universo do jogo do bicho.
swissinfo.ch: Qual é a sua visão sobre a presença do cinema brasileiro no exterior?
F.C.: O Brasil começa a ser melhor compreendido no exterior. Até pouco tempo atrás o mundo esperava apenas um certo retrato do Brasil, que era aquele da miséria, favela, tráfico de drogas e de questões sociais. E há muita coisa mudando no país. Temos que falar de outras coisas, das questões humanas, da classe média, de tudo. O Brasil é muito plural. Existe, sim, essa certa dificuldade de compreensão sobre o cinema brasileiro atual até por conta das mudanças sociais que estão ocorrendo no país. Mas filmes como o de Kléber Mendonça Filho, “O som ao Redor”, que fala de uma classe média de Recife ou como “O lobo por trás da porta”, que trata de uma classe média baixa do Rio de Janeiro, propõem uma nova perspectiva. Até em Zurique, alguns expectadores comentaram que nunca tinham visto esta região do Rio de Janeiro abordada no filme, não é favela, não é zona Sul, não tem praia. O fato é que temas não faltam. Tem muito assunto para ser abordado.
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