O pífano brasileiro pode ter vindo da Suíça
O pífano está para o carnaval de Basileia como o tamborim para o carnaval do Rio. O curioso é que o pífano suíço implantou-se principalmente no nordeste do Brasil. Como isso ocorreu? Embora a história ainda não esteja toda contada, existem hipóteses plausíveis.
Julho de 1976, Rua das Flores, centro de Curitiba, frio de 4 graus centígrados. Um ano antes, eu havia retornado à cidade depois de quatro anos na então Rádio Suíça Internacional, em Berna.
Aquele friozinho cortante de Curitiba me trazia um pouco de recordação de um período importante da minha vida pessoal e profissional. A beleza medieval das ruas centrais de Berna, com suas arcadas bem protegidas e suas belíssimas fontes, permanecia viva na minha memória. Para alguém que se interessava tanto pela arte da comunicação, minha experiência suíça tinha sido uma experiência e tanto.
Um pouco de nostalgia
De repente, um outdoor bem no centro de Curitiba me chama a atenção: Banda de Pífanos de Caruaru – sábado – Teatro Guaíra, o maior da cidade. Pífanos de Caruaru? Até então, havia conhecido apenas os pífanos de Basiléia, na Suíça. Fui a um guichê de vendas de ingressos assegurar o meu com uma pergunta que me acompanha até hoje: que conexões poderia haver entre o pífano de Caruaru e o de Basiléia?
Como jornalista da Rádio Suíça, havia documentado vários carnavais de Basiléia, o mais expressivo do país e onde o pífano é um dos (seus) símbolos mais expressivos. A entrada das bandas de pífanos na Praça do Mercado em Basiléia, vindas das várias ruelas vizinhas, pontualmente às 4 horas das madrugadas geladas, é de uma beleza fantástica e deixa uma ponta de nostalgia em qualquer cidadão.
Procurar entender o amor do suíço pelo pífano, a dedicação dos músicos aos ensaios (e treinamentos) para a grande festa do carnaval, é algo muito interessante para um brasileiro que achava que o “nosso carnaval” é que era o tal. De fato é, mas há variações por este mundo afora (e) que deveriam merecer a nossa curiosidade e a nossa compreensão.
Antes de cobrir o primeiro carnaval de Basiléia fui pesquisar sobre aquela festa. Soube, por exemplo, que o pífano estava para o carnaval de Basiléia como o tamborim esteve para o carnaval do Rio e que a palavra pífano vem do suíço-alemão pfifer – tocador de pífano, pequena flauta de madeira de som agudo – (Dicionário Petit Larousse, pg. 432). A Enciclopédia Francesa registra que o pífano surgiu no século 14 e foi disseminado através da Europa pelos mercenários suíços, soldados contratados para lutar em regimentos de outros países, na defesa dos interesses alheios.
Pífanos de Caruaru
Em seguida, fui saber que o pífano, de fato, era instrumento amplamente utilizado na Suíça havendo dezenas de grupos e associações que o cultivam há muitos anos. A Associação Suíça de Tambores e Pífanos, de Basiléia, por exemplo, possui mais de 100 anos de existência. Na realidade o pífano foi muito usado como instrumento em bandas militares em vários países, incluindo nos Estados Unidos.
E onde, então, fica a conexão entre o pífano suíço e o do nordeste brasileiro? Fui ver o show do Teatro Guaíra em Curitiba, entrevistei os membros da Banda de Pífanos de Caruaru, mais tarde falei com outros músicos, com conhecedores do folclore nacional sobre o assunto. Muitos diziam que “até onde sabiam” o pífano era originário dos indígenas brasileiros, mas nenhum deles foi capaz de citar data ou marco histórico. Alguns aceitavam a possibilidade de influência européia.
Sem preocupações de outras naturezas, resolvi pesquisar o tema. Tinha a intuição de que aquilo mais tarde daria uma boa história. Se a origem do pífano – ou pelo menos um dos seus marcos históricos – estava na Suíça, como ele teria atravessado o Atlântico e se incrustado no nordeste brasileiro?
Pesquisei várias enciclopédias, principalmente as de histórias da música, falei com pesquisadores, mergulhei nos arquivos da Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro, contatei amigos e conhecidos no Nordeste. Encontrei coisas interessantes.
Não consegui, contudo, responder de forma definitiva a pergunta que me fiz desde o começo: como o pífano de Basiléia veio parar no nordeste brasileiro? De qualquer forma avancei no campo das hipóteses que, como dizem os italianos, “Si non è vero, è bene trovato” por oferecerem caminhos e explicações bem razoáveis.
Assim, ao propor este tema, quero convidar os internautas da Swissinfo para que interajam conosco e contribuam com materiais e informações que permitam uma ampliação do conhecimento deste fragmento de história que pode criar um novo elo entre a Suíça e o Brasil.
Começo: a invasão holandesa no Brasil
A explicação mais plausível para os pífanos nordestinos surge com algumas descobertas sobre a vida de Maurício de Nassau. Governador do “Brasil Holandês” (1637-1644), nascido em Dillenburg, Alemanha, Maurício de Nassau, chegou a Pernambuco por delegação de cinco anos da Companhia das Índias Ocidentais como Governador-Geral, Capitão-General e Almirante.
Homem de boa cultura, hábil negociador, teve a preocupação de trazer consigo intelectuais e artistas que tiveram grande importância durante e após o período da ocupação. Datam de sua época grandes realizações que fizeram dele, apesar de colonizador, uma figura de destaque na história brasileira. Como amante das artes e da cultura é natural que também tenha dado contribuição no campo da música. O pífano pode ter sido uma delas.
Um dado importante que reforça esta hipótese é que, quando jovem, Maurício de Nassau estudou na Universidade de Basiléia, na Suíça, justamente a “terra do pífano” e que aí possa ter manifestado interesse pelo instrumento. Na verdade, ele estudou também na Universidade de Genebra. Biógrafos de Nassau, quem sabe, possam ter mais informações sobre seus pendores musicais.
Segunda hipótese
Uma segunda hipótese para a presença de pífanos “helvéticos” no Brasil, e ainda alinhada com o período de Maurício de Nassau, é que os instrumentos tenham sido trazidos por mercenários suíços que teriam lutado no nordeste sob a bandeira holandesa. Jovens suíços lutaram em regimentos de diversos países e a todos levaram o hábito do uso do pífano que, ao lado dos tambores, serviam para cadenciar os avanços das tropas militares a que serviam.
Esta hipótese é vista como bastante razoável embora faltem dados sobre quando e onde Maurício de Nassau usou mercenários suíços em suas tropas militares na colonização do nordeste brasileiro.
Minhas descobertas chegaram até este ponto e, assim, convido os interessados no tema ou que possuam informações relevantes a completar esta parte da história. Eu mesmo continuo buscando contato com historiadores, folcloristas, estudiosos no sentido de ampliar conhecimentos nesta área. Se você tiver informações que possam complementar este assunto, mande, por favor.
*Jornalista radicado em Curitiba, PR
jpedro@jpccommunication.com.br
O nome pífano é amplamente utilizado no Brasil mas o mesmo instrumento é chamado por vários outros nomes no País. Banda de Pífanos, Banda de Pife, Música de Pife, Zabumba, Cabaçal, Esquenta-Mulher, Banda de Negro, Terno, são alguns deles utilizados nos dicionários de folclores, entidades ligadas às artes populares e outras instituições.
O interessante é que estas bandas surgiram e praticamente se concentraram no nordeste brasileiro indo do Recife, passando por Caruaru, no Pernambuco e indo até a região do Cariri, no sul do Ceará. Tenho registro de existência de grupos similares nos estados de Goiás e Minas Gerais onde atendem por outros nomes – Banda de Couro (Goiás), Musga do Mato e Pipiruí (Minas Gerais).
Assim como sua denominação varia, a composição das bandas também tem diferenças, mas seus instrumentos básicos são dois pífanos, um surdo, um tarol e um bombo ou zabumba.
Em Pernambuco, é composta por dois pífanos, uma caixa, um bombo, um surdo e um tambor. Em Alagoas, além dos instrumentos básicos acrescenta-se um par de pratos e em certos grupos um triângulo e até um maracá para maior sonoridade. No Ceará, também foram acrescentados o prato e triângulo e em Sergipe o triângulo e o ganzá. Em Goiás, a Banda de Couro, como é chamada, é composta por bombo, caixa ou tarol e viola.
O pífano é o comandante da banda. É um instrumento semelhante à flauta, feito de taquara, uma madeira muito comum nas matas do sul de Pernambuco. É encontrado em três tamanhos: 65cm a 70cm, chamado Régua Inteiro, 50cm, o Três Quartos e o de 40cm, Régua Pequena. O som do pífano muda de acordo com o tamanho. Cada pífano tem sete orifícios, sendo seis para os dedos e um para os lábios (sopro). O segredo, tanto da confecção quanto da execução do pífano, é passado de pai para filho.
Em geral os componentes das bandas são trabalhadores que se ocupam da agricultura de subsistência. Não têm formação musical e tudo o que tocam é de ouvido. Suas apresentações pelo Nordeste são muito concorridas mas mesmo noutros estados brasileiros atraem bastante público. Alguns grupos excursionaram pelo exterior e tiveram ótima receptividade.
Entre as músicas mais executadas estão Asa Branca, Valsa, Mulher Rendeira, A Briga do Cachorro com a Onça, Sabiá, Guriatã de Coqueiro, A Ema Gemeu no Pé do Juremá, entre outras. Há várias dezenas de bandas de pífanos pelo Nordeste, mas uma das mais conhecidas é a de Caruaru, fundada pelos irmãos Biano, Sebastião e Benedito, em 1924, que já tocou até para Lampião em Tacaratu, quando o cangaceiro foi pagar uma promessa.
Fonte: Fundação Joaquim Nabuco, Recife, Pernambuco
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