“Tive de aprender que fracassar faz parte do ofício”
O arquiteto suíço Peter Zumthor vai brevemente construir um novo museu de arte na Califórnia. Na Alemanha recebeu o prêmio BDA 2017, atribuído pela Federação dos Arquitetos Alemães, e projeta seu primeiro prédio na Bélgica. Entrevistado pelo canal público de televisão, fala das dificuldades que lhe causam os processos democráticos e da dificuldade de se separar das suas obras.
SRF: O que o inspira?
Peter Zumthor: Imagens, atmosferas, um sentimento do lugar. Também é preciso escutar para compreender o que querem os mestres de obras e quais são as exigências do projeto. Até para idenficar o que é falso. Por vezes, eu sou obrigado a perguntar: é realmente isso que você quer? Mas o lugar é, evidentemente, uma fonte de prazer. Construir casas que, lá onde elas se encontram, contribui para a qualidade do lugar, traz alguma coisa ou destaca uma qualidade. É minha paixão. Talvez até tornar visível o que não se vê, um aparte da história perdida do lugar.
SRF: Lhe interessa construir uma ponte?
P.Z.: Isso eu não sei fazer, mas gosto de pontes. Acabo de ver uma foto da nova ponte da Tamina, uma bela ponte em arco. Gostaria de construir casa que seguem uma lógica análoga. Essa beleza que emana da lógica da construção. O projeto de Los Angeles sobre o qual trabalho tem algo de uma gigantesca ponte com seus grandes pilares. Preciso para isso de trabalhar estreitamente com os engenheiros. Essa colaboração é formidável porque falamos da estrutura e da estática de uma construção.
SRF: Suas construções jogam com a sombra e a luz. O senhor fala de espaços suspensos. O que isso quer dizer?
P.Z.: Em arte, há filmes ou livros que lhe dão a impressão que o autor busca o tempo todo manifestar como ele é genial. Não é o meu estilo. Eu guardo uma certa distância para que você acabe por gostar das construções.
SRF: Em um projeto, que parte do trabalho o senhos gosta mais?
P.Z.: Construir é formidável. Ver como vinte, 200 ou 2.000 pessoas desenvolvem alguma coisa e todo o saber envolvido. Isso me torna orgulhoso de mim e eu me alegro como um chefe de orquestra que pode trabalhar com diferentes instrumentos. O começo também é muito bonito. Uma primeira ideia e sempre cheia de entusiasmo. Ele leva a arquitetura durante todo o processo, que é cheio de obstáculos. Tem de passar por isso.
SRF: Como o senhor administra os fracassos?
P.Z.: Tive de aprender que eles faziam parte do ofício porque ninguém me tinha falado. Tem momentos assustadores. Meus olhos lacrimejaram quando tive de assistir em Berlim à destrução das primeiras escadas da Topografia do terror. Certos processos democráticos suíços também me desesperam.
SRF:As termas de Vals são uma de suas obras mais importantes. No entanto, o senhor quis comprá-la, mas a prefeitura vendeu para outro. O que o senhor pena hoje?
P.Z.: Retrospectivamente, estou contente.
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SRF: Projeta-se construir um edifício de 300 metros concebido por Thom Mayne. O que o senhor acha desse projeto?
P.Z.: Thom Mayne é um arquiteto interessante, um bom arquiteto. Há 25 anos, nos ensinamos juntos em uma universidade de Los Angeles. Ele me impressionava e frequentemente contava coisas eu não entendia nada. Eu olhava em torno de mim e constatava que meus colegas e os estudantes também não entendiam. Mas ele construiu edifícios formidáveis em Los Angeles. Agora, ele não conhece toda a situação que lhe atribuiu esse mandato. E uma torre gigante em um vilarejo de montanha… Aqui tenho de dizer não.
SRF: Recentemente, seu projeto de hotel na comuna de Braunwald, no cantão de Glarus, não deu certo. O projeto é colocado em questão. Qual é o seu sentimento?
P.Z.: É preciso paciência, é o mesmo problema. A câmara municipal não se pronunciou diretamente sobre o hotel, mas sobre questões ligadas à água. As autoridades da comuna tem agora a possibilidade de melhorar o projeto e aprová-lo. Eu continuo acreditando.
SRF: O senhor trabalha atualmente para o Museu de Arte de Los Angeles, um edifício de 600 milhões de dólares cuja construção deve começar em 2020. Como o senhor procede nesses projetos internacionais? Pode trabalhar desde o vilarejo de Haldenstein, no cantão dos Grisões onde o senhor tem o escritório?
P.Z.: Primeiro, preciso dizer que tenho necessidade de encomendas que têm vontade de seguir comigo um processo ao final do qual nós sabemos mais do que no início. Não sou alguém que realiza ideias preconcebidas e preciso trabalhar com gente que gosta de desenvolver alguma coisa em comum. É o caso de Los Angeles e de outros lugares. Se não, não seria possível.
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Agora é muito fácil de comunicar. Basta apoiar num botão para enviar os planos em tamanho grande a Los Angeles ou Nova Iorque. A composição de uma grande equipe também é extraordinária porque o lugar onde você está não importa. Um arquiteto precisa de um bom lugar onde possa trabalhar. É o meu caso em Haldenstein.
SRF:O senhor trabalha como um pequeno escritório de arquitetura. Cada projeto para pelas suas mãos?
P.Z.: Eu faço os originais. Não posso entregar projetos por trás de uma razão social. E gosto de criar minhas casas até o último parafuso. Mas elas não são necessariamente pequenas, também podem ser grandes.
SRF: Que laço o senhor mantêm com suas construções?
P.Z.: Talvez seja um pouco como as crianças. Mas elas pertencem a outras pessoas. Não posso visitá-las, simplesmente ir vê-los, mesmo se o faria com prazer. Deveria fazê-lo em segredo ou à noite. Mas também tenho outras reticências. Não gosto de estar em lugares onde me observam cochichando: olha, é Zumthor.
SRF: O senhor ganhou em 2009 o Prêmio Pritzker pelo conjunto da obra, ou seja, a mais alta distinção que um arquiteto pode receber. Isso o mudou?
P.Z.: Isso me ajudou a ser ainda mais desapegado. Eu nunca sofri de falta de reconhecimento durante minha carreira. Sempre teve gente que via o que eu fazia e compreendia o que eu queria. Outros me fechavam em clichês: Zumthor o penível, o cabeça dura. É preciso resistir.
SRF: Existe pressão para manter o nível depois de um tal reconhecimento?
P.Z.: Não, o Prêmio Pritzker é um envelope, mas o foco não mudou. Reinventar cada construção, desenvolver uma ideia até o fim, concretizá-la politicamente, culturalmente e realmente – sempre é preciso recomeçar do zero e é sempre o mesmo desafio. Não muda nada. As dúvidas voltam, estou perdido e me questiono: “Diabo, o que não dá certo?” e discuto com meus colaboradores.
SRF: O senhor já era considerado uma estrela da arquitetura antes desse prêmio.
P.Z.: Eu não gosto disso. Não tenho nada de uma estrela. E as estrelas não são um bem para a arquitetura. Eu preferiria ter estrelas entre os encanadores.
SRF: Museus de arte, prédios sagrados, termas, uma caserna. Tem alguma coisa que o senhor ainda gostaria de construir?
P.Z.: Estamos estudando a construção de uma torre no sul de Antuérpia, na Bélgica. O problema com esses edifícios em altura é que não se sabe como organizar o acesso e o que instalar para as pessoas. Nós buscamos agora uma solução que beneficie a cidade e o parque. Eu construiria ainda alguma coisa à beira d’água com um amplo horizonte.
SRF: E se um dia o senhor não tiver mais vontade de continuar será o fim do escritório de arquitetura Peter Zumthor?
P.Z.: Não quero me comparar com Alberto Giacometti, mas desde que ele morreu, não tem mais novos Giacometti.
Adaptação: Claudinê Gonçalves
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