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Como a economia helvética se beneficiou do Apartheid

Pessoas próximas a uma urna de votações
Nelson Mandela vota nas primeiras eleições livres na África do Sul em 1994. KEYSTONE

As primeiras eleições livres na África do Sul ocorreram há 30 anos. A Suíça cooperou com o regime do Apartheid por muito tempo antes disso.

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A Suíça até ajudou a construir bombas nucleares. Hoje, a África do Sul não é mais uma potência nuclear, mas o governo racista do Apartheid que regeu o país até o final da Guerra Fria produziu um total de seis bombas nucleares: com o apoio de empresas suíças, conforme revelou a investigação. Empresas industriais do leste do país forneceram componentes para o enriquecimento de urânio, bem como material que aumentou o alcance (das bombas).

“A indústria suíça também foi um dos pilares do programa secreto de armas nucleares da África do Sul”, revelou o historiador Peter Hug em seu estudo como parte do programa de pesquisa “Relações entre a Suíça e a África do SulLink externo” (NRP42+).

Dois homens frente a um telão
Em 2005, o historiador Peter Hug apresentou seu estudo intitulado “Com o governo do Apartheid contra o comunismo”. KEYSTONE

O programa de pesquisa nacional, cujos resultados foram apresentados no outono de 2005, chegou à conclusão geral de que, para a Suíça, o comércio era mais importante do que os direitos humanos.

Apartheid começou antes de 1948

Mesmo antes do verdadeiro regime de Apartheid, o país africano era caracterizado pela discriminação racial. Por exemplo, atos sexuais e casamentos entre não brancos e brancos eram proibidos.

Em 1948, o “Partido Nasional”, o partido dos bôeres com descendências holandesas, venceu as eleições e o novo governo instaurou o Apartheid (que na língua original, Afrikaans, significa compartimento ou divisão). A maioria não branca da população deveria viver nas chamadas terras natais e fornecer ao país mão de obra barata sem direitos políticos. Em 1973, a ONU condenou o Apartheid como um crime contra a humanidade.

ONU toma providências após o massacre de Sharpeville

Em 1960, a polícia sul-africana disparou com metralhadoras contra milhares de manifestantes negras e negros. O massacre de Sharpeville deixou 69 pessoas mortas. Como resultado, a ONU endureceu sua posição em relação à África do Sul e o Conselho de Segurança da ONU decidiu por um embargo de armas.

Foto em preto e branco exibindo militares e vítimas
Imagens do massacre de Sharpeville. KEYSTONE/Verwendung nur in Deutschland, Österreich und der Schweiz, usage Germany, Austria and Switzerland only

A Suíça também proibiu oficialmente a exportação de armas para a África do Sul no final de 1963. No entanto, essa proibição não foi aplicada.

Em vez disso, o Exército suíço estabeleceu contato com a liderança do exército sul-africano na década de 1960. Uma missão militar da África do Sul também foi convidada a visitar a Suíça, que estava particularmente interessada na guerra psicológica contra inimigos internos.

Ainda assim, a Suíça condenou repetidamente o sistema de Apartheid desde a Conferência de Direitos Humanos da ONU de 1968, e tomou medidas como a limitação de investimentos em 1974. Mas as medidas legais adotadas deram à economia uma grande margem para manobras.

Participação da Suíça nos investimentos acima de 10%

Desta forma, a economia helvética fez negócios com a África do Sul até o final da década de 1980, enquanto a ONU tentava cada vez mais isolar o país do Apartheid. De 1979 a 1990, a participação da Suíça nos investimentos estrangeiros na África do Sul ultrapassou 10% em cada ano.

Conteúdo externo

Como resultado, a Suíça tornou-se cada vez mais importante para os líderes do governo do Apartheid, que intensificaram seus contatos.

A África do Sul foi centro de produção de grandes empresas suíças. Na década de 1980, as empresas da família Schmidheiny controlavam um terço do mercado sul-africano de cimento e dominavam o mercado de Eternit no país.

Outras firmas tradicionais como Nestlé, Roche, Sulzer e Brown Boveri, também produziam na África do Sul.

Em 1988, 17 mil sul-africanas e sul-africanos estavam trabalhando para estas empresas.

Foto em preto e branco exibindo pessoas reunidas em um salão
O presidente da Confederação Suíça na época, Leon Schlumpf (à esquerda) recebendo o presidente sul-africano Pieter Willem Botha (segundo da direita) e seu ministro das Relações Exteriores durante uma visita de Estado em 1984. KEYSTONE

O lucrativo comércio de ouro dos bancos suíços

No entanto, os negócios suíços na África do Sul representavam pouco mais de 1% do comércio exterior (o comércio de ouro não está incluído nessas estatísticas).

Sandra Bott, que analisou as relações econômicas entre a Suíça e a África do Sul como parte do NRP42+, ficou surpresa com a extensão do comércio de ouro da África do Sul na época.

Os bancos suíços conseguiram substituir o Reino Unido como o centro do comércio internacional de ouro em 1968. Isso também se aplicava ao ouro da África do Sul: os principais bancos suíços importavam mais da metade do ouro extraído na África do Sul em um pool conjunto. As empresas suíças estão envolvidas no comércio de diamantes – que é fundamental para a África do Sul – desde a década de 1950.

Em seu auge, em 1984, o volume de negócios dos bancos suíços totalizou quatro bilhões de francos.

Foto em preto e branco exibindo pessoas em um protesto público
Protesto organizado frente a um banco suíço em 1989. KEYSTONE

Embaixador suíço para falsificações

Como Sandra Bott descobriu, as autoridades suíças também estavam envolvidas na ocultação de movimentos de capital para a África do Sul do Apartheid em 1968. “Em nome do Ministério suíço das Relações Exteriores, o embaixador em Pretória instruiu o Banco Central a falsificar suas estatísticas”, explicou Bott em 2010, “e de tal forma que cada um dos países não aparecesse mais pelo nome.”

Graças a esse truque, a Suíça aparecia nas estatísticas do Banco Central da África do Sul como “Resto da Europa”.

Arquivos bloqueados

O governo suíço causou então um escândalo próprio como parte do projeto de pesquisa sobre a África do Sul: o Conselho Federal (o conselho de sete ministros que governa a Suíça, o Poder Executivo) mandou bloquear os dossiês nos quais as empresas suíças eram mencionadas pelo nome em conexão com os negócios sul-africanos.

A restrição de um projeto de pesquisa que, afinal, era apoiado por um mandato do próprio parlamento suíço, causou enorme mal-estar.

A razão dada pelo governo em Berna foi a de que as empresas suíças com negócios na África do Sul haviam sido ameaçadas com ações judiciais coletivas nos EUA.

Um novo projeto de pesquisa Suíça-África do Sul?

Mulher em um parlamento
A deputada-federal Léonore Porchet (Partido Verde) apresentou recentemente um projeto de lei pedindo uma reavaliação da história das relações da Suíça com a África do Sul. KEYSTONE/KEYSTONE / ANTHONY ANEX

A deputada-federal do Partido Verde (PV), Léonore Porchet, lançou uma proposta em 2022 para um novo estudo NRP42+ da Suíça sobre o Apartheid.

Em uma declaração, o Conselho Federal apontou que os arquivos agora estão abertos para pesquisa novamente: “A decisão do Conselho Federal de 20 de junho de 2014 suspendeu a restrição de acesso aos arquivos.” No entanto, foi considerado desnecessário um financiamento especial para essa pesquisa.

O embargo aos arquivos terminou em 2014, depois que as últimas ações judiciais coletivas relacionadas à África do Sul foram rejeitadas por um tribunal dos EUA em 2013. O Conselho Federal recomendou que a moção de Porchet fosse rejeitada. A moção foi então retirada antes que o Parlamento pudesse decidir.

Seria necessário ter fundos suficientes e vontade política

O historiador Georg Kreis, que presidiu o projeto de pesquisa NRP42+, acredita que um novo projeto para investigar as relações entre a Suíça e a África do Sul só faz sentido se houver vontade política e financiamento suficiente.

O acesso aos arquivos fornece a estrutura para “compensar o que foi impedido”. Mas para que isso realmente aconteça, seria necessário um mandato político para fazer única e exatamente isso.

Edição: David Eugster

Adaptação: Flávia C. Nepomuceno dos Santos

Este artigo de 2010 foi complementado em 2024 com novas pesquisas e informações e reformulado em termos de estilo.

Quando a segregação racial foi consagrada por lei na África do Sul, em 1950, as empresas suíças Ciba-Geigy (atual Novartis), Roche, BBC (atual ABB) e UBS abriram filiais no Cabo.

Em 1956, foi fundada em Zurique a Swiss-South African Association, que funcionava como uma câmara de comércio.

Em 1960, a polícia matou 69 manifestantes negras e negros em Sharpeville. Após uma greve geral, o Congresso Nacional Africano (ANC) foi banido.

Em 1963, a ONU impôs a proibição do fornecimento de armas à África do Sul. A Suíça contornou essa medida.

Em 1964, o líder do ANC, Nelson Mandela, e outros ativistas foram condenados à prisão perpétua.

Em 1968, os bancos suíços criaram um pool para comprar ouro sul-africano.

Até o final da década de 1980, os bancos suíços haviam comprado pelo menos CHF 300 bilhões em ouro sul-africano.

Em 1974, o Conselho Federal limitou os investimentos anuais na África do Sul a CHF 250 milhões (CHF 300 milhões a partir de 1980). O limite máximo foi regularmente contornado.

Em 1976, cerca de 600 pessoas foram mortas em todo o país após o levante de Soweto.

Em 1986, a Suíça apoiou ONGs sul-africanas que faziam campanha pelo fim do Apartheid e pela democracia.

Em 1990, Pretória suspendeu a proibição do ANC. Nelson Mandela foi libertado em 11 de fevereiro. Em 8 de junho, ele se encontrou com o então ministro suíço das Relações Exteriores, René Felber, durante sua visita à Suíça.

Em abril de 1994, o ANC venceu as eleições de forma esmagadora e Mandela tornou-se o primeiro presidente negro da África do Sul.

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