Democracia direta e participação popular explicam alto nível de confiança política na Suíça

Em um mundo abalado por populismos e desconfiança nas instituições, a Suíça se destaca como exceção: ali, a confiança na democracia permanece alta. E ajuda a explicar a estabilidade do país.
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O mundo encontra-se, neste ano de 2025, diante de grandes mudanças. Na geopolítica, as alianças tradicionais não parecem mais sustentáveis. Em muitos países, forças populistas obtiveram bons resultados nas eleições do ano passado ou até chegaram ao poder.
Nos Estados Unidos, Elon Musk, o homem mais rico do mundo, tem permissão para aplicar suas ideias de disrupção ao aparato governamental.
Na Suíça, os quatro maiores partidos compartilham o poder no governo, como fazem na maior parte do tempo desde 1959.

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Como a liberdade ferida molda novos movimentos autoritários
Reportar sobre a democracia suíça para um público internacional frequentemente leva a narrativas sobre estabilidade, ao mesmo tempo que tons de cinza são adicionados à imagem polida do país.
Ainda assim, é sempre importante ressaltar que, em comparação com outros países, a percepção da política e das instituições na Suíça não está tão comprometida.
Confiança elevada no governo
Vivemos em uma época em que a confiança nas instituições políticas está sob pressão, sobretudo em nível nacional ou até supranacional. Nos Estados Unidos, por exemplo, em 2023, menos de um terço da população confiava no Congresso, enquanto mais de dois terços confiavam em seu governo local. Isso provavelmente se deve, em parte, ao fato de conhecerem os políticos de perto e perceberem diretamente os efeitos de seu trabalho: uma rua nova, um novo playground, a proibição de um estacionamento.
Na última pesquisa da OCDE, realizada em diversos países, menos de 40% dos entrevistados afirmaram confiar em seu governo nacional. Esses dados constam no relatório da OCDE publicadoLink externo em julho de 2024.
E a Suíça obteve o melhor resultado em ambos os aspectos: teve a maior proporção de cidadãos confiantes e a menor de desconfiados.
Em novembro de 2023, 61,9% das pessoas na Suíça confiavam muito ou moderadamente no governo nacional. Apenas 23,6% disseram não ter ou ter pouca confiança. Outros 13,1% se mantiveram neutros em relação à questão da confiança, e 1,4% não souberam definir sua própria posição.
Confiança gera estabilidade
Há algum tempo, a equipe de democracia da SWI swissinfo.ch se reuniu para refletir sobre quais são os fatores que fazem com que a Suíça alcance um nível tão alto de confiança no governo.
Seria devido ao relativo bem-estar econômico da maioria da população? À cultura política que permite que os membros do Conselho Federal andem de trem como qualquer outra pessoa? Ou ao sistema de democracia direta?
Escrevemos muitos artigos, cada um focado em um aspecto específico. O resultado foi uma colagem heterogênea que tentava explicar a Suíça.
Quando tento pensar em todas as peças hoje, chego a uma conclusão pessoal: confiança gera estabilidade, e estabilidade possibilita a confiança.

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Por que as pessoas na Suíça confiam no Estado
Sem estabilidade, a confiança não pode se desenvolver. Em uma democracia, estabilidade não significa que mudanças não devem ocorrer.
Como as instituições reagem
Isso significa que a estrutura das instituições políticas precisa ser confiável e transparente. E é isso que lhes permite agir em uma democracia. Noémie Roten, diretora da iniciativa Service Citoyen, foi a responsável por expor o escândalo das assinaturas falsificadas.
Seria compreensível se Roten estivesse um tanto irritada com as autoridades suíças. No entanto, em entrevista comigo, ela afirmou que não considera esses “sinais de alerta” algo ruim para uma democracia. A questão, segundo ela, é como se lida com eles.

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Escândalo das assinaturas na Suíça expõe falhas na democracia direta
Estão sendo tomadas medidas? As vozes críticas são ouvidas ou simplesmente ignoradas? A comunicação é transparente? Essas são questões fundamentais.
Resultados falsos em 2023
A pesquisa da OCDE, na qual a Suíça obteve um excelente desempenho, foi realizada no país entre 25 de outubro e o final de novembro de 2023.
Isso ocorreu logo após as eleições nacionais, nas quais as autoridades suíças divulgaram resultados errados. Três cantões calcularam incorretamente os resultados eleitorais. O erro foi corrigido pelas autoridades em 25 de outubro.
Talvez tenha sido por acaso que os resultados incorretos não alteraram a distribuição de assentos e, por isso, não geraram um escândalo maior. Mas talvez isso também se deva ao fato de que as autoridades reconheceram claramente o erro e tornaram público, de forma transparente, como ele ocorreu.
Estabilidade em sociedades autoritárias
Contudo, a estabilidade por si só não cria confiança. É conhecido que também pode haver estabilidade em sociedades governadas de forma autoritária. Na verdade, talvez seja justamente o desejo por estabilidade que leva tantas pessoas, em diversos países, a votar em partidos autoritários – mesmo que seus ‘homens fortes’ sejam notórios mentirosos.
Quem sente que pode confiar nas instituições tende a não optar por caminhos disruptivos ou populistas. A confiança social, de fato, gera estabilidade democrática.

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A Landesgemeinde do cantão de Glarus
A grande maioria das pessoas na Suíça – como mostrou uma pesquisa recente – considera a democracia semidireta do país o melhor sistema do mundo. A população participa ativamente dos debates políticos e, nesse processo, aprendem o real significado dessa participação.
Talvez, às vezes, o papel do direito de iniciativa e de referendo na construção da sociedade seja mal compreendido. Muitas vezes, os referendos são valorizados principalmente porque permitem um amplo debate sobre um tema antes de se chegar a uma decisão final. Como se dissessem: “Foi bom discutirmos isso, mas agora a maioria decide para onde vamos”.
Descontentamento da minoria
Mas talvez o impacto mais significativo dos instrumentos da democracia direta na coesão social não seja a decisão da maioria. Talvez seja justamente o oposto: a possibilidade de a minoria expressar seu descontentamento e obrigar a sociedade a lidar com isso.
O papel dos direitos democráticos diretos na satisfação das minorias políticas já foi estudado: o politólogo Julien Jaquet, em sua tese de doutorado, analisou a democracia direta na Suíça e nos estados dos EUA.
Seu estudo mostrou que, em estados democratas dos EUA, os cidadãos e cidadãs republicanos recorrem com mais frequência a plebiscitos e referendos. Jaquet concluiu que há mais consultas populares quando um grupo de cidadãos se sente particularmente mal representado.

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Como funciona a democracia direta na Suíça?
Segundo ele, quando os cidadãos não são adequadamente representados, os referendos servem como um instrumento para preencher essa lacuna de representação.
Direitos dos que pensam diferente
Todos os cidadãos e cidadãs – seja um social-democrata em uma assembleia municipal na conservadora região do Oberland Bernês, seja um direitista na cidade progressista de Biel – têm o direito de convocar uma votação.
Provavelmente, suas propostas serão amplamente rejeitadas pela maioria local com opinião contrária. No entanto, pode ser que seus argumentos tenham algum impacto e levem a um compromisso. E talvez até mesmo uma ideia inicialmente impopular consiga prevalecer.
Caso a proposta não tenha sucesso, ao menos o governo local tomará cuidado para não cometer erros em seu trabalho. Isso porque aqueles que pensam diferente possuem direitos, fazem uso deles e veem essas garantias respeitadas.
Percepção interligada
Na Suíça, o alto nível de confiança pode ser atribuído ao fato de que os cidadãos vivenciam a democracia como uma rede na qual diferentes atores desempenham um papel fundamental – desde a mídia até o voluntariado, passando por associações e sindicatos.
A Suíça é uma rede na qual os cidadãos podem exercer influência tanto quanto o governo. E, em alguns momentos – que nem são tão raros –, a força da população supera a do governo. Isso acontece, por exemplo, quando este recebe um claro recado nas urnas em um domingo de votação.
Isso também significa que, na Suíça, é possível perceber como as políticas locais, cantonais e nacionais estão interligadas. Alguém que confia em seu governo local pode não compreender completamente o Parlamento Federal e o governo nacional, mas entende que a administração local faz parte do mesmo sistema. Na Suíça, o fator confiança, portanto, resulta de uma interação entre todos os níveis políticos.

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Nosso boletim informativo sobre a democracia
Editado por Giannis Mavris
Adaptação: Karleno Bocarro
Artigo baseado na palestra do autor, Benjamin von Wyl, no Politforum Thun, em março de 2025.

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