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Divisão política entre homens e mulheres se amplia na Suíça

Homem e mulher em cabines de votação
Um homem e uma mulher em uma cabine de votações na Embaixada da França em Berna, em 2017. Keystone / Peter Klaunzer

Na Suíça, homens e mulheres tendem a se distanciar politicamente. Isso é explicado por uma sensibilidade feminina diferente sobre questões sociais e ambientais. Uma tendência que ultrapassa as fronteiras helvéticas.

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As opiniões políticas de homens e mulheres estão se afastando. A tendência é observada em todo o mundo em graus diversos, mas é ainda mais acentuada entre os jovens.

A eleição presidencial americana trouxe recentemente à tona essa polarização entre as jovens eleitoras e eleitores. Como escreveuLink externo o jornal britânico The Guardian, 58% das mulheres entre 18 e 29 anos votaram em Kamala Harris, enquanto 56% dos homens da mesma faixa etária apoiaram Donald Trump.

As divisões parecem ainda mais pronunciadas fora do Ocidente, segundoLink externo o jornal econômico britânico Financial Times, que recentemente analisou dados de vários países. “Na Coreia do Sul, o fosso entre os jovens homens e as jovens mulheres tornou-se enorme, e a situação é semelhante na China. Na África, a Tunísia apresenta o mesmo padrão”, observa o jornal, que também fala do surgimento de um “global gender divide”, ou seja, uma divisão mundial entre homens e mulheres que afeta todos os continentes.

Maneiras de votar

O fenômeno não poupa a Suíça. Um fosso importante entre os sexos também tem se manifestado com mais frequência nos escrutínios nacionais. O fenômeno se tornou evidente nas votações federais de novembro passado: as mulheres rejeitaram os quatro temas submetidos ao voto popular, enquanto os homens os aprovaram.

As eleitoras, em particular, votaram contra o planto de extensão das rodovias proposta pelo governo, que acabou sendo rejeitada. A diferença entre os gêneros, estimada em 19 pontos percentuais pelo instituto gfs.bern em uma análise pós-votação, foi uma das mais expressivas já registradas: 57% dos homens aprovaram o projeto, enquanto apenas 38% das mulheres o apoiaram.

A maior disparidade já observada entre os sexos – 27 pontos percentuais – ocorreu em 2022, durante a votação sobre a reforma da previdência, conforme ilustrado no gráfico abaixo. Quase dois terços dos homens apoiaram a revisão que aumentava a idade de aposentadoria das mulheres, enquanto dois terços das mulheres se opuseram. Nesse caso, a opinião dos eleitores masculinos prevaleceu, e a reforma foi aprovada.

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“Os votos onde há uma divisão entre homens e mulheres continuam sendo exceção, e não a regra”, faz questão de assinalar a politóloga Martina Mousson.

De fato, um fosso entre os gêneros foi observado em menos de 70 votações federais, entre mais de 410 temas submetidos ao povo desde que a VOX começou a analisarLink externo as decisões de voto. Na maioria das vezes, a opinião das mulheres prevaleceu: 16 vezes contra 11 vezes em que a dos homens foi dominante. Em três ocasiões, a proposta acabou sendo rejeitada pela maioria dos cantões, tornando irrelevante a influência do fator de gênero no resultado. Os dados disponíveis não permitem diferenciar o voto dos suíços residentes no país daquele dos membros da diáspora.

No entanto, desde 2020, essa divisão de gênero tem sido mais frequente e, muitas vezes, mais acentuada. Entre as dez votações federais com as maiores discrepâncias entre os sexos, seis ocorreram nos últimos quatro anos.

Para Martina Mousson, isso se deve principalmente aos tópicos levados ao voto popular. “Sabemos que as eleitoras votam de maneira diferente em relação a determinados assuntos, que estiveram muito presentes nas votações dos últimos anos. Isso é particularmente evidente em temas ligados à ecologia”, explica ela.

A politóloga especifica que as mulheres votam em princípio mais a favor da proteção ambiental, mas igualmente do fortalecimento da previdência social, dos direitos das minorias e das pessoas vulneráveis, da prevenção na área da saúde e do serviço público, além de se posicionarem mais frequentemente contra o exército. “Elas também defendem seus próprios interesses quando o assunto as afeta diretamente, como na votação sobre o aumento da idade de aposentadoria”, explica ela.

Martina Mousson apresenta ainda outro elemento explicativo: “Uma nova consciência política feminina emergiu”, constata. Ela estima que a greve das mulheres em 2019 fez com que muitas tomassem consciência de sua força política e percebessem que compartilham interesses comuns em determinados temas. “As mulheres hoje se sentem mais confortáveis para pensar de forma diferente dos homens”, acrescenta ela.

Mulheres votam mais à esquerda

O fosso entre os gêneros não se limita ao voto. Ele também se reflete nos comportamentos eleitorais: as mulheres tendem a votar mais em partidos de esquerda do que os homens.

Nas eleições federais, o eleitorado masculino costuma favorecer partidos de direita e de centro-direita, enquanto as mulheres votam com mais frequência em legendas do campo progressista e ecologista. Essa tendência já era observada nos anos 1990, como demonstram os dados das pesquisas eleitorais SelectsLink externo, realizadas desde 1995 pela Universidade de Lausanne.

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No entanto, quando o sufrágio feminino foi introduzido, a situação era oposta: as mulheres se situavam mais à direita do que os homens no espectro político. Costumava-se dizer que elas votavam como o padre da paróquia. “Essa tendência se inverteu a partir de 1987”, explica a politóloga e responsável pelo estudo Selects, Anke Tresch. A mudança foi se acentuando a cada eleição.

“A secularização desempenhou um papel nessa mudança de orientação política. Nos anos 1970, as mulheres eram mais ligadas à religião e mais envolvidas na vida da igreja”, explica Anke Tresch. Além disso, a evolução do status da mulher também é um fator determinante, segundo ela. “Elas participam mais do mercado de trabalho e, em média, possuem um nível de escolaridade mais alto do que os homens”, sublinha a politóloga.

Ela acredita que as questões relacionadas à proteção dos direitos das mulheres e dos direitos das minorias as atraem mais para os partidos de esquerda. “Elas são muito sensíveis a essas temáticas”, observa.

O fosso entre os sexos pode se ampliar ainda mais nos próximos anos, pois essa divisão é particularmente marcante entre os jovens. Nas últimas eleições federais, o Partido Socialista foi o mais votado entre as mulheres de 18 a 24 anos, enquanto os homens da mesma faixa etária preferiram claramente a União Democrática do Centro (UDC / direita conservadora), segundo o estudoLink externo Selects. “As diferenças estão se tornando mais acentuadas no seio da geração mais jovem”, comenta Anke Tresch.

Ruptura ainda não está consumada

O distanciamento político entre homens e mulheres, contudo, não preocupa os especialistas. “Sempre houve diferenças importantes entre certos grupos da população. No passado, houve grandes conflitos relacionados à religião. Hoje, as diferenças entre os gêneros ganharam um pouco mais de espaço”, analisa Anke Tresch.

Ela observa, no entanto, que estudos mostram que as jovens mulheres consideram cada vez mais o posicionamento político como critério para escolher um parceiro. “Se esse fenômeno se generalizar, ele poderá ter um impacto na sociedade”, afirma.

Martina Mousson também se mostra otimista. “Não acredito que homens e mulheres deixarão de se entender na política e, consequentemente, na vida cotidiana”, diz ela.

Fenômeno passageiro

Entre os partidos políticos, o fosso entre homens e mulheres preocupa mais a esquerda do que a direita. “Não acredito que tenha se formado um abismo duradouro”, reage Johanna Gapany, senadora do Partido Liberal-Radical (PLR / direita). Ela considera que as diferenças estão, sobretudo, relacionadas a sujeitos específicos.

Já a deputada verde Delphine Klopfenstein vê a divisão entre os gêneros nas votações como reflexo da sub-representação feminina no Parlamento suíço. “Como a opinião das mulheres não é suficientemente levada em conta nas decisões parlamentares, elas a exprimem nas urnas”, avalia.

Edição: Samuel Jaberg

Adaptação: Karleno Bocarro

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