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Viver a democracia é uma competência que precisa ser aprendida

Jovens participando de um debate sobre o aquecimento global em uma igreja em Berna, no final de fevereiro. 
Jovens participando de um debate sobre o aquecimento global em uma igreja em Berna, no final de fevereiro. Marco Zanoni / Lunax

Dar aos jovens os conhecimentos e competências necessárias à contribuição da democracia: esse é o objetivo do novo programa de educação cívica na Suíça. A pedagoga Monika Waldis explica o que está por trás da ideia.

Este artigo é parte de #DearDemocracy, a plataforma para a democracia direta da swissinfo.ch. Autores de destaque também expressam seus pontos de vista aqui. Suas posições não coincidem necessariamente com as da SWI swissinfo.ch.

Foi um choque: quando escolares suíços obtiveram em 1999 uma nota extremamente baixa na avaliação “International Civic and Citizenship Education Study” (ICCSLink externo – Estudo Internacional de Educação Cívica e de Formação de Cidadãos). Os temas testados não eram física ou biologia, mas sim…educação cívica. Em 2010 os resultadosLink externo foram semelhantes. Em 2016, a Suíça não participou mais por questões financeiras.

Se os jovens na Suíça, campeã do mundo em democracia direta, têm dificuldades para compreender a política, então há necessidade de intervenção. São poucos os países no mundo onde os eleitores são chamados tão frequentemente às urnas como na Suíça.

Os resultados insatisfatórios na avaliação de educação cívica fizeram com que o debate fosse reaberto. A reformulação mais recente do currículo escolar do ensino primário e secundário (ver Quadro I e II) no país, batizada de “Currículo 21Link externo“, incluiu um ponto especialmente voltado à educação cívica. Seu principal objetivo é dar mais “competência política” aos jovens.

Monika Waldis
A professora Monika Waldis dirige o Centro de Educação Política e Didática da História da Universidade Pedagógica da Universidade de Ciências Aplicadas do Noroeste da Suíça. Ela e a sua equipa estão ligadas ao Centro para a Democracia em Aarau. ZDA

“Uma abordagem competente da política requer conhecimentos fundamentais de como as instituições funcionam, da separação de poderes e da importância dos direitos humanos”, afirma Monika Waldis”, Monika Waldis

“Há certas coisas sobre política que você pode aprender como matemática, línguas estrangeiras ou qualquer outra disciplina escolar. “Uma abordagem competente da política requer conhecimentos fundamentais de como as instituições funcionam, da separação de poderes e da importância dos direitos humanos”, afirma Monika WaldisLink externo.

Professora e coordenadora do Centro de Educação Política e Didática da História da Universidade de Ciências Aplicadas do Noroeste da Suíça, Waldis trabalha também para o Centro de Democracia em Aarau.

Sair do nicho?

“Os alunos devem estar familiarizados com os processos políticos e ter oportunidades de defender seus próprios interesses em um discurso”, completa. Central é que os alunos sejam capazes de reconhecer o espaço para a criatividade.

Política, democracia e direitos humanos

São os objetivos de aprendizagem de educação cívica incluída no projeto “Currículo 21”, que passa a ser aplicado no país a partir do ano que vem.

“A democracia e os direitos humanos são valores fundamentais da sociedade. Juntamente com o Estado de direito, elas dão à base para a política no nosso país. (…)

Os escolares devem lidar com processos políticos e aprender a reconhecê-los. Além disso, compreender os elementos básicos da democracia e conhecer as funções básicas das instituições públicas. (…)

Eles se engajam em sua comunidade e ajudam a moldá-la. Aprendem a formar as suas próprias opiniões, trazer as suas próprias preocupações e representá-las de forma bem fundamentada. Eles lidam com a relação entre poder e lei, discutem valores e normas fundamentais e tratam de conflitos, seus antecedentes e possíveis soluções”.

Soa bem, mas Waldis evita grandes expectativas: mesmo no Currículo 21, a educação cívica permanece como um nicho dentro do currículo, não ocupando mais de uma aula por semana.

Orientação no processo político

Mas que competências políticas específicas devem ser transmitidas? Na década de 1970, a educação cívica ocorria no sentido republicano, ou seja, ensinando o aluno a cumprir seus deveres cívicos: participar das eleições e plebiscitos.

A nova educação cívica é mais ampla e visa levar à participação política plena, também dentro da sociedade civil. Como explica Waldis, os alunos devem adquirir a capacidade de julgar, bem como adquirir conhecimentos básicos para estes fins. Isto significa ler e interpretar as informações sobre a política, ter capacidade de análise crítica e pode ser posicionar de forma cada vez mais independente sobre questões políticas.

Outras capacidades a serem aprendidas: cooperar e comunicar, analisar e resolver problemas, criticar e refletir, chegar a consensos, resistir, assumir responsabilidades e ser livre.

“A educação cívica dá aos jovens habilidades de julgar por si próprio e se orientar na política. Assim poderiam fazer uma greve em prol da proteção do clima ou mesmo decidir que uma greve não é a melhor forma de participação”, explica a professora.

O novo currículo contraria a velha acusação da direita de que os mestres, em grande parte simpatizantes da esquerda, utilizariam a educação cívica para incitar os alunos à rebeldia. Na realidade, o objetivo é dar-lhes os instrumentos para exercer a democracia de forma responsável.

“A educação cívica dá aos jovens habilidades de julgar por si próprio e se orientar na política. Assim poderiam fazer uma greve em prol da proteção do clima ou mesmo decidir que uma greve não é a melhor forma de participação”, afirma Monika Waldis

Competências fundamentais

Atualmente a prioridade na educação é a “empregabilidade”, a capacidade dos jovens de sobreviver no mercado de trabalho, ressalta Waldis. A educação é considerada um aspecto muito importante do desempenho econômico de uma sociedade.

“Já a educação cívica visa questões de coexistência democrática e se concentra na reflexão de valores e normas sociais. Além disso também temos a capacidade de julgar”, acrescenta a professora, lembrando que essas qualidades também poderiam contribuir à empregabilidade do jovem. As ofertas de emprego mencionam frequentemente habilidades requeridas como comunicação, cultura de equipe, capacidade de resolução de problemas, cooperação interdisciplinar, participação em processos e estruturas e outros.

O ideal de Waldis é que a educação cívica seja reconhecida como um recurso importante assim como as ciências naturais ou informática, hoje são fortemente promovidas nas escolas suíças. Elas são consideradas base à manutenção do padrão de vida do país e sua alta força inovadora no cânone político e econômico da Suíça.

Currículo 21

A educação na Suíça é fundamentada em três pilares:

O primeiro é o novo Currículo 21, uma espécie de bússola ou roteiro, onde estão ancorados os objetivos de aprendizagem para o ensino em todas as escolas suíças

Em segundo lugar: o material didático, com os conteúdos de aprendizagem que os professores devem transmitir nas salas de aula. Os cantões (estados) têm liberdade para estabelecer suas próprias prioridades nos materiais de ensino.

Terceiro: os professores. Os profissionais que implementam o conteúdo de aprendizagem na sala de aula, com base nos objetivos de aprendizagem. O empenho dos professores é um fator decisivo neste contexto.

Técnicas de teatro para ensinar política

Além do currículo de educação cívica, a professora Waldis recomenda também a utilização de técnicas de teatro para transmitir o conteúdo. Dentre outros, os alunos poderiam assumir papéis como o de jornalistas a entrevistar políticos ou desempenhar por si próprio papéis de políticos. O Centro de Democracia em Aarau oferece programas nesse sentido em várias escolas suíças. Como exemplo, os projetos “Debates de jovens” ou “Política faz a Lei”.

Mas como será a nova educação cívica nas escolas? O fato é que o tempo necessário para sua implementação já está disponibilizado. “O novo currículo está sendo introduzido e a formação dos professores já começou”, lembra Waldis.

Mas ainda há problemas a serem solucionados. A professora suíça espera que os professores recebam o apoio necessário para a formação contínua. “Eles têm de estar muito bem informados, pois os alunos podem também fazer perguntas delicadas. Seu conhecimento especializado deve ir muito além do conteúdo encontrado nos manuais escolares”.

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O obstáculo do federalismo permanece

Um obstáculo é o federalismo: a implementação dos objetivos de aprendizagem está, em última instância, dentro da soberania das secretarias cantonais de EducaçãoLink externo. Resta saber se estes darão realmente o impulso necessário à chamada “educação cívica 2.0”.

Na Suíça, os cantões são soberanos na área de educação. Porém uma coisa não muda: um ensino de boa qualidade depende do empenho dos professores.

O autor no TwitterLink externo.

Adaptação: Alexander Thoele

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