Empresário suíço luta contra salários milionários
Um pequeno empresário do setor de cosméticos lança uma inciativa popular para lutar contra remunerações "excessivas" pagas aos executivos das grandes empresas suíças cotadas na bolsa.
Os milhões em salários e benefícios dos altos executivos são alvo de fortes críticas na Suíça, sobretudo dos sindicatos.
Ao invés de porteiros, apenas um carrinho de bebê. Na entrada principal da Trybol AG em Neuhausen, vilarejo no norte da Suíça, o visitante chega, sobe as escadas rangentes de madeira e chega numa sala, onde só se vê uma mesa, cadeiras e vários mostruários de vidro exibindo embalagens de produtos centenários como um tônico fortalecedor, xampus e pastas. No ar paira um cheiro forte de produtos químicos que lembram bastante o mentol.
Minutos depois, a secretária abre a porta e se surpreende com o visitante. “Desculpe-me, mas somos uma pequena empresa e temos de fazer de tudo. Eu nem percebi que você estava aí esperando. O chefe chega em um minuto”, respondeu. Logo depois entra na sala um homem de pouco mais de quarenta anos, sem terno ou gravata que, após sentar-se, começa a falar como num palanque político.
“A empresa foi fundada em 1900 para produzir artigos médicos e de higiene e depois adquirida pelo meu avô”, conta Thomas Minder, atual dono empresa, que se orgulha de ter produzido uma das primeiras pastas de dente para o mercado helvético.
Minder se tornou conhecido na Suíça como o autor de uma iniciativa popular contra a remuneração abusiva dos executivos das grandes empresas na Suíça. “Queremos mais democracia acionária”, define o empresário seu principal objetivo.
Cifras milionárias foram reveladas por alguns jornais do país sobre a remuneração para alguns dos chamados “top-managers”. O tema, que já era considerado polêmico na Suíça, se tornou explosivo quando foram publicados em junho os resultados de uma pesquisa realizada pela Travail.Suisse, importante central sindical na Suíça com 170 mil membros. Nela, seus autores ressaltam que os dirigentes de 27 das maiores empresas suíças receberam 199 milhões de francos em 2006, o que significou um aumento médio de 19% em relação ao ano anterior. Ao mesmo tempo, os empregados das mesmas empresas tiveram apenas 0,1% de aumento real.
Abusos de poder
Um dos locais mais freqüentados por Thomas Minder são assembléias de acionistas das grandes empresas helvéticas. Porém tribunais de justiça entram também na sua agenta, sobretudo quando neles estão sendo processados executivos por suspeita de malversação do capital que administravam.
Em fevereiro de 2007, ele estava presente no processo movido contra os ex-dirigentes da Swissair, companhia aérea suíça falida em outubro de 2001 em meio a vários escândalos e prejuízo do erário público. Com o chapéu da sua campanha, ele distribuía folhetos para todos os interessados presentes.
“Para mim foi um choque descobrir que Mario Corti, o ex-chefe da Swissair, havia recebido adiantado cinco anos de salários, mais de 12 milhões de francos, no momento que assumiu o cargo”, conta Minder à imprensa. A empresa aérea suíça faliu e deixou um rombo em dívidas com centenas de empresa, incluindo a Trybol AG.
Indignado, Thomas Minder decidiu lançar a campanha em outubro de 2006. Ele conta apenas com ajuda de parentes e amigos, já que os maiores partidos políticos da Suíça recusaram o seu apoio. “Apenas os sociais-democratas, os verdes e outros pequenos partidos estão me apoiando”, revela o empresário.
Ele e equipe de pouco mais de cem voluntários estão recolhendo assinaturas para a iniciativa popular. Até o final de junho já haviam sido recolhida 75 mil.
Proposta controversa
A mais controversa das vinte e cinco propostas da sua iniciativa é a introdução de um voto obrigatório dos acionistas nas decisões relativas aos salários do corpo de executivos, dos membros do conselho administrativo e consultativo de uma empresa.
A medida daria aos acionistas mais poder na determinação dos salários dos executivos do que em qualquer outro país europeus. Na Inglaterra, a lei prevê o voto não obrigatório nas questões de remuneração desde 2003. Na França, os acionistas têm direito a voto não-obrigatório nos honorários para os membros dos conselhos de administração. Os governos holandeses e suecos foram mais longe ao introduzir o direito de voto obrigatório nos pareceres de remuneração. Porém nenhum deles é suficiente para o suíço. “Exigimos que os acionistas possam votar na determinação dessas três específicas somas”, declara.
O debate relativo aos salários dos executivos difere em cada país na Europa. Na França o tema eclode na mídia a cada vez que o público acredita que executivos gananciosos ganharam fortunas à custa do prejuízo de grandes empresas. Nicolas Sarkozy, o novo presidente francês, anunciou que pretende acabar com a regra dos “pára-quedas de ouro” (golden parachutes) e introduzir novas regras para opções de ações depois do escândalo provocado pelo pagamento da indenização milionária de 8,5 milhões de euros) a Noël Forgeard, co-presidente da Sociedade Européia Aeroespacial e de Defesa (EADS), holding a qual pertence à Airbus, no momento de sua demissão da empresa.
No caso de Forgeard, seu nome também foi atingido pelas notícias sobre a venda de suas ações na EADS antes do anúncio do atraso na construção do avião A-380, embora ele tenha negado ter informação privilegiada.
Em outros países
A Alemanha também viveu uma onda de hostilidade contra grandes executivos e sua aparente ganância em 2004, quando Josef Ackermann, o suíço que é chefe do Deutsche Bank, foi processado por “abuso de confiança”. Seu alegado crime foi ter concordado, como membro do conselho de administração da Mannesmann, com o pagamento de bônus para os executivos da empresa alemã de telecomunicações da ordem de 57 milhões de euros, após seu controle ter sido assumido pela inglesa Vodafone. Ackermann foi posteriormente absolvido pela justiça.
Mais recentemente, membros das direções da Deutsche Telekom e Siemens, decidiram partilhar os cortes dolorosos vividos pelos funcionários através de diversos planos de reestruturação desistindo de aumentos dos rendimentos ou mesmo abdicando de um ou dois meses de salários.
A Suíça não viveu uma experiência de indignação popular, algo pouco típico do temperamento helvético. Porém o hábito do consenso está sendo quebrado por Thomas Minder, que participa ativamente de assembléias de acionistas das grandes multinacionais suíças para fazer discursos inflamados e recolher assinaturas para sua campanha. Ela afirma que os grandes chefes na Suíça são os mais bem pagos da Europa. Regras de transparência e divulgação sobre os salários de executivos são menos rigorosos do que em outros países, embora diversas companhias cotadas na bolsa publiquem mais informações do que o requerido pelas leis helvéticas.
Presidente da Novartis como alvo
O alvo principal da ira de Minder é Daniel Vasella, o chefe do gigante farmacêutico Novartis. O empresário suíço reclama que Vasella é o executivo mais bem pago na Europa das empresas cotadas na bolsa. No encontro anual de acionários da Novartis, que ocorre sempre em março, Minder mostra que os rendimentos anuais de Vasella somam 44 milhões de francos suíços (US$ 35,6 milhões). “Ele ganha hoje trinta vezes mais do que ganhava quando foi colocado no posto em 1996”, afirma. Oficialmente a empresa declara que o salário do executivo soma apenas 21 milhões de francos, mas Minder ressalta que “é necessário somar outros elementos que fazem parte do seu salário como as opções de ações e ações restritas”.
Ele lembra que outros chefes de grandes empresas européias ganham menos: Jürgen Strube, da multinacional química alemã BASF, tem uma base salarial de 150 mil euros; já Wolfgang Mayrhuber, da Lufthansa, não mais do que 700 mil euros. Minder exige que o salário de Vasella seja reduzido pela metade e que seu “pára-quedas de ouro”, indenização paga em caso de demissão e equivalente a cinco anos de salários, seja riscado do contrato. A companhia se apressa em explicar que o sucessor de Vasella não terá direito a esse tipo de indenização.
Thomas Minder está otimista quanto à sua campanha. Se conseguir juntar 100 mil assinaturas até maio de 2008, ele espera colocar em voto nacional a proposta de mudança de lei que obriga as empresas a serem mais transparentes e responsáveis no pagamento dos seus executivos.
Ao alcançar a marca, cada uma das assinaturas deverá ser checada quanto à sua veracidade. Confirmado o número, a proposta deve ser votada nas duas casas do Congresso suíço e pelo governo federal. Estes poderão então aceitar, recusar ou apresentar uma contraproposta. No final, a decisão é tomada pelos eleitores na urna.
Se tudo der certo nos planos do empresário suíço, a tradição da democracia direta na Suíça pode pavimentar o caminho para mais democracia nas empresas cotadas na bolsa.
swissinfo, Alexander Thoele
O salário médio na Suíça é de 65 mil francos suíços por ano.
O salário mais altos dos executivos ultrapassam 20 milhões.
Em 2005, a diferença salarial dentro da mesma empresa entre um empregado e um executivo era de 1 para 544. Em 2006, os salários dos empregados praticamente não mudou em relação a 2005. A remuneração dos executivos das 50 maiores empresas subiu, em média, 18%.
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