O que 2025 reserva para a democracia no mundo?
Desinformação, forças antissistema e mais ódio online: o impacto do "superano eleitoral" de 2024 na discussão democrática só se revelará plenamente em 2025.
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Como afirmou ex-ministro Alain Berset recentemente ao jornal Le Matin Dimanche, em seus primeiros meses como secretário-geral do Conselho da Europa ele propôs um plano de ação para “repensar a democracia”. A democracia está em declínio em vários países, e a polarização e o debate político repleto de ódio fazem parte do problema. Isso tem peso quando dito pelo representante de uma organização internacional dedicada ao fortalecimento da democracia e dos direitos humanos.
Não apenas na Europa, mas também globalmente, a evolução democrática encontra obstáculos. Atualmente, está claro mais uma vez que o Estado de Direito e os direitos democráticos não avançam automaticamente, como uma escada rolante. Para os grupos de especialistas que avaliam a situaçãoLink externo das autocracias em comparação com as democracias, é claro que o nível global de democracias está no ponto mais baixo em décadas.
O que tudo isso significa para a democracia em 2025? Analisamos essa questão ao redor do mundo em seis pontos:
1. A inflação dos “ataques à democracia” será contida?
Com a democracia sob pressão, é natural que essa expressão seja frequentemente utilizada. Nos EUA, os oponentes de Donald Trump advertiram em 2024 que sua eleição aceleraria o fim da democracia. O próprio Trump afirmou que ele “levou um tiro pela democracia” após ser baleado durante a campanha eleitoral. Em defesa da acusação de desvio de fundos da União Europeia, Marine Le Pen, política de direita na França, usou as mesmas palavras pelas quais foi acusada: a acusação seria “um ataqueLink externo à democracia”.
Quando todos tentam “apropriar-se da democracia”, há o risco de que a expressão se torne uma frase vazia. Será que o conceito de “democracia” terá uma pausa em 2025? Talvez não, mas ele poderá ser mais frequentemente avaliado em termos concretos agora que os novos governos começam a trabalhar. O governo Trump, por exemplo, será monitorado por jornalistas e ONGs em relação a ataques às instituições democráticas.
E para países como a Síria, que carecem até mesmo dos instrumentos mais básicos de participação, “democracia” pode se tornar um objetivo concreto de determinados grupos, em vez de um mero recurso retórico.
2024 terminou, contrariamente à tendência global, com a queda do ditador de longa data Bashar al-Assad. Se isso significará democracia para a Síria, só o tempo dirá.
2. Esperanças para o desenvolvimento democrático: Kosovo e Gabão
Duas eleições em países menores se destacam como promissoras para o desenvolvimento democrático em 2025. O Kosovo realiza suas eleições no dia 9 de fevereiro de 2025. Diferentemente do passado, as eleições ocorrerão na data prevista, e não devido a uma moção de desconfiança, renúncia ou dissolução do parlamento.
Albin Kurti, que visitou a Suíça muitas vezes, e seu governo, cujos resultados são frequentemente analisadosLink externo de forma crítica, será a primeira administração na história do país a completar um mandato integral. Para os observadores, isso representa um passo em direção à estabilidade democrática.
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Um passo ainda mais significativo pode ser dado pelo país centro-africano Gabão. Quase toda a sua história como estado independente foi dominada por uma única família. Após um golpe de estado em 2023, o povo de Gabão votou no final de 2024 por uma nova constituição democrática.
Os militares, que ainda controlam o país, prometeram entregar o poder após as eleições de agosto de 2025Link externo. Exceto, é claro, se o candidato apoiado por eles vencer.
3. Uma agenda de democracia mais vazia, mas que pode ser preenchida
Globalmente, a agenda democrática de 2025 está mais vazia do que no ano anterior. No “superano eleitoral” de 2024, bilhões de pessoas foram às urnas. No entanto, no próximo ano, apenas algumas dezenas de países realizarão eleições. Entre eles, estão países pequenos como Liechtenstein ou Malawi, mas também importantes como as Filipinas ou a Alemanha. Alguns países elegem o parlamento, outros o governo, e outros, como na Bielorrússia, utilizam o dia da eleição apenas para confirmar um líder autoritário de longa data. 2025 começa com a consolidação do ditador de longa data Alexander Lukashenko, que já está no poder desde 1994.
Um calendário eleitoral é sempre provisório e incompleto pois governos podem cair, e novas eleições podem ser convocadas de forma inesperada. É possível que a França, por exemplo, que já votou em 2024 poucas semanas da convocação de eleições, também realize novas eleições em 2025.
Em democracias, é preciso esperar o inesperado. Quem poderia prever que um presidente democraticamente eleito decretaria lei marcial para suprimir a oposição? Foi o que aconteceu na Coreia do Sul, que ainda lidará com a breve experiência da lei marcial em dezembro e provavelmente fará novas eleições em 2025.
Em Bangladesh, o governo de transição tentará garantir a transição após a queda de Sheikh Hasina em agosto. Os protestos contra o governo pró-russo na Geórgia provavelmente terão efeitos duradouros. E nos EUA, Donald Trump começará seu segundo mandato em meio ao receio de um novo enfraquecimento das normas democráticas.
4. Luta pela estabilidade e confiança em um mundo com Donald Trump
Com a reeleição de Donald Trump como presidente dos EUA, e figuras como Javier Milei, na Argentina, o tipo dos homens e das poucas mulheres políticas que se apresentam como figuras antissistema se consolidou em muitos lugares.
Antes das próximas eleições, aos poucos ficará claro por quanto tempo esses líderes continuarão populares entre suas bases, e para onde seus eleitores irão caso se desiludam com a atuação do governo desses políticos antissistema.
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Nas democracias multipartidárias da Europa, as correntes populistas provavelmente irão impulsionar principalmente a fragmentação do espectro partidário político. Os grandes partidos populares ainda poderão se unir em coalizões de governo em países como a Alemanha. No entanto, representarão menos eleitores do que as grandes coalizões do passado.
Que as figuras antissistema consigam alcançar posições de responsabilidade política, como aconteceu na Suíça desde os anos 1990, será possível apenas em casos excepcionais. A Suíça é o país com maior confiança popularLink externo entre todos os membros da OCDE.
Ao contrário dos estados autocráticos, as democracias dependem da confiança em seu sistema. Uma vez perdida, a confiança é difícil de recuperar. A palavra suíça do ano de 2024 foi “Unterschriften-Bschiss” (fraude em coleta de assinaturas).
O impacto que as revelações sobre possíveis falsificações de larga escala nas coletas de assinaturas para referendos terá na confiança dos suíços em seu sistema será visto em 2025. No entanto, como a fraude não coloca em questão os resultados das votações, o efeito na confiança pode ser menor do que alguns temem.
5. Preocupações com desinformação e manipulação eleitoral na Europa
A comissária da UE, Kaja Kallas, afirmouLink externo recentemente à revista Politico: “Os russos realmente decifraram o código de como influenciar eleições.” Em 2025, a Europa enfrentará o primeiro ano desde a fundação da União Europeia em que a interferência externa nos resultados eleitorais pode preocupar a população e os atores políticos.
Eleições, referendos e a formação de governos serão cada vez mais acompanhados pela sensação de que manipulação ou fraude eleitoral é possível. Ao mesmo tempo, com acusações de manipulação, como ocorreu em 2024 na Moldávia ou até mesmo repetições de eleições, como no início de 2025 nas eleições presidenciais da Romênia, a confiança no funcionamento das instituições estatais está em declínio.
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A ameaça de desinformação, ou seja, informação falsa ou unilateral com intenção de enganar, poderá moldar o debate político sobre a democracia em 2025. Se a desinformação será mais uma ameaça do que um perigo real é algo ainda incerto, assim como a importância da automação e da inteligência artificial nesse campo.
Enquanto as autoridades europeias regulam fortemente a influência da IA e das redes sociais, algo semelhante não é esperado do novo presidente dos EUA. Embora uma possível proibição do TikTok entre em vigor nos EUA em 19 de janeiro de 2025, Donald Trump anunciou durante a campanha que pretende revogá-lo.
6. O futuro do apoio à democracia dos EUA, UE e Suíça
A promoção da democracia, ou como também é frequentemente chamada, a “assistência à democracia”, pode passar por uma reviravolta em 2025. Os EUA, como líder global, terão um presidente, Donald Trump, para quem a democracia e os direitos humanos não estão no topo da agenda. Isso em contraste com o governo Biden, que tentou construir uma comunidade de democracias para enfrentar os estados autoritários.
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Democracias irmãs, diferentes caminhos
A UE irá preencher essa lacuna? A novaLink externo Comissão Europeia para o período de 2024-2029 tem dois (de 27) departamentos com “democracia” no título. No entanto, à medida que a Europa se torna mais consciente da segurança, houve uma mudança de “promoção proativa da democracia” para “contenção defensiva da autocracia”, escreveLink externo o grupo de estudos Carnegie Europe. Em outras palavras, o velho continente pode estar mais focado em repelir interferências externas do que em reformar suas próprias democracias ou promover reformas em outros países.
Isso pode se tornar um problema para a Suíça. A estratégia de política externa para 2024-2027 visa fortalecer o perfil da Suíça no campo do apoio à democracia.
Devido ao tamanho e influência limitados da Suíça, esse objetivo pode ser melhor alcançado em colaboração com parceiros, como tem sido o caso da cooperação com os EUA. Se os EUA realmente se retirarem do apoio à democracia, o engajamento da Suíça nessa área pode ter menos impacto do que o esperado.
Edição: Mark Livingston
Adaptação: DvSperling
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