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O problema do plebiscito na Grã-Bretanha

Ficar ou não na União Europeia: a questão colocada para os britânicos. swissinfo.ch

Poucos dias antes da votação, o plebiscito sobre a saída do Reino Unido da União Europeia (apelidado de „Brexit“) está em pleno andamento e oferece grandes oportunidades democráticas. Mas esse voto popular histórico parece desnecessariamente apressado e apresenta elementos de uma abordagem „de cima para baixo“ típica de uma democracia direta, segundo análise de Bruno Kaufmann, de Londres.

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Há sempre algo tipicamente britânico ao embarcarmos em um vagão de teto baixo no metrô de Londres ou em um estreito trem Intercity. Muito dessa infraestrutura data de uma época em que a Grã-Bretanha era um império global e uma locomotiva econômica e científica de ponta.

Minha passagem por Londres nesse começo de primavera, a apenas 100 dias do plebiscito de 23 de junho sobre a permanência do país na União Europeia, fornece visões fascinantes sobre um país com muito a oferecer mas também com muitos vãos para se atentar – e não apenas ao embarcar e saltar de um trem.

Hoje estou trafegando pela linha Jubilee do metrô. Essa é a mais recente expansão do sistema de transporte subterrâneo mais antigo do mundo (153 anos) e o mais longo da Europa (402 km). Ela foi inaugurada alguns poucos anos depois da primeira votação do país sobre sua permanência na UE em 5 de junho de 1975, quando 67% dos eleitores decidiram por ficar.

A linha Jubilee conecta dois bairros muito distintos dessa metrópole de 10 milhões de habitantes: a rural Havering, a leste, e a densamente povoada Lambeth no coração da cidade, ao sul do rio Tâmisa.

Enquanto Havering é majoritariamente habitada por casais idosos, brancos e de classe média baixa em casas simples de um cômodo, a multicultural Lambeth é provavelmente um dos lugares mais globalizados do planeta, com uma população jovem e de alto nível de instrução.  

Bruno Kaufmann exerce o cargo de presidente do Conselho da Democracia e Comissão de Eleição em Falun, na Suécia. É também presidente do Instituto Iniciativa e Referendo Europa, bem como co-presidente do Fórum Mundial de Democracia Direta Moderna. É ainda correspondente na Europa Setentrional e editor-chefe de people2power.info, portal sobre democracia direta, criado por www.swissinfo.ch que o integra. swissinfo.ch

Extremos opostos

Distantes uma da outra por apenas 30 minutos de metrô, esses dois distritos também simbolizam duas posições opostas no plebiscito Brexit.

Segundo pesquisa recente feita pelo instituto YouGov, os 240 mil cidadãos de Havering são os mais eurocéticos do Reino Unido. Enquanto isso, os residentes de Lambeth estão entre os quatro grupos de cidadãos mais “eurófilos” do país.

É aqui em Lambeth, no coração da vibrante Londres, que encontro o discreto escritório de campanha das pessoas que tentam convencer a maioria dos eleitores a votar “DEIXE” em 23 de junho.

“Estamos apenas tentando, pois ainda não está claro se nos tornaremos ou não a organização oficialmente designada para a campanha desse plebiscito”, diz Alex Hickman, o jovem coordenador desse grupo de eurocéticos ligados ao mundo dos negócios que acabou de enviar seu requerimento de registro junto à Comissão Eleitoral do Reino Unido.

“Caso não ganhemos a nomeação, essa organização sucumbirá imediatamente”, explica Hickman.

Superautoridade

A Comissão Eleitoral (instituída logo após a votação de 1975 sobre a Europa) é a autoridade britânica independente designada para administrar, conduzir, educar e controlar a maioria das eleições e votações na Grã-Bretanha, nas instâncias regionais e nacional.

Ela se envolve maciçamente com todos os aspectos do processo decisório, e inclusive regula e controla todos os aspectos financeiros de uma eleição ou plebiscito.

No caso do Brexit, a Comissão Eleitoral – sediada em um edifício comercial cinzento na margem norte do Tâmisa – está prestes a decidir quais grupos, em cada lado do debate, irão ganhar a designação oficial de “liderança de campanha”.

Isso significa que uma só organização de cada lado poderá contar com cerca de um milhão de euros (CHF 1.09 milhão) em fundos públicos, além da permissão de gastar até 10 milhões de euros nos 60 dias anteriores à votação, que é o período oficial de campanha.

Trata-se de uma decisão bastante complicada pois forças políticas de valores muito distintos tentam ocupar cada um dos dois campos.

Damian Chalmers, da London School of Economics (LSE), declarou, durante um encontro aberto na Royal Institution, que essas forças, entre os “brexiters”, incluem desde aqueles a favor de deixar a UE para “fechar o Reino Unido de vez” até outros que querem deixar a União para “abrir o país para o mundo”.

O evento foi organizado em Londres pela Zocalo Public Square e Democracy International, instituições parceiras na plataforma people2power.

“Ah, uma outra ilha!”, Marina Lutz (17.05.2016) Marina Lutz

Não só a Escócia

Enquanto o Reino Unido se debate acerca de sua futura posição na Europa e no resto do mundo, um voto pela saída da UE em 23 de junho poderá disparar vários outros plebiscitos.

Na esteira de um longo e contínuo processo de devolução desde os anos 1970 na Escócia, País de Gales, Irlanda do Norte e algumas outras regiões do norte, líderes políticos locais conclamaram novos plebiscitos pela independência de suas regiões caso o Reino Unido deixe a UE.

Antecipado há décadas, o quadro administrativo de um voto pela saída da UE é exemplar e, assim como ocorreu na Escócia em 2014 quando 55.3% dos eleitores optaram por permanecer no Reino Unido (com um alto nível de comparecimento, de 85%), Brexit oferece várias e grandiosas oportunidades democráticas.

Os próximos dias deverão ser vistos primariamente como um grande debate público envolvendo e movimentando toda a população, o que cria um melhor entendimento do assunto por todo o país e os fundamentos de uma sociedade ainda mais aberta.

Assim como na Escócia, o sucesso do plebiscito Brexit poderá não apenas ser julgado pelo seu resultado, mas pela mobilização e fortalecimento político de pessoas normalmente alijadas do debate público.

Série “Opiniões”

swissinfo.ch publica artigos opinativos de colaboradores que escrevem sobre uma ampla gama de assuntos – questões suíças ou que tenham impacto sobre a Suíça. A seleção de artigos apresenta uma diversidade de opiniões com o intuito de enriquecer o debate dos assuntos discutidos.


Abordagem de cima para baixo

Entretanto, a Grã-Bretanha não gira só em torno da questão escocesa – ali trata-se de uma democracia bastante moderna, com eleições proporcionais, enquanto que o parlamento britânico é organizado por distritos eleitorais muito menos representativos, com um só incumbente cada. 

Muitas das lições lá ensinadas, na Escócia, ainda têm um longo caminho até atingir as mentes tradicionalistas da Câmara Baixa do Parlamento, em Westminster. 

Em uma monarquia profundamente emaranhada em convenções ultrapassadas e não codificadas, as muitas e grandiosas qualidades do processo plebiscitário do Brexit são lamentavelmente eclipsadas por uma abordagem de cima para baixo extremada, e compartilhada por ambos os principais partidos políticos, os Tories (conservadores) e Labour (Trabalhistas). 

Motivado por limitados e tacanhos interesses internos ao seu partido, o primeiro-ministro David Cameron não fez qualquer esforço para oferecer regras mais modernas para o plebiscito, que poderiam incluir o direito a voto a partir dos 16 anos de idade, como na Escócia, ou permitir um período mais longo de campanha. 

Mesmo que a Lei de Plebiscitos da União Europeia de 2015, aprovada pelo Parlamento britânico, permita que o voto popular aconteça até o outono (europeu) de 2017, Cameron decidiu antecipar a votação para 23 de junho – oferecendo um período oficial de campanha de apenas 60 dias, a começar em 15 de abril. 

Além disso, a votação de 23 de junho tem nada mais que status consultivo, deixando a decisão final para o Parlamento. Essa é a maior fraqueza de todos os plebiscitos britânicos. 

Tudo isso considerado, cria-se um quadro de oportunidades mas também de grandes riscos, pois o voto poderia ser interpretado simplesmente como um plebiscito sobre a capacidade de Cameron em liderar politicamente o país.

Brexit não é somente uma questão de deixar a UE ou permanecer com Bruxelas. É também sobre a capacidade do Reino Unido em “cuidar melhor de seus buracos”.

As opiniões expostas neste artigo são de inteira responsabilidade de seu autor, e não refletem necessariamente a opinião da swissinfo.ch. Esse texto foi originalmente publicado na plataforma eletrônica de democracia global People2Power. 

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Adaptação: Eduardo Simantob

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