Perspectivas suíças em 10 idiomas

“Oui” ou “Nein”: a Suíça se divide politicamente a partir de suas línguas?

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O tradicional prato de batata Rösti se tornou um símbolo da divisão linguística da Suíça. Keystone / Jean-Christophe Bott

As medidas propostas para conter o aumento dos custos do seguro de saúde foram apoiadas pela parte francesa e italiana da Suíça, mas rejeitadas na parte alemã. Como resultado, não foram aprovadas na votação nacional. Esse é o exemplo mais recente de uma divisão linguística e cultural que existe há séculos. Mas novas tendências estão surgindo.

Os resultados da votação de 9 de Junho foram divulgados. Apesar dos custos dos cuidados de saúde terem aumentado mais do que os salários nos últimos anos, os eleitores do país decidiram não limitar os valores do seguro de saúde a 10% do rendimento familiar. Cerca de 56% dos eleitores disseram não à “Premium Relief Initiative”, lançada pelo Partido Social Democrata, de esquerda.

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Ao sobrepor o mapa da Suíça aos resultados da votação parece que vemos mais uma vez a imagem de um bicho-papão familiar: o Röstigraben ou “vala Rösti”. A expressão popular se refere às diferenças culturais entre a parte da Suíça falante de alemão e as outras regiões linguísticas do país, fazendo alusão à preferência pelo prato tradicional de batata assada – Rösti. Mas a expressão também traduz as diferenças de opinião entre as regiões em outros assuntos de maior importância nacional.

+Na Suíça, as fronteiras são feitas de batatas e polenta

Em 9 de junho, todos os cantões (unidades da federação independentes, como estados da Suíça) de língua francesa e o cantão de Ticino, de língua italiana, votaram a favor da limitação dos preços do seguro de saúde. Mas foram os cantões majoritários de língua alemã que decidiram a votação.

“Olhando para o caso da iniciativa Premium Relief vemos uma divisão significativa, mas para em outros pontos da votação de ontem nem tanto”, diz Martina Mousson, gestora de projetos no instituto de investigação gfs.bern.

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Os quatro idiomas da Suíça

A maioria dos suíços domina mais de um idioma. Um estudo mostra que a proporção de poliglotas até aumentou desde 2014.

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Quase dez anos atrás, outra votação nacional sobre seguro de saúde também expôs a mesma divisão Röstigraben. A parte da Suíça francófona votou a favor de uma proposta que previa a criação de um sistema de seguro de saúde único, oferecido por uma empresa só. Mas neste plebiscito, os suíços que falam francês foram vencidos pelo resto do país, com 61,8% da população rejeitando a proposta. Já no início de 2014, os suíços aprovaram por uma pequena margem uma proposta que limita a imigração proveniente da União Europeia, apesar da oposição dos cantões francófonos à proposta encabeçada pelos partidos da direita.

A divisão linguística da Suíça costumava ser maior

De acordo com o Atlas Político da SuíçaLink externo, que compila análises de mais de 1.000 votações desde 1866, a divisão de Röstigraben foi muito mais significativa no passado. As diferenças ideológicas entre a parte de língua alemã do país e as regiões de língua francesa e italiana foram evidentes em dois terços dos resultados eleitorais no século XIX. A religião também desempenhava um papel importante, pesando entre 60% e 80% dos resultados eleitorais desse período, revelando uma clara diferença entre os eleitores nas regiões católicas e protestantes da Suíça. No século XX, apenas as questões sociais e de política externa continuaram dividindo as regiões linguísticas, com entre 10% e 30% dos votos globais mostrando tais padrões. No nosso século atual,  a divisão linguística tornou-se menos significativa.

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palm trees, lake, Swiss flag

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“Na década de 1990, o cenário mudou e as cidades da região de língua alemã começaram a votar da mesma forma. O mesmo aconteceu nas cidades e no campo da Suíça francófona”, aponta o pesquisador da EPFL, Shin Alexandre Koseki, que Link externoanalisou três décadas de dados eleitoraisLink externo por município e publicou os resultados em 2016.

Sua análise aponta que por um lado há uma polarização crescente entre as principais cidades suíças, a Suíça francófona, o Ticino e parte do cantão dos Grisões, no leste da Suíça, mas que por outro lado, os subúrbios e o campo na região de língua alemã dividem a polarização com a população italiana.

“Porém nas últimas votações que tivemos na Suíça, a divisão linguística foi muito menos importante do que no passado”, diz Mousson.

Diferenças de comportamento entre regiões de língua francesa e alemã

As diferenças políticas estão ligadas a costumes culturais ou à aversão por pratos cozinhados com batata? Os pontos de vista diferem dependendo se você come fondue ou raclette? Um relatório de 2022 publicado pela Universidade de St Gallen intitulado “Cuidado com a sua linguagem: o papel da cultura no comportamento orientado para o futuroLink externo” tentou desvendar a ligação entre política, língua e cultura na Suíça. A pesquisa se baseou em dados fiscais do cantão bilíngue de Berna para comparar o comportamento de indivíduos que estão expostos a um ambiente institucional, político, econômico e geográfico comum, mas que diferem na sua língua.

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“Os indivíduos na parte de língua alemã da Suíça são mais propensos a um comportamento orientado para o futuro do que os seus concidadãos de língua francesa”, afirma o relatório.

Esta visão voltada para o futuro significa que os falantes de alemão poupam mais para a aposentadoria, são mais propensos a prosseguir com educação e a formação contínua, são menos propensos a jogar e têm uma riqueza geral mais elevada. A diferença de renda também afeta as preferências políticas, especialmente quando as recompensas futuras são vagas, mas os custos a curto prazo são imediatamente claros. Por conta disto, se opõem mais a tópicos como programas de bem-estar social, reformas da economia de mercado ou medidas para lidar com as alterações climáticas.

“As conclusões sublinham os benefícios do federalismo”, concluiu o relatório.

Edição: Veronica De Vore|fh
(Adaptação: Clarissa Levy)

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