Biel, uma democracia mais participativa para combater a abstenção nas urnas
Bienne, cidade distante apenas meia hora de Berna, é conhecida como a capital da relojoaria. Ao mesmo tempo também é a maior cidade bilingue da Suíça.
Porém outra particularidade menos gloriosa: a taxa de participação eleitoral dos seus habitantes é uma das mais baixas. Para remediar esta fadiga democrática, as autoridades oferecem mais participação política.
Vivemos a idade do ouro dos direitos populares e participação política. Fóruns, mesas-redondas e debates de ideias ocorrem diariamente na Suíça ou França. Porém enquanto os manifestantes franceses com seus jalecos amarelos reivindicam plebiscitos, prefeitos suíços tentam reavivar o espírito cívico dos seus cidadãos.
Já faz tempo em Bienne que os eleitores se desinteressaram da política local. A taxa de participação eleitoral sofre quedas consecutivas há vinte cinco anos. A última constituição local do municípioLink externo, que sofreu alguns adendos em 1996, foi aprovada nos anos 1960. Agora os políticos locais querem reformá-la e, para isso, pretendem questionar os eleitores. Como ideia: expandir os direitos de participação política para atrair os cidadãos às urnas.
Debates locais
Uma centena de pessoas, em sua grande maioria políticos locais e cidadãos, reuniram-se há pouco em Bienne com o prefeito Erich Fehr (socialdemocrata) para descobrir formas de motivar a comunidade a se interessar mais pela política local e compartilhar o poder na administração de uma cidade considerada de importância média para o país, com seus 56 mil habitantes.
“Nosso objetivo é fazer com os eleitores se pronunciem no futuro sobre temas de real importância”
Erich Fehr, prefeito de Bienne
“Um ajuste da democracia, é o que estamos vivendo”, analisa o prefeito. Bienne é campeã nacional em termos de abstencionismo. “Nosso objetivo é fazer com os eleitores se pronunciem sobre temas de real importância no futuro”, defende. Erich Fehr. Resultado: a tradicional votação anual do orçamento da cidade poderia simplesmente ser cancelada nos próximos anos, desde que a taxa de recolhimento de impostos permaneça estável. Por outro lado, o limite de assinaturas para o lançamento de um referendo popular poderia ser reduzido.
Um modelo de política mais participativa seria introduzido em Bienne com algumas inovações: direito de petição, voto de consulta não vinculativo, a tomada de decisão favorecida nos bairros, etc. Os habitantes, cujos nomes foram sorteados, já puderam expressar suas objeções, desejos e críticas durante a fase de elaboração da nova constituição municipal. Em particular, alguns defendem que os estrangeiros residentes possam até opinar sobre assuntos locais. Todos os habitantes, quer tenham ou não direito de voto, estrangeiros ou não, devem poder exprimir-se politicamente. Esta visão é partilhada por muitas pessoas em Bienne.
A nova constituição impõe mais transparência aos políticos locais, dentre outros tornando público eventuais conflitos de interesse ou cobrando mais informações da sua parte. Porém a proposta de incluir nas leis um instrumento de ajuda financeira à imprensa não é vista com bons olhos, apesar da dificuldade financeira em que se encontram algumas publicações locais, tão importantes para o debate político. “A ajuda às mídias está na alçada federal e tem por objetivo permitir o melhor equilíbrio entre as diferentes regiões linguísticas do país”, estima Fehr.
“O centralismo do poder na França e as oportunidades limitadas para os cidadãos se expressarem diretamente são obstáculos na sociedade atual. O aumento da participação do povo na vida política está se tornando uma questão crucial”, explica o prefeito de Bienne ao lançar sua reforma.
A época em que os políticos tomavam decisões sozinhos acabou. Erich Fehr completou seus cinquenta anos. Ele observa as mudanças na sua cidade através das janelas da prefeitura, onde seu pai, Hermann Fehr, já governou como prefeito de 1976 a 1990.
O abstencionismo nos domingos de votaçãoLink externo (às vezes superior a 70%) reflete essa falta de interesse. A câmara municipal soou o alarme há cinco anos com números concretos. Entre 1991 e 2012, o déficit médio de participação em nível municipal, cantonal e federal situou-se entre 2,7 e 15 pontos, dependendo do tipo de eleição.
Os especialistas dão várias razões para o cansaço eleitoral: uma população mais jovem em Bienne do que em outras partes da Suíça, a falta de uma universidade e o plurilinguismo, que não favoriza uma leitura mais atenta dos boletins eleitorais (n.r.: publicação enviada aos eleitores com as propostas levadas à plebiscitos e as diferentes posições políticas).
No passado já foram exploradas formas de incentivar a participação eleitoral dos cidadãos: simplificação das propostas, extensão da votação eletrônica, lembrete por SMS ou até a instalação de novas caixas dos Correio para facilitar o envio dos votos por correspondência. Em 25 de novembro de 2018, quatro em cada dez habitantes de Bienne aprovaram o orçamento da cidade para 2019, uma votação que ocorreu junto com outros plebiscitos cantonais e federais. Dez anos antes, apenas três em cada dez habitantes da cidade votaram no orçamento anual.
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Assembleia communal
Link externoSalto ao desconhecido
A aplicação concreta da democracia direta continua sendo um tema complexo. Ela não é uma ciência exata ou bem adquirido, mas sim algo em progresso. “Há algumas propostas originais nas nossas novas regras, mas não são muitas. Este quadro não nos permite ser totalmente criativos. Estamos entrando no desconhecido”, confessa Barbara Labbé, chefe de gabinete da prefeitura. Há dois anos, Bienne vem lutando para dotar a cidade de uma ferramenta administrativa moderna, uma “constituição” de última geração, que atenda às aspirações do momento.
O departamento jurídico municipal deverá receber, até ao final de abril, as últimas queixas e comentários dos habitantes inquiridos por questionário (opcional) durante a fase de consulta da reforma constitucional, que acaba de ser iniciada. Os eleitores irão apoiar? “Espero que sim. Espero também que os habitantes sem direito de voto também participem. Gostaríamos também de saber se as preocupações expressas nos últimos dois anos estão refletidas no projeto de lei, o que nunca é fácil”, diz.
Os participantes da assembleia em Bienne eram basicamente políticos eleitos para o Conselho Municipal (Câmara de Vereadores, na Suíça) e, portanto, já estavam envolvidos na política. Somente 80 participantes – dos 600 sorteados – eram cidadãos comuns. Porém eles também contribuíram com os debates. Além disso, 1.200 habitantes de Bienne responderam a um primeiro questionário, dando sua opinião sobre a reforma constitucional. O próximo passo será colocar as propostas no projeto. O eleitorado deverá votar o projeto em maio de 2020. Mas qual será a taxa de participação dessa vez?
Bienne, cidade bilíngue e industrial
Localizado no sopé da cordilheira do Jura, entre a Suíça de língua alemã e a Suíça de língua francesa, BienneLink externo (Biel, em alemão) é a maior cidade bilíngue do país (56 mil habitantes). Com sua herança operária, ela ainda é um importante centro de produção de relógios suíços e abriga grandes empresas como Rolex e Omega. O maior produtor relojoeiro do mundo, o Grupo Swatch, está sediado na cidade desde a sua criação em 1983.
Duramente atingida pela crise relojoeira dos anos 80, Bienne está se recuperando. Os projetos urbanos e culturais abundam e a população cresce constantemente desde o início dos anos 2000. Ela também uma das mais cosmopolitas: 34% da população não é suíça (as estatísticas falam que vêm de 140 diferentes países).
Bienne também é uma das cidades com mais problemas sociais no país: 11,5% da população ativa vive da assistência social, o que significa uma das maiores taxas em nível nacional.
Tradução do francês: Alexander Thoele
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