Suíça e Kosovo: uma ligação transcultural em transformação
A Suíça se tornou um destino significativo para a imigração kosovar, um fenômeno que remonta à era da Iugoslávia comunista. A repressão estatal iniciada em 1981 desencadeou uma onda de refugiados políticos que buscaram asilo na Suíça. Hoje, essa comunidade narra uma história de resistência, solidariedade e integração.
Atualmente, mais de 250 mil kosovares residem na Suíça, formando uma das maiores comunidades de imigrantes do país, superada apenas pelos italianos, portugueses, alemães e outros oriundos da ex-Iugoslávia.
Muitos já adquiriram a cidadania suíça, permitindo-lhes participar ativamente na política local. Nas eleições federais de outubro, havia expectativas de que membros dessa comunidade fossem eleitos para o Parlamento.
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Partidos políticos tentam atrair a diáspora de Kosovo nas eleições
Desde a década de 1960, quando o Kosovo era uma das regiões mais pobres da Iugoslávia comunista, muitos de seus habitantes, predominantemente albaneses étnicos, emigraram para a Suíça como trabalhadores temporários. Inicialmente, as autoridades suíças emitiam apenas vistos de residência temporária para evitar a permanência prolongada desses trabalhadores. Contudo, com o passar do tempo, muitos acabaram se estabelecendo no país.
A repressão estatal contra os kosovares se intensificou a partir de 1981, resultando em um aumento significativo no número de refugiados políticos na Suíça. Em 1981, muitos desses imigrantes protestaram em Zurique pela independência do Kosovo. A partir de 1989, restrições impostas pelo governo sérvio no mercado de trabalho e na educação tornaram a Suíça um refúgio para muitos kosovares. Diversos jornais kosovares estabeleceram suas sedes no país durante esse período.
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Kosovo e a Suíça: um relacionamento intenso
Durante o conflito de 1998-1999, dezenas de milhares de kosovares fugiram para a Suíça. Mais de 43 mil solicitaram asilo durante o conflito, o maior número registrado em qualquer país europeu. A Suíça, na época, introduziu o visto de proteção “S”, concedendo aos refugiados kosovares acesso total ao mercado de trabalho suíço.
Arta Krasniqi, uma imigrante kosovar que se integrou na Suíça, compartilha suas memórias de infância e descreve sua primeira experiência com racismo.
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“Os suíços se tornaram mais abertos a nós”
Há 30 anos, quando Hashim Thaci fundou um exército, ele criou dois nomes marcantes: seu próprio codinome, “Gjarpri”, que significa ‘cobra’, e o UÇK, o nome dado ao Exército de Libertação do Kosovo.
A partir de 1993, grupos guerrilheiros começaram a atacar postos policiais sérvios, marcando o início das hostilidades. A Sérvia rapidamente reagiu. Em função de um ataque à polícia, Thaci foi acusado em 1993 de posse de armas e atos terroristas. Em 1994, ele fugiu para a Suíça antes de seu julgamento, ano em que também foi fundado o UÇK.”
O governo suíço reconheceu o franco-atirador como refugiado político, permitindo-lhe permanecer no país e concedendo-lhe uma bolsa de estudos. Em 1996, Thaci se matriculou na Universidade de Zurique para estudar História do Leste Europeu. Ele sustentava-se trabalhando como manobrista de trens e logo dominou o alemão e o suíço-alemão com fluência.
Atualmente, Thaci está sendo julgado por crimes contra a humanidade no Tribunal Penal Internacional em Haia. Mais informações podem ser encontradas no artigo abaixo.
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Hashim Thaci, herói popular sob suspeita
A neutralidade suíça tem uma relação complexa e significativa com o Kosovo, um vínculo que começou antes mesmo de o mais jovem estado europeu proclamar sua independência.
Desde 1999, poucos meses após o término da guerra, a Suíça mantém uma presença militar no Kosovo. A missão Swisscoy, integrada às forças internacionais da KFOR (liderada pela OTAN), tem como objetivo promover a paz na região. Assim, a Suíça está envolvida com as estruturas da OTAN há quase um quarto de século.
A missão da KFOR foi estabelecida pela Resolução Kosovo da ONU, estando, portanto, alinhada com o direito internacional e em conformidade com a lei de neutralidade suíça. Entretanto, essa participação gerou críticas na política suíça: a esquerda denunciou a militarização da política externa suíça, enquanto a direita acusou o país de comprometer sua neutralidade.
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O Exército suíço, Kosovo e a questão da neutralidade
A Suíça desempenhou um papel crucial na independência do Kosovo. Em 2005, foi o primeiro país a solicitar ao Conselho de Segurança da ONU uma discussão sobre a independência kosovar.
Micheline Calmy-Rey, então ministra suíça das Relações Exteriores, mais tarde se tornou cidadã honorária do Kosovo. Em uma entrevista à swissinfo.ch, ela relembrou que a Suíça defendia seus próprios interesses ao apoiar a independência do Kosovo, lembrando a forte presença da comunidade kosovar residente no país. “Todos os albaneses de Wil estavam nela”, lembrou Calmy-Rey, referindo-se à sua participação em uma missa na igreja albanesa no dia da declaração de independência.
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“Governar o Kosovo não seria fácil hoje”
Desde a sua independência em 2008, o Kosovo tem se desenvolvido. Atualmente, é um país dinâmico com uma população jovem e otimista. Alguns suíços, como a grafiteira Krissy Suire, conhecida pelo pseudônimo “Made By Stern”, sentem-se tão acolhidos que optam por se estabelecer permanentemente no país. Suire descreve sua mudança para o Kosovo como um “segundo nascimento”.
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“Quando cheguei no Kosovo, foi como um segundo nascimento”
Os estreitos laços entre a Suíça e o Kosovo também impulsionam o comércio e os negócios. Institutos de pesquisa de opinião têm estabelecido centros de telemarketing no país, aproveitando o domínio do alemão por muitos jovens kosovares. Jornalistas da swissinfo.ch visitaram um desses centros, observando de perto essa interação comercial.
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Como Pristina se tornou um centro de telemarketing suíço
Na Suíça, muitos imigrantes kosovares e seus descendentes estão bem integrados. No esporte, atletas como os jogadores da seleção suíça de futebol Xerdan Shaqiri e Granit Xhaka se destacaram. Naim Fejzaj, por exemplo, é campeão de ‘Schwingen’, um esporte de luta tradicional suíço semelhante ao sumô japonês.
No âmbito cultural, a influência dos imigrantes kosovares é igualmente notável, tanto no cinema quanto na música. Um exemplo é a rapper StarrLight, que expressa sua preferência linguística de forma pessoal: ‘”Faço rap em inglês porque sempre pensei em inglês. Se você pensa em espanhol, deve fazer rap em espanhol. Você deve escolher o idioma que mais lhe agrada”. A diversidade linguística no hip-hop suíço reflete os vários idiomas que as pessoas deste pequeno país valorizam, tanto como artistas quanto como ouvintes.
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EAZ, Baby Volcano, StarrLight: hiphop com sotaque suíço
Em 2023, 15 anos após a declaração de independência do Kosovo e 25 anos após o início da guerra, a comunidade kosovar tornou-se uma parte integrante da Suíça. O país continua defensor da independência do Kosovo, consolidando ainda mais a relação entre as duas nações.
Edição: David Eugster
Adaptação: Alexander Thoele
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