Suíça e o Conselho da Europa: palco para debates sobre clima e democracia
O Conselho da Europa raramente é notícia, como acontece agora na Suíça: a decisão judicial sobre proteção ambiental no caso das idosas preocupadas com o clima está causando grande impacto. Mas o que é o Conselho da Europa – e o que os políticos suíços fazem lá?
Amanhece na estação de trem da Basileia. Sibel Arslan entra na plataforma com um café. Já é seu segundo café. Ela não teve muito tempo para dormir: seu último compromisso no dia anterior terminou depois das 23 horas. “Tudo bem se formos na segunda classe?”, pergunta a deputada-federal pelo Partido Verde (PV).
A viagem é para Estrasburgo. A política suíça especializada em relações exteriores também é membro do Conselho da EuropaLink externo. No caminho, ela dá uma olhada na programação do dia.
Para os representantes da Suíça no Conselho, esta é uma semana cansativa: a sessão extraordinária do Parlamento federal coincide com a sessão de primavera do Conselho da Europa. Ao mesmo tempo, eles estão no centro das atenções: o ex-ministro pelo Alain Berset (Partido Socialista – PS), é candidato ao cargo de secretário-geral. Os membros suíços do Conselho da Europa estão fazendo campanha para ele.
Na delegação suíça, a interação é sempre “respeitosa”, “ao contrário do que acontece na política suíça”. “É claro que somos politicamente muito livres, mas temos um bom senso de união”. Ela aprecia isso, diz Arslan.
“Já os políticos da Alternativa para a Alemanha (AfD), por exemplo, usam seu tempo de fala para pronunciar declarações racistas e islamofóbicas”. Sobretudo, isso provoca revirar de olhos.
O Conselho da Europa é o “guardião dos direitos humanos, da democracia e do Estado de Direito”. O Conselho da Europa foi fundado em 1949, após a Segunda Guerra Mundial, com o objetivo de criar uma paz duradoura na Europa.
Todos os estados europeus que pelo menos alegam ser democráticos estão nele – um amplo espectro, no qual países como Azerbaijão estão na extremidade autoritária. Porém, a delegação do Azerbaijão foi suspensaLink externo da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa no início de 2024 por pelo menos um ano. Bielorrússia, o Estado do Vaticano e a Rússia – após sua exclusão em 2022 – não são membros.
Os 46 estados-membros também assinaram a Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH). Como um tribunal supranacional, a Corte Europeia dos Direitos Humanos (CEDH) monitora sua implementação. As decisões da Corte devem então ser implementadas pelos estados-membros e seus tribunais. Os habitantes dos países membros podem reivindicar seus direitos humanos nesta corte.
Os governos dos 46 estados-membros, geralmente representados por seus embaixadores, reúnem-se no Comitê de Ministros do Conselho da Europa. Todos os estados-membros enviam parlamentares para a Assembleia Parlamentar. As missões de observação eleitoral são um importante elemento de supervisão.
Não há perigo imediato de que políticos contrários aos direitos humanos assumam a dianteira. Isso porque o Conselho da Europa é o único fórum em que as vozes da oposição também são oficialmente representadas em organismos internacionais.
A Turquia, por exemplo: não apenas o governo de Erdogan, mas também a oposição envia delegados para Estrasburgo em proporção à sua representação parlamentar, enfatiza Arslan.
No Conselho da Europa desde 1963 e na ONU desde 2002
Pouco antes do 75º aniversário, muitos na Suíça lembram do Conselho da Europa: porque a Corte Europeia dos Direitos Humanos (CEDH) recentemente condenou a Suíça por fazer muito pouco pela proteção do clima. No dia da sentença, o Partido do Povo Suíço (SVP, na sigla em alemão), de direita e conservador, pediu diretamente que a Suíça se retirasse do Conselho da Europa.
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Velhinhas ganham ação contra Suíça em tribunal europeu
O fato de que os cidadãos e cidadãs suíços fazem política em âmbito pan-europeu não combina com a imagem de um país que não faz parte da União Europeia. No entanto, a Suíça é membro do Conselho da Europa desde 1963 e só entrou para a ONU em 2002.
O trem regional segue em um ritmo tranquilo enquanto Sibel Arslan conversa. Para ela, a perspectiva de entrar para o Conselho da Europa foi uma importante motivação para se envolver na política nacional. “O Conselho da Europa foi um dos motivos pelos quais eu quis entrar para o Conselho Nacional”. Durante seus estudos de direito, ela ficou fascinada com o modo como a instituição promove os direitos humanos e o Estado de Direito.
Quando ela esteve no Conselho da Europa pela primeira vez, a intensidade a surpreendeu. É diferente da Suíça. “Você corre de uma reunião para a outra”. Às vezes, também o idioma pode ser um desafio. Em seu primeiro dia de sessão, ela falou cerca de seis línguas diferentes; escrever discursos em inglês é mais lento.
Todos os interlocutores descrevem uma sensação de sobrecarga quando chegam pela primeira vez em Estrasburgo.
Avós do clima
Agradecimentos do Partido Popular Austríaco (ÖVP, na sigla em alemão) para a Associação Avós pelo Clima
É comum ouvir relatos de como o Conselho da Europa é frequentemente confundido com o Parlamento Europeu da União Europeia. A culpa é deles, pensam em Estrasburgo. A bandeira europeia com 12 estrelas tremula em frente ao Conselho da Europa. O Parlamento Europeu é o prédio vizinho e, devido a reformas, a Assembleia do Conselho da Europa está se reunindo no auditório do Parlamento da UE.
O debate desta manhã gira em torno do clima e proteção ambiental. Muitos oradores também fazem referência à decisão da Corte Europeia dos Direitos Humanos (CEDH) contra a Suíça em matéria de proteção climática. A sentença encontrou forte oposição na Suíça, e apenas a esquerda e o campo ambientalista a receberam bem.
Em Estrasburgo, a situação é outra: Andrea Eder-Gitschthaler, do partido conservador austríaco ÖVP, felicitou no plenário o “sucesso histórico das ativistas climáticas suíças”. Como representante dos idosos, ela expressou gratidão à “Associação Avós pelo Clima” da Suíça pela ação judicial.
Nas votações, as declarações bem redigidas sobre a proteção dos oceanos e do meio ambiente alcançam claras maiorias. A Assembleia do Conselho da Europa não escreve leis – os textos são mais fáceis de ler, mas não são vinculativos, e seus efeitos são uma questão em aberto que precisa ser comprovada tópico por tópico.
Damien Cottier: “Esta instituição é subestimada”
O político do Partido Liberal (FDP, na sigla em alemão), Damien Cottier, opina que a Corte Europeia dos Direitos Humanos (CEDH) interpretou o Artigo 8 – o direito ao respeito pela vida privada e familiar – de maneira muito ampla politicamente neste julgamento. Mas o processo que agora começa é saudável. “Todos as decisões importantes da CEDH levaram a debates”.
A Suíça deve agora provar que está fazendo o suficiente para proteger o clima – e as pessoas em todos os 46 estados membros podem entrar com ações referenciando o julgamento, se acreditarem que seu país está violando os direitos humanos de acordo com a decisão da CEDH.
Nesses dias, Cottier só circula pelos corredores com folhetos de propaganda para Alain Berset. O deputado-federal e presidente da bancada do FDP no Parlamento suíço é, ao mesmo tempo, a voz suíça mais apaixonada em favor do Conselho da Europa que encontramos.
“Esta instituição é subestimada”, diz Cottier, “precisamos de mais Conselho da Europa”. Também para evitar que tensões, como as existentes entre a Sérvia e o Kosovo, se alastrem para outro conflito.
“O Conselho da Europa é uma mistura especial de diplomacia e política”, explica ele. Normalmente, o Conselho da Europa só ganha as manchetes quando algo não dá certo. Aqui, a interação tem uma nuance que quase não existe no cenário internacional: quando alguém fala na ONU ou na OSCE, é sempre o país que fala. Assim como a Suíça se posiciona quando Claude Wild, o embaixador no Conselho da Europa, diz algo.
“Quando eu digo algo, não é a Suíça que está falando, mas um parlamentar suíço”, explica Cottier. Dessa forma, é possível transmitir coisas que seriam delicadas demais para um governo.
O suíço Cottier, por exemplo, propôs uma resolução a favor de um tribunal especial para o crime de agressão contra a Ucrânia, que foi unanimemente aceita. É difícil imaginar a Suíça oficial tomando tal iniciativa.
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Recuperação da Ucrânia precisará de “democracia mais forte e resiliente”
“Blábláblá e papel” são normais em organizações internacionais
Cottier está convencido de que, se a Rússia tivesse se tornado uma democracia, não haveria a guerra de agressão contra a Ucrânia. “Duas democracias não entram em guerra uma com a outra – proteger a democracia é nossa tarefa crucial aqui”. Há também “muito blábláblá, muito papel”, o que é normal. “As organizações multilaterais são sempre ineficientes. Mas aqui os países conversam entre si em vez de travar guerras, o que é essencial”.
Segundo Cottier, a Suíça é valorizada em Estrasburgo e “muito colabora” para reduzir tensões. Alguns temas exigem explicação: a neutralidade, a “proibição” de fornecimento de armas à Ucrânia, a implementação de sanções. O fato de os juízes suíços serem membros de um partido político. “Certas coisas podem ser explicadas. A crítica permanecerá, mas dá para conviver com isso”.
No café do Parlamento, um político cipriota exulta quando vê Cottier. Há mais de 600 membros e suplentes na Assembleia Parlamentar – a composição muda quase a cada sessão devido a eleições nos países membros.
Cottier diz que cerca de 100 pessoas são fortemente engajadas. “E entre essas 100, todos se conhecem”. Cottier não precisa dizer que faz parte do grupo. Até o início do ano, ele era presidente da Comissão de Assuntos Jurídicos e Direitos Humanos.
Conselho da Europa labiríntico
Temos que planejar alguns minutos entre reuniões. No prédio, os caminhos são longos e os carpetes estão velhos. Mesmo depois de anos, é possível se perder nos muitos corredores, confirmam vários delegados. Os principais pontos de orientação são as obras de arte e os bustos – já vimos essa cabeça de Winston Churchill várias vezes.
O mais hipnótico é nas representações nacionais: “Irlanda”, “Irlanda”, “Irlanda” é o que se lê nas mesmas portas verdes, antes de se vê a primeira placa indicando a representação suíça. A maior mudança no andar é a placa da porta “Belarusian Democratic Forces” (Forças Democráticas Bielorrussas), a oposição bielorrussa.
Alfred Heer: “Dando conselhos aqui e ali”
Ao lado de Berset, o candidato mais promissor para o cargo de secretário-geral é o político belga e comissário da UE, Didier Reynders, que pertence à facção liberal ALDE, da qual Cottier é inclusive tesoureiro. É interessante notar que, além dos delegados do FDP suíço, os representantes do Partido do Povo Suíço (SVP) também fazem parte da facção. Há principalmente razões históricas para isso.
Entre os conservadores, existem também partidos com os quais o SVP tem grandes divergências, afirma Alfred Heer. O deputado-federal do SVP é presidente da delegação suíça no Conselho da Europa.
O tom de Heer é diferente do de Cottier. “Não sou um membro entusiasta do Conselho da Europa”, diz ele, “venho de um país neutro, quero principalmente ouvir – e dar conselhos aqui e ali”.
Enquanto responde às nossas perguntas, Alfred Heer acompanha na tela o debate do Conselho sobre a guerra em Gaza. Seus dias são puxados: como presidente da delegação suíça, ele passa a semana inteira em Estrasburgo “fazendo campanha para Berset”, até mesmo durante um almoço com o príncipe de Liechtenstein.
Que um parlamentar do SVP esteja fazendo campanha para Berset parece notável: durante a pandemia do coronavírus, os principais políticos do SVP descreveram o então ministro da saúde como um ditador.
Mas Heer é muito claro sobre a questão: “Berset é bom. Como cidadão suíço, ele sabe como a democracia funciona. A alternativa seria um comissário da UE de Bruxelas”.
Para ele, esse é o principal motivo pelo qual faz sentido a Suíça envolver-se no Conselho da Europa: transmitir a compreensão suíça da democracia a outros países, como as antigas repúblicas soviéticas. “Para nós, os direitos humanos já são muito desenvolvidos, quase superdesenvolvidos”.
Viajando para a Macedônia do Norte na mesma semana
O Conselho da Europa é particularmente importante “para países que estão diretamente envolvidos em conflitos, como a Armênia e o Azerbaijão”. Embora a Convenção dos Direitos Humanos ofereça um “manto de democracia”, ela dá sobretudo às pessoas perseguidas e aos membros da oposição a oportunidade de recorrer à Corte Europeia dos Direitos Humanos (CEDH).
As declarações e exigências políticas do Conselho da Europa, segundo Heer, têm pouco impacto. “Como organização política, o Conselho da Europa não tem influência”, constata Heer. Os EUA e a OTAN são as grandes potências organizadoras.
Ele vê o valor do Conselho da Europa no intercâmbio político e nas missões de observação eleitoral locais. “O que o Conselho da Europa realiza por 12 milhões é de bom tamanho”, diz ele. A contribuição da Suíça para o Conselho da Europa é de cerca de 12 milhões de francos suíços.
Ele entende por que seu partido pediu a saída da Suíça após a decisão da CEDH. “Mas, enquanto estivermos envolvidos, também podemos criticar”.
Ele agora precisa ir para o auditório, pois ainda tem algo a dizer no debate sobre Gaza. A partir de domingo, Heer liderará a missão de observação eleitoral na Macedônia do Norte, da qual Sibel Arslan também participará.
Enquanto nos despedimos de Heer, Arslan já está de volta à Suíça para um compromisso em sua agenda política.
Edição: David Eugster
Adaptação: Karleno Bocarro
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