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50 tons de democracia: como medir o poder do povo?

A cesta básica que não pode faltar a uma sociedade moderna

Bruno Kaufmann em um estúdio de TV em Moscou
Centenas de monitores de TV, mas menos de 20% de comparecimento às urnas: o correspondente de #DearDemocracy Bruno Kaufmann em Moscou durante as recentes eleições regionais russas. swissinfo.ch

O que diferencia uma democracia "boa" de uma "má"? Que aspectos são particularmente importantes quando um país realiza eleições ou plebiscitos? No Dia Internacional da Democracia, em 15 de Setembro, o nosso correspondente para a democracia global produziu um "hit-parade" com os dez principais critérios para uma boa democracia.

A jornalista da televisão estatal russa olhou para mim com expectativa: Ela tinha acabado de me perguntar o que eu achava das eleições? Eu respondi: “Este é um show que foi feito com grande esforço para esconder o fato de que todos os candidatos sérios da oposição tinham sido previamente excluídos da votação.”

A jovem repórter vacilou um pouco e tentou uma segunda pergunta: “Mas – o que você acha da tecnologia digital sendo usada?” e deu uma olhada em uma parede gigantesca cheia de telas planas de televisão atrás de mim. Elas transmitiam imagens ao vivo em rápida sucessão das dezenas de milhares de locais de votação espalhados por mais de dez fusos horários.

Bruno Kaufmanndando entrevista à rede estatal de televisão russa
“Eleições como um grande espetáculo de fachada”: Bruno Kaufmann em Moscou dando entrevista à televisão estatal russa. swissinfo.ch

“Sim, é mesmo impressionante”, respondi, e completei: “Desta forma, podemos estabelecer, sem sombra de dúvida, que apenas alguns poucos eleitores se deram ao trabalho de ir votar. De fato, a afluência às urnas no final do dia foi inferior a 20%.

O caso russo demonstra que não basta organizar eleições elaboradas e tecnologicamente avançadas. Isso também se aplica aos países que têm um desempenho significativamente melhor nas classificações internacionais de democracia. Em Taiwan, por exemplo, os cerca de 23 milhões de cidadãos estão amplamente envolvidos nos processos de opinião e de decisão, mas não há tempo suficiente para os necessários debates públicos.

Ou no México multiétnico, onde a liderança corrupta anterior foi enviada para o deserto pelos eleitores. Mas o novo presidente, Andrés Manuel López Obrador, ainda acredita que “mais democracia” pode ser ordenada de cima para baixo.

O hit-parade da democracia

Em 2007, a ONU instituiu o 15 de Setembro como Dia Mundial da Democracia. É por isso que faz sentido enumerar os dez ingredientes mais importantes para uma democracia funcionar de verdade. A liste segue em ordem decrescente de importância dos fatores.

A digitalização ocupou todas as áreas das nossas vidas. Mas a democracia ainda pena para se adaptar a ela. Este outono, pela primeira vez em muitos anos, os eleitores suíços que vivem no estrangeiro deixarão de dispor de um canal de votação eletrônico. Por outro lado, a pequena Estônia mostra que isso é perfeitamente possível. Ingrediente número 10: Democracia digital sim, mas de modo correto.

Imagine uma corrida de 400 metros com obstáculos em um Campeonato Mundial de Atletismo em que dificilmente um único participante chega à linha de chegada. Pela simples razão de que as talas dos obstáculos foram colocadas muito alto. Isto é o que acontece a muitas pessoas interessadas em adentrar a política. Na Itália, por exemplo, um referendo desencadeado por uma iniciativa popular requer um quórum de participação de 50%. Ingrediente número nove: São necessários obstáculos, mas como incentivo, não como dissuasor.

Cada parlamento eleito no mundo tem uma infraestrutura: escritórios, pessoal, documentação. Numa democracia moderna que não se limita a uma eleição de quatro em quatro anos, mas que também conhece a co-determinação, é necessária essa infra-estrutura para todos: educação política, meios de comunicação social livres, e centros comunitários acessíveis, como na capital sul-coreana, Seul. Ingrediente número oito: Investimentos na infra-estrutura da democracia.
 

A qualidade de uma democracia sustentável é medida pela sua capacidade de realizar reformas contínuas. Só quando é possível aprender com os erros cometidos e chegar a um acordo sobre novas soluções, através da utilização dos direitos dos cidadãos diretamente democráticos, por exemplo, é que os representantes eleitos pelo povo continuam empenhados nos cidadãos. Ingrediente: uma democracia em aprendizagem é sempre também uma democracia direta.

É quase uma lei: quem ganha poder político através de eleições muito rapidamente começa a defender esse poder por todos os meios. Isto é extremamente prejudicial para a democracia, como o Primeiro-Ministro britânico Boris Johnson está atualmente provando. Mas aqueles que, como os sindicatos da Tunísia, empenhados na partilha do poder após a revolução, demonstram qualidades de liderança, merecem um Prêmio Nobel. O sexto ingrediente mais importante é que liderança não é o mesmo que governar.

Celebração exuberante para uns, depressão profunda para outros. E, por vezes, fica ainda pior, como nas Filipinas ou na Hungria, onde, após uma mudança de poder, as liberdades fundamentais das pessoas são restringidas. Dependemos do fato de que vencedores e vencidos devem aceitar o resultado de uma votação sem “se” nem “mas”. A quinta questão mais importante, portanto, é como se tornar “bons perdedores”.

O fosso entre eleitores e eleitos tem um nome: administração. A burocracia de uma comunidade, que reflete comportamentos de longa data não necessariamente a favor dos cidadãos, dura geralmente muito mais tempo do que o desejado. Por esta razão, os funcionários públicos também precisam estar sintonizados com tempos mais (diretamente) democráticos. Na capital finlandesa, Helsínqui, isso foi conseguido recentemente através do esquema chamado de “gestão participativa” que também foi colocado em prática (e já descartado por interesses políticos outros) em algumas cidades brasileiras, como Porto Alegre. O quarto ingrediente mais importante, pois: uma administração em sintonia com a democracia moderna.

E aqui estão os três principais ingredientes democráticos:

Quando os juízes se tornam instrumentos do jogo político, torna-se muito difícil para os cidadãos expressarem a sua livre opinião – e assim influenciarem as decisões. Na Rússia, os críticos do atual regime de Putin não só são excluídos das eleições, como também enfrentam longas penas de prisão. No Brasil, por outro lado, vazamentos das comunicações da Operação Lava-Jato, mostram como procuradores trabalharam em conluio com juízes, agindo contra a lei, para seguir uma agenda de perseguição política. É por isso que um poder judicial independente é e continua a ser um pré-requisito básico para qualquer democracia e é o nosso terceiro factor mais importante.

“Nós somos o povo”, clamavam os manifestantes há 30 anos nas ruas e praças da RDA, a então comunista República Democrática Alemã. O que eles exigiam: mais participação. Com o mesmo slogan, as pessoas na Alemanha Oriental vão mais uma vez votar hoje. Desta vez é claro o aumento da popularidade nessa região da AfD (Alternativa para a Alemanha), o partido de extrema-direita. Só que agora a exigência é oposta: menos direitos para os não alemães. Cada comunidade é dependente do maior número possível de pessoas envolvidas, participando ativamente. Especialmente os jovens. Portanto, como segundo ingrediente mais importante: uma extensão e estabilização do direito de voto e do direito de escolha.
 

Até o antigo estadista Péricles sabia há mais de 2500 anos o que distingue uma democracia de uma não-democracia: o diálogo antes da decisão. O sucesso de um sistema democrático até hoje depende se os participantes foram envolvidos no diálogo antes de ser tomada uma decisão. É por isso que faz sentido que, tal como na Suíça, o Conselho Federal e o Parlamento possam apresentar uma contraproposta a uma iniciativa popular. Mais importante ainda, o diálogo é a alma da democracia.

swissinfo.ch/ets

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