O jeito de paquerar também é cultural
Especialistas explicam os porquês das diferenças no ato de flertar e no jogo da sedução.
Todo mundo flerta e se relaciona amorosamente; a distinção está na maneira. Para iniciar uma relação amorosa ou sexual, os primeiros passo são o olhar e a abordagem, fenômeno conhecido como paquera. Nesse quesito específico, as sociedades brasileiras e suíça se desencontram. Enquanto no Brasil, é feita abertamente; em Terras Helvéticas, na maior parte das vezes, não passa da fase platônica, frustrando outras nacionalidades acostumadas com o clima mais apimentado dos bares e discotecas dos sábados à noite.
Artigo do blog “Suíça de portas abertas” da jornalista Liliana Tinoco Baeckert.
Os hábitos e códigos seguidos em uma paquera são resultado de uma norma cultural. Flertar é uma atividade complexa, que tem relação com vários aspectos: o papel da mulher e do homem na hora da conquista, na maneira de lidar com sentimentos e conceitos intricados de privado e público, expectativa, respeito, sedução, espaço corporal, tomada de risco, falhas, honra, vulnerabilidade etc. Se os brasileiros, brasileiras e solteiros de outras nacionalidades reclamam da dificuldade de iniciar um relacionamento na Suíça, isso se dá devido a expectativas erradas trazidas pelas diferenças culturais.
Assim como a comida, a vestimenta e os idiomas são diferentes, a forma de abordar uma pessoa também difere. Simples assim. Dessa forma, não dá para dizer que é melhor ou pior, só incomum. Só mais um desafio da vida global, um quebra-cabeças a ser decifrado, no qual a maioria dos códigos tão óbvios de outrora precisem ser decifrados quando no novo ambiente cultural.
Tímidos e reservados – Para começar a explicação, tomemos o exemplo de como os suíços se comportam quando o assunto é conhecer novas pessoas e fazer amigos. São conhecidos como povo mais reservado, tímido, em comparação com os latinos. Dessa maneira, não poderiam ser muito diferentes quando o assunto é flerte. De acordo com o levantamento com expatriados feito pelo grupo HSBC em 45 países do mundo em 2017, o Expat Explorer SurveyLink externo, a Suíça ocupa o quinto lugar no ranking em termos de qualidade em geral. Quando julgados alguns critérios referentes à Experiência, que integra a análise das esferas Integração e Possibilidade de se fazer amigos, a nota da Suíça cai para o 42° lugar. Exatamente nesses quesitos as avaliações do Brasil sobem consideravelmente e atingem os primeiros lugares, o que mostra a discrepância e as evidentes diferenças entre as duas culturas.
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De acordo com a psicóloga especializada em Comunicação Intercultural, Gabriela Broll Ribeiro, muitas dessas diferenças passam pelo jeito privado de lidar com afetos e desejos. “Se os suíços foram criados para serem mais discretos, respeitarem o espaço do outro, provavelmente será muito mais difícil para eles transporem essa barreira. Para eles, é como se fosse um desrespeito, uma invasão pessoal”, explica, que é brasileira e estudo na Suíça.
Distância – Gabriela Broll acredita, com base em estudos das duas sociedades, que se no Brasil o toque físico e a demonstração aberta de interesse são valorizadas, na Suíça é evitada e há um maior distanciamento corporal. “Nesse ambiente de sedução existe um código, um ritual. E rituais são muito baseados na cultura. O brasileiro pode até incomodar na abordagem, mas ele geralmente não liga para isso. Ele cumpre o seu papel de homem latino, no qual está implícito tentar”, explica.
Outro aspecto cultural importante nesse contexto é a vulnerabilidade e sobre como lidar com o risco. Segundo a psicóloga intercultural, abordar uma mulher ou um homem envolve incerteza, aposta em algo que pode dar errado, e até mesmo rejeição. Significa arriscar no jogo de cintura, na flexibilidade. A sociedade suíça, entretanto, também é conhecida por ser mais meticulosa e por valorizar a segurança; sem espaço para contratempos ou riscos. “Até mesmo no significado é diferente. Se para nós o flerte é uma brincadeira, para eles trata-se de coisa séria”, explica.
Comportamentos esperados – A expectativa da paquera também tem um importante papel nesse contexto. Para a psicóloga boliviana Fabiola Dueri Sonderegger, especializada em famílias bi culturais na Suíça, as mulheres latinas, e não somente as brasileiras, esperam que os homens se aproximem. De acordo com Fabiola Dueri, nesse jogo, todos têm um papel definido: as mulheres mexem com os cabelos, seduzem com a roupa, o perfume e o olhar, mas têm um comportamento passivo, esperam que o homem se aproxime. “O problema é que esse papel não é executado da mesma maneira em todas as sociedades. É quando acontece o desencontro e a frustração das expectativas”, explica.
A aconselhadora psicológica Graziela Birrer acrescenta que muitas mulheres sentem sua autoestima diminuir por acreditarem não chamar mais a atenção masculina, como acontecia no Brasil. “Elas interpretam o jeito discreto dos suíços como falta de interesse, sem entender que é uma forma diferente, de como eles tentam mostrar simpatia com respeito, sem invadir a privacidade”, explica.
Telenovelas – A falsa expectativa sobre o comportamento dos suíços no momento da paquera deve-se muito ao inconsciente coletivo reforçado pelas novelas, tão assistidas na América Latina. Nos folhetins, o galã sempre se aproxima com virilidade, com a postura corporal de um pavão, pronto para conquistar a fêmea que se insinua para ele. “No fundo, as mulheres esperam isso. E os homens latinos se frustram com a falta de reciprocidade das suíças, que não foram educadas para jogar cabelos para o lado, a se maquiarem e corresponderem a olhares libidinosos”, explica Fabiola Dueri.
As mulheres latinas, por um outro lado, esperam o comportamento do mocinho, do galã da novela. Não encontram essa reação e ficam sem saber o que fazer. “É preciso saber interpretar as reações de cada um e quem sabe até sair da zona de conforto, como tomar a liberdade e abordar com elegância, caso haja reciprocidade no olhar”, aconselha Fabiola.
Embora as diferenças sejam grandes, em um aspecto as três especialistas concordam: o segredo está em ler cada cultura nas entrelinhas. Mesmo com sinais sutis, é importante saber interpretar e contextualizar. Isso sem falar em mais coragem para tomar iniciativa, amor próprio para lidar com as rejeições e sabedoria para interpretar as diferenças.
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