“A UE desenvolveu-se melhor que a Suíça”
Pequena ilha cercada pela poderosa União Européia, a teimosa Suíça é um caso para se lamentar ou para se invejar? O país decidiu seguir seu próprio caminho há um quarto de século atrás. Naquela época, a Suíça rejeitou aderir ao EEE, o Espaço Econômico Europeu. Para muitos eleitores, o EEE seria o precursor de uma possível adesão à UE. swissinfo.ch falou com os expoentes dos campos pró e contra da época.
A votação de 6 de dezembro de 1992 foi um desastre para o establishment político da Suíça. O governo, o Parlamento e a maioria dos principais partidos haviam se pronunciado a favor da Suíça se juntar ao EEE, e já haviam apresentado um pedido de adesão à UE. Mas a campanha emocionalmente carregada dos adversários conservadores de direita, que profetizaram o fim das particularidades suíças, foi bem-sucedida. Christoph Blocher, líder do Partido Popular da Suíça (SVP), deve sua ascensão meteórica a esse sucesso na votação.
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“Eu tive que detona-los, eles desprezaram a Suíça”
Para Peter Bodenmann, então presidente do Partido Social Democrata (SP), que inicialmente se comprometeu com uma cooperação mais forte com os parceiros europeus, foi uma grande derrota. Mas o hoteleiro do cantão do Valais ainda está convencido de suas opiniões na época.
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swissinfo.ch: Em cada aniversário do ‘não ao EEE’, seu ex-adversário Christoph Blocher comemora, e o senhor é apresentado pela mídia como o grande perdedor da época. Isso o irrita?
Peter Bodenmann: Eu não vejo a coisa assim. O que me incomoda é que naquela época nós perdemos a maioria porque o Partido Verde e grupos do Partido Social Democrata, liderados por Rudolf Strahm e Andreas Gross, também se posicionaram contra o EEE.
swissinfo.ch: Na Suíça, mais atenção foi dada à proteção ambiental do que em outros países europeus. Os Verdes temiam que suas preocupações fossem atropeladas com a adesão ao EEE…
P.B.: Mas o que aconteceu foi o contrário: qual país recebeu as melhores notas em proteção ambiental na Conferência sobre Mudanças Climáticas em Bonn? A Suécia, membro da UE. Nós, na Suíça, temos a impressão de que quem assina tratados bilaterais, ou está no EEE ou mesmo na UE, não tem nenhuma margem de manobra.
swissinfo.ch: Mas a Suíça não se deu mal com os tratados bilaterais que conseguiu negociar com a UE após o ‘não’ para o EEE.
P.B.: Hoje, temos, em primeiro lugar, a livre circulação de pessoas; em segundo lugar, as medidas de acompanhamento; em terceiro lugar, a regulamentação inteligente de veículos pesados, e um acesso em grande parte não discriminatório ao mercado europeu. Na verdade, tudo o que o EEE teria trazido.
swissinfo.ch: Então, foi correto não se juntar ao EEE?
P.B.: Errado. Os países da UE superaram a Suíça. Somente a mídia e a política não querem admitir isso aqui. Todo o discurso xenófobo tornou-se uma dor de cabeça difícil de curar.
swissinfo.ch: O desemprego é mais baixo na Suíça do que em outros países europeus.
P.B.: Tais absurdos se espalham apenas para quem não conhece as estatísticas. Existe apenas uma estatística que faz as comparações corretas, ou seja, sobre o desemprego. Esta estatística mostra que hoje estamos em pior situação do que (os estados alemães) a Baviera ou Baden-Württemberg.
swissinfo.ch: Não se pode comparar as regiões economicamente mais fortes da Alemanha com outro país. A não ser que comparássemos essas regiões com as regiões economicamente mais fortes da Suíça.
O advogado do Valais é um dos políticos mais conhecidos da Suíça, embora tenha se aposentado da política no final de 1999 e, desde então, tenha dirigido um hotel em seu local de nascimento, a comuna de Brig.
Bodenmann foi deputado federal de 1987 a 1997, e de 1990 a 1997 Presidente do Partido Social Democrata (SP).
P.B.: Somente alguém que não conhece a geografia econômica da Europa pode dizer isso. Oito milhões de pessoas vivem na Suíça, doze na Baviera. Existem também regiões na Baviera que são economicamente mais fracas, como a Floresta Bávara, por exemplo, por isso a comparação é válida.
Na UE, tudo se desenvolveu de forma diferente do que os adversários do EEE queriam que acreditássemos.
swissinfo.ch: Na sua opinião, o que exatamente perdemos como não-membro do EEE?
P.B.: O ‘não’ ao EEE não foi uma catástrofe. O EEE foi uma boa chance perdida. Mas a Suíça obteve uma segunda chance com os acordos bilaterais: só que esses contratos saíram caros para nós, e ainda nos custaram em termos de crescimento.
Os suíços sempre estão atrasados, mas apenas a tempo de evitar maiores danos. É por isso que hoje nós estabelecemos em nosso programa um ponto central do conflito do EEE como nós do SP havíamos proposto naquele momento, a saber: sim para a livre circulação de pessoas e, ao mesmo tempo, sim para as medidas de acompanhamento que sempre foram travadas pelo SVP [partido conservador de direita].
swissinfo.ch: Se a Suíça tivesse se juntado ao EEE, teria que desistir de um pedaço de sua independência. Por exemplo, não poderíamos votar na iniciativa de imigração em massa …
P.B.: É claro que poderíamos ter votado nisso e, claro, a Suíça teria implementado essa iniciativa exatamente como agora, ou seja, compatível com a UE.
swissinfo.ch: Em outras palavras, não importa que não participemos nem do EEE nem da UE?
P.B.: Totalmente errado: eu digo que não existe grande diferença entre o EEE e os tratados bilaterais. O EEE teria algumas vantagens menores, mas nada decisivo.
Pareceria bem diferente com a adesão à UE. Como membro da UE, você não precisa assumir certos direitos de terceiros, mas você pode ter sua opinião.
Em princípio, é absolutamente claro: em uma aldeia onde 28 pessoas são membros do clube de tiro, você só pode disparar como um não-membro, se todos os outros permitirem. Toda comuna suiça funciona desse jeito.
swissinfo.ch: Essa é uma opinião minoritária. Hoje há ainda menos aprovação para a adesão à UE do que há 25 anos.
P.B .: Sim, mas o mistério da evasão fiscal [segredo bancário suíço] nos ensina que algumas coisas podem mudar muito rapidamente. Quem pensaria há dez anos que essa vaca sagrada poderia ser abatida pelos americanos? E que nos andares de cima do Credit Suisse advogados americanos controlam todas as transações comerciais e ainda cobram 600 milhões de francos suíços para fazer isso.
A Suíça tem uma habilidade estranha para se adaptar a novas circunstâncias.
swissinfo.ch: A Suíça vem negociando um acordo-geral com a UE há quase quatro anos. Christoph Blocher e seu SVP estão lutando contra esse acordo e chamando-o de uma entrada no EEE. O senhor concorda?
P.B .: Eu nunca vi um projeto de acordo-geral. Estamos discutindo os fantasmas que o SVP pinta no muro e serão adotados pelos meios de comunicação. A Suíça e a UE também resolverão esse problema. A UE não é apenas qualquer burocracia centralizada, mas um bazar onde as negociações são realizadas até encontrar uma solução.
swissinfo.ch: Para algumas indústrias suíças, a longa espera por uma solução de bazar não é razoável.
P.B.: A economia está – exceto o turismo – bem servida. As empresas têm acesso gratuito ao mercado de trabalho. Você pode obter as matérias-primas a preços do mercado mundial. Os seus produtos certificados são aprovados em toda a UE. Não há nenhuma necessidade de se tomar uma decisão precipitada e de curto prazo.
Adaptação: Eduardo Simantob
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