A democracia suíça em pausa
Acostumados a votar questões federais a cada três meses, os suíços não irão mais às urnas até junho de 2023. Essa é uma pausa incomum no sistema suíço de democracia semidireta.
Quatro questões foram votadas em fevereiro de 2022, três em maio, quatro novamente em setembro, e depois… nada. Após digerir três grandes menus de votação este ano, o povo suíço está sendo, de certa forma, privado da sobremesa: nenhuma votação será realizada neste mês de novembro, e tampouco em março de 2023. A Chancelaria Federal afirmouLink externo em uma declaração no final de outubro que “nenhum ato federal está pronto para ser posto em votação”.
Será necessário, então, esperar até 18 de junho de 2023 por uma (possível) votação federal. A essa altura, quase nove meses terão se passado desde as votações de 25 de setembro, nas quais os cidadãos e cidadãs aceitaram, por uma pequena margem, o aumento da idade de aposentadoria das mulheres de 64 para 65 anos.
“Essa é uma situação muito incomum, que raramente ocorreu na história da democracia suíça moderna”, explica Marc Bühlmann, cientista político de Berna e diretor da plataforma Année Politique SuisseLink externo [Ano Político Suíço]. Os suíços normalmente vão às urnas quatro vezes por ano, exceto nos anos de eleição federal, quando o terceiro domingo de votações é reservado para a eleição do Conselho Nacional (câmara baixa) e o quarto para a eleição do Conselho dos Estados (câmara alta).”
Sem crise democrática
Desde 2002, com a exceção dos anos de eleição, apenas seis outras datas permaneceram inutilizadas. Se excluirmos a votação de 17 de maio de 2020, que foi cancelada de última hora devido à crise do coronavírus, é preciso voltar a 26 de novembro de 2017 para encontrar um domingo de votação que não foi utilizado. Essas datas são fixadas com quase 20 anos de antecedência pela Chancelaria Federal.
Para Marc Bühlmann, isso não significa, contudo, que a democracia direta esteja em crise. Vários fatores explicam o fato de não haver projetos prontos para serem submetidos às urnas. “A crise de Covid mobilizou muito o Parlamento, o que atrasou o trabalho legislativo sobre outras questões e, consequentemente, as possibilidades de submeter um referendo. Além disso, o Parlamento está elaborando cada vez mais contrapropostas às iniciativas populares, o que atrasa o momento em que elas podem ser apresentadas ao povo”, conclui.
Entre fevereiro e setembro deste ano, os suíços tiveram que se pronunciar sobre nada menos que 11 questões diferentes e muitas vezes complexas. Um exemplo é a reforma do imposto retido na fonte sobre os rendimentos dos títulos, cujas possíveis repercussões eram muito maiores do que os especialistas previam.
Considerações táticas
É legítimo questionar se não seria melhor que o Conselho Federal tivesse guardado alguns destes ‘pratos principais’ para as votações de novembro ou março. Isso teria dado aos cidadãos e cidadãs mais tempo para formar uma opinião esclarecida. “Normalmente, os itens que estão prontos são postos à votação o mais rápido possível”, responde Beat Furrer, porta-voz da Chancelaria Federal.
Mas Furrer destaca que há outros fatores em jogo na decisão do Conselho Federal: os atuais prazos para iniciativas populares, a data prevista para que um ato entre em vigor, o número de itens que estão prontos para votação e quantos estarão prontos em breve, bem como o número de questões do mesmo departamento.
Considerações táticas também podem ter uma influência. Em junho de 2021, por exemplo, os apoiadores da nova lei de CO2 criticaram o fato de essa reforma ter sido colocada em votação no mesmo dia que duas iniciativas a favor da proibição de pesticidas. Análises mostraram que essas iniciativas voltadas para o setor agrícola mobilizaram fortemente um segmento rural e conservador da população, que rejeitou a lei de CO2 na mesma ocasião.
Muitas iniciativas a caminho
Essa calmaria democrática, contudo, será de curta duração. Em primeiro lugar, porque a maioria do povo suíço ainda irá às urnas em novembro e março para se pronunciar sobre assuntos cantonais e municipais.
Depois, em 22 de outubro, os cidadãos e cidadãs deverão renovar seu parlamento por mais quatro anos. Esse é um grande evento democrático, que é especialmente complexo por se dar num sistema parlamentar multipartidário. Essa complexidade é maior particularmente nos grandes cantões, onde os eleitores terão que escolher entre centenas de candidatos e candidatas que concorrem em dezenas de listas.
Com nove iniciativas pendentes no Conselho FederalLink externo e no ParlamentoLink externo, muito provavelmente não faltarão questões a serem votadas em 2024. Esse também deve ser o caso nos próximos anos, uma vez que o número de novas iniciativas está novamente em alta após uma interrupção causada pela pandemia: vinte propostas de emendas constitucionais foram lançadas este anoLink externo, o maior número desde 2011.
Politização crescente
“A crise da Covid-19 impulsionou a politização da sociedade suíça. Isso foi visto na taxa de participação nas votações, que aumentou expressivamente em 2021. Esse fenômeno certamente também tem um impacto no alto número de iniciativas lançadas recentemente”, avalia Bühlmann.
As eleições federais, por outro lado, desempenham apenas um papel menor, afirma o cientista político. Desde alguns anos, o principal instrumento da democracia direta tem sido utilizado majoritariamente por pequenos comitês que defendem interesses específicos, enquanto os partidos políticos, sobretudo o Partido Popular Suíço (UDC/SVP), estão agora fazendo um uso mais moderado do instrumento após alguns fracassos estrondosos nas urnas.
Adaptação: Clarice Dominguez
Adaptação: Clarice Dominguez
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