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A Suíça perdeu o trem da regulamentação da IA?

Deputados do Parlamento Europeu
Frederick Florin / Keystone

A União Europeia (UE) elaborou a primeira lei do mundo que regulamenta a inteligência artificial (IA). Como fica a Suíça, que não é membro da UE e não estava na mesa de debates?

A União Europeia chegou a acordo sobre a versão final da Lei da IA, considerada a primeira legislação do mundo que visa limitar o poder crescente dos sistemas de IA e das empresas que os desenvolvem. A lei “cumprirá a promessa europeia, garantindo que os direitos e liberdades estejam no centro do desenvolvimento desta tecnologia revolucionária”, disse Brando Benifei, membro do Parlamento Europeu e negociador da Lei da IA, num comunicado após a aprovação da legislação proposta.

O objetivo da lei é proibir sistemas de IA que apresentem um risco “inaceitável” para a cidadania e a democracia, como aqueles que utilizam dados pessoais sensíveis para manipulação psicológica, classificação social e criação de perfis raciais, sexuais e religiosos.

Os legisladores também discutiram sobre os softwares generativos de IA, como o ChatGPT, e aqueles que utilizam a tecnologia para criar imagens manipuladas, exigindo transparência em torno dos dados e da propriedade intelectual.

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E qualquer aplicação de IA no mercado considerada de “alto risco” deve cumprir requisitos rigorosos, caso contrário corre o risco de receber uma multa de até 7% do volume de negócios global.

Se for aprovada por votação no Parlamento Europeu e no Conselho da UE nesta primavera, a lei entrará em vigor. Mas o que isso significará para a Suíça, um país não membro da UE, que é muito ativo na investigação da IA e é a sede de órgãos governamentais internacionais, como as Nações Unidas?

Após longas e exaustivas negociações, os membros da UE chegaram a acordo sobre os pontos mais debatidos.

A utilização de softwares de reconhecimento facial em espaços públicos pela polícia e pelos governos não será totalmente proibida, como o Parlamento Europeu exigiu na primeira versão da Lei. No entanto, será limitada a casos excepcionais por razões de segurança nacional e de aplicação da lei.

As empresas que utilizam softwares de IA generativa, como ChatGPT, ou softwares de manipulação de imagens, ou “Deepfakes”, devem declarar que se tratam de conteúdos gerados artificialmente e ser transparentes sobre os dados utilizados para treinar os sistemas, respeitando os direitos autorais e a propriedade intelectual. Países como Itália, França e Alemanha têm estado entre os mais veementes opositores a essas medidas, por receio de que possam inibir a inovação das suas empresas de IA.

Os chamados “softwares de alto risco” incluem uma longa lista de aplicações, como a identificação biométrica, o acesso ao mercado de trabalho e às universidades e a utilização de serviços públicos e privados. Contudo, a definição do que constitui “alto risco” ainda permanece vaga, segundo muitos especialistas.

O texto não é definitivo. Os detalhes técnicos do acordo serão finalizados nas próximas semanas.

Suíça se junta à corrida global para regulamentar a IA

Desde que o ChatGPT, o chatbot mais poderoso da história desenvolvido pela empresa norte-americana OpenAI, chegou ao mercado em novembro de 2022, vários países tomaram medidas para regulamentar a IA ou limitar os seus riscos de alguma forma. A UE, que tem trabalhado neste sentido desde 2021, tem estado sob pressão para finalizar e aprovar a sua lei o mais rápido possível.

Em outubro de 2023, a China lançou a Governança Global de IA, aberta a todos os países que fazem parte da iniciativa da Nova Rota da Seda do governo de Pequim. No mesmo mês, a administração do presidente dos EUA, Joe Biden, emitiu um decreto sobre a regulamentação da IA. Pouco depois, 29 países reuniram-se em Bletchley Park, no Reino Unido, e assinaram uma declaração apelando ao desenvolvimento seguro e responsável da IA. A Suíça estava entre eles.

Historicamente, o país alpino sempre foi a favor de uma abordagem relaxada e desregulamentada à IA.

“Para a Suíça, nenhuma regulamentação é melhor do que uma má regulamentação”, disse Livia Walpen, conselheira política para relações internacionais do Escritório Federal de Comunicações (OFCOM), em setembro, durante um painel de discussão no Instituto de Pesquisa de IA Idiap, com sede na Suíça.

Mas Walpen enfatizou que a pressão por regulamentação também foi forte na Suíça, especialmente após a chegada do ChatGPT há um ano. E, de fato, a Suíça mudou recentemente a sua abordagem. No final de novembro, o governo suíço juntou-se à lista crescente de países interessados em regulamentar a IA, afirmando que pretende explorar regulações que estejam em linha com a legislação europeia e a Convenção sobre IA do Conselho da Europa, na qual a Suíça está contribuindo. A decisão sobre o caminho a seguir será tomada até ao final de 2024.

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Suíça ‘perdeu o trem’ na regulamentação da IA

Ao final de 2024, a UE provavelmente terá aprovado a sua lei, que provavelmente entrará em vigor por volta do final de 2025. Isso significa que é tarde demais para a Suíça encontrar a sua própria maneira de regular a IA?

“Na verdade, sim”, afirma Boris Inderbitzin, advogado e especialista em política tecnológica baseado em Zurique. Na sua opinião, a influência da lei europeia deixa para a Suíça poucas escolhas senão adotar a legislação europeia passivamente.

“A Suíça perdeu o trem na regulamentação relevante da IA”, afirma Inderbitzin, que vê a ausência do país alpino nas mesas de negociações europeias como uma fraqueza, mesmo que o país tenha estado participado de outros fóruns internacionais, como no Conselho da Europa.

Sendo uma democracia forte e um centro de inovação e investigação das novas tecnologias, a Suíça poderia ter dado uma contribuição importante para a lei europeia sobre IA. “Agora só pode acompanhar a mudança, sem ter nada a dizer sobre a forma como a UE está moldando a lei”, afirma o especialista.

Empresas suíças enfrentam mandato de conformidade

Para continuarem a fazer negócios no mercado europeu, as empresas suíças terão de cumprir a nova lei. Muitas já começaram a se preparar, conscientes da sua experiência com o regulamento de proteção de dados, introduzido na UE em 2018. “Muitas empresas não levaram isso a sério e ainda estão lutando com isso”, diz Kevin Schawinski, cofundador da uma startup com sede em Zurique que ajuda empresas a desenvolver produtos em conformidade com os regulamentos de IA. “As empresas perceberam que quanto mais esperarem, mais difícil e caro será cumprir a legislação europeia”.

De acordo com um estudo da empresa de consultoria Intellera, as empresas enfrentarão custos anuais entre 230.000 e 4 milhões de euros (CHF 218.000-CHF 3,7 milhões) para garantir a confiabilidade dos seus sistemas de IA de alto risco. Isso também exigirá que contratem pessoal especializado. Na Suíça, estes custos recairão sobre cerca de 30% das empresas, diz Schawinski. Mas terão um peso maior nas startups e nas pequenas e médias empresas, que constituem uma parte significativa da economia suíça.

“A UE colocou a régua alta demais”, argumenta Philippe Gillieron, professor de direito na Universidade de Lausanne e advogado de propriedade intelectual e tecnologia.

Suíça, centro da governança global da IA?

Por outro lado, Schawinski acredita que o projeto de lei da UE pode proporcionar uma vantagem comercial para as empresas europeias que oferecem sistemas de IA considerados confiáveis pelo público, uma vez que a lei é a primeira que visa garantir o desenvolvimento de IA segura.

Deverá a Suíça, portanto, copiar e colar a legislação europeia?  Inderbitzen argumenta que o país poderia fazer melhor, dada a sua experiência, a sua abordagem pragmática às aplicações de IA e a sua posição como um país que promove o multilateralismo e os direitos humanos.

“Mas para libertar o nosso potencial e ter um impacto global, deveríamos reforçar a nossa relação com a UE”, afirma.

Entretanto, as principais universidades técnicas do país pretendem posicionar a Suíça como um centro líder de IA centrado na transparência e confiabilidade. Muitos pesquisadores de IA veem um caminho se o país alpino se estabelecer como um local neutro para a governança de novas tecnologias, procurando soluções globais.

As especialistas em ética e economia digital Niniane Paeffgen e Salome Eggler vêem potencial nesta abordagem, conforme delinearam num relatório recente sobre a governação da IA na Suíça.

“O país pode aproveitar os seus pontos fortes de forma mais estratégica para criar condições estruturais globais para a IA”, escreveram.

(Adaptação: Clarissa Levy)

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