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A suíça que ajudou a salvar uma floresta no Brasil

Anita plantando uma muda à beira de um rio
O projeto da bióloga suíça Anita Studer, 76 anos, conseguiu replantar 8 milhões de árvores em 35 anos de existência. Anita Studer

ONG Nordesta, da bióloga Anita Studer, que faz 35 anos em 2020, já plantou 8 milhões de árvores no país

Tudo começou com um pássaro chamado anumará, mas agora, 35 anos depois, 8 milhões de árvores foram plantadas no Brasil, escolas e postos de saúde construídos, principalmente no Norte e Nordeste do país. Por trás disso tudo está a bióloga suíça Anita Studer, que está à frente da ONG Nordesta. Foi no escritório da instituição em Genebra, que comemora três décadas e meia de fundação este ano, que ela recebeu a reportagem da swissinfo.ch para uma entrevista. Lá fora, o frio suíço contrastava com o calor vindo de um país do qual ela falava com conhecimento de causa. Em português e com sotaque nordestino.

A história é mais ou menos assim: para ajudar a proteger o anumará –  um pássaro preto brasileiro, tema da sua tese de doutorado, ela acabou salvando uma floresta – no caso, a da Pedra Talhada, parte da Mata Atlântica, situada entre Alagoas e Pernambuco.

“Na descoberta desse pássaro, eu descobri que a floresta estava correndo perigo, que seria desmatada em breve. Eu estava procurando um assunto. Aí, o meu professor, que trabalhava na universidade de Campinas, me disse que aquele era um bom tema, porque o pássaro nunca tinha sido estudado, mas ele disse assim: você tem que fazer rápido, porque daqui a dez anos não tem mais floresta”, conta ela, lembrando o início de tudo.

Anumará com filhotes no ninho
O Anumará, o pássaro que impulsionou o trabalho de reflorestação. Anita Studer

Ela diz que à época já era uma pessoa que gostava de ecologia e queria estudar o comportamento das aves.

“Como eu estava redescobrindo uma ave, eu queria o futuro dessa ave. Então, tomei coragem e disse: olha, eu vou estudar essa ave, mas em primeiro lugar, vou proteger a floresta”, conta ela, lembrando que a partir daí – e durante a vida toda – a palavra que mais escutou foi “impossível”.  

Mas Anita é daquelas que trabalham com o impossível. O plantio das árvores começou nos anos 80, num momento em que a palavra ecologia era como um palavrão, segundo ela, que fez doutorado sobre as aves do Brasil.

A partir daí, começou a estudar, descobrindo que naquela região nascia a água que abastecia sete municípios e 300 mil pessoas das redondezas. À época, ela diz que havia muitos pobres e poucos proprietários de terra.

represa com margens secas e desmatadas
Reservatório de água em Quebrângulo, estado de Alagoas, 1994. Anita Studer

“Era difícil explicar para o pobre, que estava com fome, para proteger a mata. Ele queria derrubar a árvore para vender e comprar batata. E o criador de gado queria derrubar para dar mais espaço para o gado. Então, para eles, a mata não valia nada. Era muito difícil”, conta ela, que conseguiu falar do assunto ao chamar a atenção para a água.

“Fizemos camisas, passeatas falando que a água vinha da mata”, lembra Anita.

Tantos anos depois, a ideia do projeto continua a mesma: proteger a natureza.

“Nós ajudamos eles e, em contrapartida, eles ajudam a natureza”, diz ela que, em 2009, foi nomeada pelo governo francês com a sua mais prestigiosa distinção: o título de “Chevalier de l’Ordre National de la Légion d’Honneur” (Cavaleiro da Ordem Nacional da Legião de Honra).

Em 1989, após anos de negociações, a Reserva Biológica Federal Pedra Talhada foi criada pelo governo brasileiro com a ajuda da ONG Nordesta, que é parceira do ICMBio (Instituto Chico Mendes da Biodiversidade) para o manejo da Reserva.

Represa com margens verdes e árvores
Reservatório de água em Quebrângulo, estado de Alagoas, 2018. Anita Studer

Rotina de trabalho intensa

No início, Anita ficava seis meses no Brasil e seis meses na Suíça. Mas nos últimos anos, a bióloga passou a ir de três a quatro vezes ao ano ao país. Em 2020, no entanto, por causa do coronavírus, só foi uma vez. Quando conversou com a repórter da swissinfo.ch tinha voltado de São Paulo havia dois dias. Antes disso, havia vencido o coronavírus (foi parar num hospital na Suíça, porque a taxa de oxigênio no sangue diminuiu, sentiu muito cansaço, mas não parou: no hospital, fez 35 revisões e conversou com os enfermeiros sobre o Brasil.

Quando está no país, ela faz assim: levanta 4h da manhã para observar os pássaros “porque eu estudo a vida das aves”.

“Eu observo as aves de uma pequena barraca escondida. Depois, vou almoçar e cuidar dos projetos. Vejo as pessoas. Tem muita reunião também. Tenho que visitar os projetos e continuar a minha pesquisa. Faço publicações científicas. A minha pesquisa é de 30 anos”, conta.

“Eu gosto de visitar cada projeto. Tem projeto grande, que recebe muito dinheiro do financiador e eu gosto de ver. Em setembro, por exemplo, visitei na Amazônia as escolas e o projeto com as abelhas. Depois, um ateliê de costura no Ceará”, diz ela.

caixas de abelhas
Meliponário na Amazonia – caixas cheias de abelhas nativas Meliponas sem ferrão. Anita Studer

Mas é difícil ficar muito tempo fora da Suíça, segundo ela, porque sempre tem urgências e ela precisa estar no país para correr atrás de financiamento. A rotina de Anita, como se vê, é puxada. Aos 76 anos, ela trabalha de 8 a 10 horas por dia, incluindo sábados e domingos.

Por que é difícil plantar árvores no país

Conseguir terras no Brasil para plantar árvores é difícil, segundo Anita. Ela explica que as milhões de árvores foram plantadas em áreas privadas depois de muita conversa, mas sem mexer naquilo que realmente importa aos proprietários de terra.

“Você pode plantar ao longo do rio para proteger a água, você não pega o pasto. Isso aqui é uma conquista, a gente conversou com o proprietário porque essa água está morrendo, diminuindo (diz ela, apontando para uma imagem). Se plantar árvore, vai aumentar, vai proteger. Aí ele concordou. Quando você tem dois ou três proprietários numa região, os outros seguem. Eles acham bonito. Eles têm filhos. E nós falamos com eles. Dá muito trabalho para convencer. A gente conversa. Você não consegue reflorestar um pasto, a gente faz corredores florestais. O boi, a carne, o pasto são os reis no Brasil”, explica a suíça que parece ter entendido bem o país.

corredor florestal à beira de um rio
Reflorestamento Corredor florestal de 8 anos – Quebrângulo, estado de Alagoas. Anita Studer

Anita Studer costuma dizer que quem planta uma árvore vai pensar duas vezes antes de cortá-la. “Porque plantar uma árvore é um processo longo, difícil. Primeiro, tem que catar as sementes, armazená-las. Para você ter uma árvore desse tamanho, tem que esperar 20 anos. A pessoa vai adquirir sensibilidade. A vida desses homens muda radicalmente, totalmente. Sabem que é um processo difícil, longo. A gente não para de falar. Eles vão cuidar, defender”.

Mas o desmatamento continua, ela lembra, “muito mais do que deveria ser”. Para se ter uma ideia, em outubro, o desmatamento na Amazônia  cresceu 50% em relação ao mesmo mês de 2019, segundo o Inpe. “O desmatamento se acelerou nesses últimos anos, é muito grave. Até um certo ponto, depois que se tiram as árvores, a floresta não tem mais como garantir o papel que ela deveria assegurar como portadora de biodiversidade”, diz.

Aprendendo português com os brasileiros do campo

Anita conta que quando visitou o Brasil pela primeira vez não sabia dizer nenhuma palavra em português, nem que “precisava ir ao toilete”. Tinha que falar com as mãos, com os olhos.

“Aí comecei a aprender com a população. Você sabe que no campo não tem gramática, é “nóis vai”, “nóis sobe”. Eu acho simpático. Nunca deu tempo de tomar aula. Porque os 25 primeiros anos eram uma corrida contra o tempo. Depois comecei a ler também os grandes escritores do Brasil. Aprendi na marra. Os biólogos também me corrigiam”, conta.

pessoas em torno de mesa com legumes e hortaliças
Primeiras vendas de verduras do projeto agroflorestal de Quebrângulo, estado de Alagoas. Anita Studer

Quem aprendeu a língua com o homem do campo quer falar também para eles. E na língua deles.

“Tem que falar com o povo do campo. Por isso que eu faço os meus livros em português e não em inglês. Estou escrevendo para o homem do campo, para ele conhecer: ah, esse é o joão de barro.
É muito difícil para mim escrever em português, mas eu escrevo. Eu acho fundamental. Faço os livros para eles lá do campo. Aqueles que têm o poder de atirar, de botar veneno, de desmatar. Eles precisam conhecer melhor”, explica ela.

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