Livre comércio com o Brasil e a Argentina ao alcance das mãos
A indústria de exportação suíça teria muito a ganhar com reduções tarifárias nos países do Mercosul: a próxima rodada de negociações está prevista para o final de junho e início de julho.
O programa foi exaustivo: chegada ao hotel em São Paulo no domingo de manhã (29 de maio) às 7 horas da manhã e, às 9 horas da manhã, já estar prontos para a primeira reunião. “Nem todos os participantes da delegação suíça estavam acostumados ao cronograma intensivo”, diz Philip Mosimann, que liderou o grupo empresarial.
Mas o esforço da viagem de sete dias pelo Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina claramente valeu a pena: “As chances de que possamos concluir um acordo de livre comércio com os países do MercosulLink externo são muito grandes”, diz Mosimann, presidente do fabricante de máquinas Bucher IndustriesLink externo e Vice-Presidente de Associação SwissmemLink externo (Associação Suíça de Fabricantes de Máquinas, Equipamentos Elétricos e Metalurgia.). Os benefícios são óbvios, o momento é oportuno. “A próxima rodada de negociações ocorrerá no final de junho e início de julho; um acordo poderia ser assinado ainda este ano.”
Isso seria um sucesso notável para o ministro suíço da Economia, Johann Schneider-AmmannLink externo, que incluiu mais de cinquenta representantes da política, negócios, ciência e agricultura na delegação suíça. “Quanto mais demorada foi a jornada, mais compreensão mútua foi sentida”, diz Mosimann. “Na delegação suíça ocorreu um bom intercâmbio, a compreensão mútua aumentou”, confirma Andreas Aebi, deputado-federal em Berna pelo Partido do Povo Suíço (SVP, na sigla em alemão), que também preside a Associação Suíça dos Criadores de GadoLink externo.
Exportação excede importação
Os relatos da mídia dos últimos dias se voltaram principalmente para o aumento das importações de carne bovina da América do Sul e as perdas iminentes para os agricultores. No entanto, os lucros potenciais para a indústria de exportação suíça permaneceram ocultos. As vantagens são consideráveis e excedem em muito as desvantagens.
Uma olhada no comércio exterior mostra a situação desigual: as exportações suíças para os países do Mercosul estão em torno de 3,2 bilhões de francos suíços, consideravelmente mais altas do que as importações de 0,7 bilhão de francos suíços.
Os membros do Mercosul são países agrícolas e têm suas vantagens comparativas, enquanto a Suíça vive da indústria e dos serviços. Na verdade, estas são as condições ideais para o comércio, que tem benefícios para os dois lados: “Os países do Mercosul podem importar tecnologia adequada e ter esperança em mais investidores diretos; os consumidores suíços se beneficiariam com preços ligeiramente mais baixos – em vez de comprar carne mais barata nos países vizinhos” explica Mosimann. Mesmo para os agricultores suíços um acordo poderia ser benéfico, se eles conseguissem vender especialidades como queijo na região do Mercosul.
Patrick Ziltener, professor da Universidade de Zurique, preparou um estudo sobre os efeitos de um acordo de livre comércio. “Reduções tarifárias em produtos suíços podem chegar a US$ 227 milhões por ano somente no Brasil”, diz Ziltener. Este montante pode ser incorrido após uma redução gradual das tarifas em cerca de dez anos.
Mas essa é uma visão comparativa estática. Com tarifas mais baixas os preços são reduzidos, e preços mais baixos levam a mais demanda. A longo prazo os efeitos dinâmicos são mais significativos. “Se as sobretaxas tarifárias decaírem – e, portanto, os preços dos produtos suíços no Brasil baixam – é de se esperar que a demanda aumente e os volumes de exportação também”, explica Ziltener.
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“O interesse do Mercosul é se relacionar com um líder de inovação como a Suíça”
Para levar o comércio adiante, é preciso mais. “Ainda mais importantes são as barreiras comerciais não-tarifárias, como formalidades e condições complexas, bem como a burocracia excessiva”, diz Philip Mosimann. Ele conhece a situação por experiência própria, pois a Bucher Industries emprega cerca de mil pessoas no Brasil. “Para certos produtos, como instrumentos de precisão, tecnologia médica ou instrumentos de medição, os regulamentos locais são tão restritos que nos obrigam a fabricar produtos especiais apenas para o Brasil”, diz Mosimann. “Isso está associado a custos proibitivos que não fazem a exportação parecer recompensadora.”
Se a Bucher Industries quiser exportar todo o maquinário agrícola para o Brasil, a sobretaxa de importação será de 14%. “Se as tarifas alfandegárias sumirem, fortaleceria nossa competitividade”, explica Mosimann. Por enquanto o fabricante de máquinas de Zurique tem que se contentar com a possibilidade de exportar apenas componentes técnicos, como sistemas de comando. Com a produção local, ela fabrica produtos finais no próprio Brasil. Com essa abordagem, a Bucher Industries conseguiu reduzir o imposto para 2 a 3% do valor das mercadorias.
Na Argentina, Paraguai e Uruguai, os membros da delegação foram convencidos de que a criação de gado local é, “seguramente mais ecológica do que na Suíça”, diz Mosimann: “Na Argentina ou Paraguai você tem apenas 1,5 a 3 bois por hectare, e estes pastam ao ar livre 365 dias por ano. Os animais comem grama e não necessitam de hormônios de crescimento.
Em particular, os representantes das associações agrícolas suíças, assim como os políticos do Partido Socialista, Partido Verde e Partido Verde-Liberal, adotaram uma atitude crítica em relação à carne bovina da América do Sul. O pecuarista Aebi permanece cético: “Na Argentina e Brasil os bezerros recebem um tratamento de até treze meses com antibióticos e contra uma série de doenças. Nossa carne é melhor.”
Mas até Aebi sinaliza disposição para conversar. “Nós poderíamos viver bem com um acordo que permite os países do Mercosul aumentar as suas exportações de carne bovina para a Suíça por volta de 1850 toneladas.” Nas importações totais de carne bovina por cerca de 45.000 toneladas, isso seria aceitável. “É possível descontar em outros lugares, o acordo não deve ser feito em detrimento dos agricultores suíços”, enfatiza Aebi. Mas ele também está confiante: “Presumo que nossos parceiros negociadores já conhecem as sensibilidades da agricultura suíça.”
Objetivo: acordo antes da União Europeia
Em qualquer caso, o tempo é curto. A UE (União Europeia) vem discutindo o livre comércio com a América do Sul há mais de vinte anos. Se a ela conseguir concluir um acordo no outono, as exportações suíças ficariam claramente em desvantagem. “Vai demorar mais”, diz Mosimann. “A UE tem mais pontos de desacordo do que a Suíça. Além da agricultura há, por exemplo, também questões ligadas à indústria automobilística.” Os quatro países do Mercosul “sinalizaram claramente que eles querem um acordo com os Estados da EFTALink externo (Associação Europeia de Livre Comércio)”, diz Mosimann. As chances seriam melhores que as da UE, onde 28 países teriam que ratificar o acordo. A EFTA e o Mercosul negociam cada um com quatro países, o que é muito mais fácil.
Comentário
América do Sul possui grande potencial de mercado
Os parceiros sul-americanos já deixaram claro para a delegação suíça que melhor acesso ao mercado para as exportações agrícolas aos Estados da EFTALink externo é um ponto central de negociação para eles.
A conclusão da viagem pelo ministro suíço da Economia, Johann Schneider-Ammann, e sua delegação de cinquenta membros para o Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai parece promissora. Concordou-se, entre outras coisas, que um acordo de livre comércio entre o MercosulLink externo e a EFTA oferece grandes oportunidades aos exportadores suíços. Com seus 260 milhões de habitantes, esta é afinal a quinta região econômica mais importante do mundo. Atualmente, as exportações suíças para o mercado sul-americano totalizam apenas 3,2 bilhões de francos, o potencial está longe de esgotado. Como o ministro Schneider-Ammann clarificou numa coletiva de imprensa, a experiência mostra que o ritmo de crescimento e a atividade de negociação após a entrada em vigor de um acordo comercial dobra no prazo de cinco anos.
Mas, em primeiro lugar, será novamente uma questão de convencer o lobby agrícola dos benefícios de tal acordo. As chances são boas, especialmente porque a quantidade adicional de carne bovina importada, que está sendo debatida, provavelmente será relativamente modesta em comparação com o volume total de importação.
Mas também está claro que o acordo do Mercosul não será um acordo de livre comércio semelhante ao da China, que excluirá completamente commodities agrícolas sensíveis. Isso estaria de acordo com os desejos da associação de agricultores, que boicotou a viagem do Mercosul.
Mas os parceiros negociadores da América do Sul deixaram claro que um melhor acesso ao mercado para as exportações agrícolas para os países da EFTA é um ponto-chave para eles negociarem. Sem concessões neste segmento não haverá acordo de livre comércio. Setores econômicos importantes, como a engenharia suíça, farmacêutica, indústria química, serviços financeiros ou a indústria de relógios, para os quais um grande potencial de mercado seria perdido, pagariam essa conta.
* Autor: Nicole Rütti. Publicado no NZZ em 08.05.2018Link externo
*O artigo foi publicado originalmente no jornal NZZ em 02.05.2018Link externo e cedido à tradução para swissinfo.ch
Adaptação: Flávia C. Nepomuceno dos Santos
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