O futuro do setor bancário teria chegado? Um número crescente de startups em tecnologia financeira está tentando chacoalhar esta indústria; porém nem todos os tradicionais “players” estão convencidos.
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Quando não cobre fintech, criptomoedas, blockchain, bancos e comércio, o editor de negócios da swissinfo.ch pode ser encontrado jogando críquete em vários locais na Suíça, inclusive na região de St. Moritz.
“Fintech não é uma solução milagrosa para a indústria financeira, mas é absolutamente necessário que os bancos enveredem pela via da transformação digital”, disse Matthias Bossardt, chefe de segurança cibernética da KPMG Suíça, para swissinfo.ch. Em relatório recente, a KPMG prevê que muitos bancos privados suíços vão desaparecer à medida que os custos aumentam, as margens de lucro diminuem e os clientes se tornam mais exigentes.
O fato é que os bancos privados suíços já não podem mais confiar no antigo modelo comercial de esconder o dinheiro dos seus clientes. Eles também têm que lidar com os maiores custos de regulação e conformidade, a mudança da criação de riqueza em direção às economias emergentes e o desempenho lento dos mercados financeiros.
Examinamos alguns dos novos modelos suíços de fintech que poderiam ajudar os bancos privados tradicionais a sair do buraco – ou então serem substituídos.
Regulação/Conformidade
Requisitos de reserva de capital regulados pelos acordos de Basileia III, com o seu “acabamento suíço” bem resistente, iniciativas contrárias à lavagem de dinheiro (AML), evasão fiscal e sonegação de impostos, além do aprimoramento das regras de proteção ao cliente estão custando aos bancos mais tempo e dinheiro do que nunca.
“A explosão central dos custos está em elementos que não são voltados ao cliente. A regulação é uma das grandes barreiras de custos. Os gerentes de relacionamento estão gastando mais tempo com tarefas burocráticas do que com os seus clientes”, comentou Prafull Sharma, Diretor de Transformação Digital e Terceirização da KPMG, para swissinfo.ch.
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Em palestra no Fórum Suíço Internacional de Finanças, realizado no mês de junho em Berna, Henri Arslanian, da PwC Hong Kong, afirmou que 80% dos custos com pessoal geralmente envolvem despesas ligadas à prevenção, detecção e controle de atividades de lavagem de dinheiro.
Diversas startups – como QumramLink externo, NetGuardiansLink externo e SwissMetricsLink externo – desenvolveram algoritmos ‘regtech’ (tecnologias aplicadas ao cumprimento regulatório) para segmentar automaticamente a crescente montanha de dados em informações administráveis e significativas. Isso permite aos bancos eliminar as “maçãs podres” entre os novos clientes potenciais, detectar fraudes cibernéticas e verificar o histórico de crédito para determinar a saúde financeira dos seus clientes.
Plataformas digitais “Plug & Play”
O custo e a complexidade para atualizar os sistemas de TI aos novos padrões digitais exigidos tem forçado a sua terceirização por meio de especialistas externos. “Antigamente, quando os negócios floresciam e as margens de lucro eram altas, os bancos não eram pressionados para inovar”, relatou Bossardt. “Mas agora os bancos precisam desses recursos justamente para se manterem vivos”.
A SwisscomLink externo, provedor suíço de telecomunicações, opera plataformas para mais de 80 bancos. Empresas como AvaloqLink externo, TemenosLink externo e AdditivLink externo também são provedores bem estabelecidos de sistemas de software bancário que podem ser conectados pelos bancos e executar determinados serviços – a um custo inferior ao da opção de desenvolver internamente esses sistemas.
De acordo com a KPMG Suíça, a terceirização pode realmente ser a melhor opção para promover segurança cibernética aos bancos, já que as fintechs estão repletas de especialistas. Ao incumbir a terceiros suas plataformas digitais, os bancos acabam por não comprometer a sua cultura e personalidade únicas, concentrando seus recursos em clientes e produtos.
Aconselhamento automatizado
Ao invés de oferecerem os seus serviços aos bancos privados tradicionais, algumas fintechs estão perturbando a indústria com novos modelos de negócios. A SwissquoteLink externo foi líder desta iniciativa por alguns anos, porém novas empresas em “robo-advisor”, o aconselhamento automatizado do setor bancário – como Descartes FinanceLink externo e True WealthLink externo – também entraram no jogo.
O aconselhamento automatizado representa uma ameaça parcial para o setor convencional. Estas empresas emergentes permitem que os clientes tenham maior autonomia sobre a gestão de seus próprios recursos e mais acesso à informação, porém não possuem a competência, a experiência e a empatia dos bancos privados. De fato, tanto a Descartes quanto a True Wealth formaram alianças de parceria com bancos tradicionais.
Bossardt acredita que essa tecnologia pode se tornar uma ferramenta para auxiliar os bancos privados a entrarem no mercado asiático em rápida expansão: “Os clientes asiáticos definitivamente apreciam muito o uso da tecnologia para a sua relação bancária. Abraçar a fintech poderia abrir novos mercados para muitos dos pequenos bancos privados”.
Protocolo de confiança/criptomoeda
Via de regra, os bancos suíços evitam a moeda digital por ser tratar de uma moda feita sob medida para criminosos, que se lançou dentro de uma bolha sustentada por investidores irracionais. Apenas alguns bancos – como Falcon, Swissquote, Cornèr e Vontobel – adentraram nesta nova classe de ativos, mas sob condições comerciais equitativas.
No entanto, Smart ValorLink externo e MelonportLink externo estão abertamente aderindo ao protocolo de confiança (blockchain), porque permite às pessoas tanto armazenar quanto enviar os seus ativos diretamente ao destinatário sem um mediador financeiro tradicional por meio das criptomoedas, que não são impressas pelos bancos centrais.
Olga Feldmeier, fundadora da Smart Valor, diz que se inspirou na criação desta instituição financeira depois de viver uma inflação desenfreada que eliminou a poupança de inúmeros ucranianos e destruiu muitos empregos na década de 1990.
“As pessoas devem ter a capacidade de proteger as suas riquezas se os seus governantes decidirem imprimir dinheiro”, relatou para swissinfo.ch. “Ser capaz de assegurar suas próprias economias é um direito humano”. A Smart Valor prometeu ser o primeiro banco de criptografia suíço que permitirá a qualquer pessoa investir em propostas alternativas com chaves de segurança, em um mercado descentralizado e sem privilegiados.
A LykkeLink externo também encoraja seus investidores a terem um maior controle sobre os seus ativos, desenvolvendo uma plataforma de negociação blockchain que promete eventualmente negociar todas as classes de ativos de criptografia digital. Ao invés de se esconder nas sombras, a Lykke quer que os seus concorrentes se conectem em seu sistema de código aberto e assim continue a ganhar as licenças bancárias em todo o mundo.
Ideias disruptivas encontraram resistência do setor financeiro convencional. Mas os desenvolvedores de blockchain acreditam que é apenas uma questão de tempo até que as empresas tradicionais sejam surpreendidas pelo sucesso de seus modelos de negócios e sejam forçadas a aderirem.
Adaptação: Renata Bitar
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Quando o Banco Nacional Suíço (SNB) decidiu abandonar a taxa de câmbio fixa sobre o franco suíço, provocando uma forte valorização da moeda, os fãs do bitcoin declararam na internet já ter alertado para o perigo dessa flutuação. Enquanto a mídia tradicional declarou a morte da moeda virtual após a queda de 400% do seu valor depois do pico em novembro de 2013 e destacado uma série de escândalos envolvendo a tecnologia, a comunidade que apoia a moeda digital - ou "criptomoeda" - viu a decisão do SNB como a confirmação da crença que um sistema monetário decentralizado é o caminho ao futuro.
O sul-africano Johann Gevers criou na Suíça, onde reside hoje, uma empresa que batizou com o nome "Monetas". Ele declara ter ficado "muito feliz" ao acompanhar a decisão do SNB para enfrentar uma situação vista por ele como insustentável. Ela exporia as falhas de um sistema em que poucas pessoas ditam as regras em um banco central, "uma grande contradição" à filosofia do seu próprio negócio, ou seja, dar aos cidadãos o controle sobre suas vidas financeiras.
Monetas, em poucas palavras, é um sistema global de pagamento que permite a transferência de qualquer moeda ou commodity para qualquer parte do mundo através um aplicativo de celular, sem uma autoridade central para controlar a transação. Para fazê-lo, o empresário apoia-se na tecnologia de base do bitcoin para transações. Seu principal objetivo é o que Gevers denomina como "democratização das finanças" além das fronteiras e moedas.
Ao longo dos últimos anos, Gevers tem trabalhado para trazer pessoas que compartilham suas ideias à Zug, cantão ao sul de Zurique. Objetivo: estabelecer uma plataforma intitulada por ele de "Vale Cripto" para agregar pequenas empresas especializadas em lidar com a criptomoeda. Uma das empresas já instaladas é a Ethereum, que lançou a sua própria criptomoeda chamada "ether", uma plataforma para engenheiros de software dispostos a construir sistemas de apoio e também a Bitcoin Suisse, um provedor de caixas eletrônicos para bitcoins.
"Hoje são quinze companhias a fazer parte da associação de fiabilidade financeira digital que fundei no ano passado com o objetivo de criar um quadro jurídico favorável ao financiamento digital", declara.
Do outro lado da Suíça, na cidade francófona de Neuchâtel, Adrien Treccani também trabalha duro em três empresas relacionadas ao bitcoin na Bitcoin Factory, outra plataforma de criptomoeda para ser lançada em breve. Doutorando em matemática financeira no Instituto Suíço de Finanças, Treccani tem o pé nos dois mundos: a cultura de alto risco das empresas startup relacionadas à criptomoeda e o mundo financeiro tradicional da Suíça. Quando a taxa fixa de câmbio foi removida, ele também acreditava que a política do SNB tinha uma data de expiração e apoiou a sua decisão. Todavia percebeu diferentes reações segundo o ambiente que frequentava.
"Era a favor do abandono da taxa fixa de câmbio e vi que muitas pessoas na comunidade bitcoin também pensavam da mesma maneira. Mas não foram muitas as pessoas (do mundo financeiro convencional) que concordavam", diz, baseando a diferença de opinião dos fãs da criptomoeda na antipatia que tem à "forma como os bancos centrais manipulam as moedas."
Gevers gostaria de ir mais longe e trabalhar diretamente com os bancos centrais "para mostrá-los que o curso que têm seguido até agora é simplesmente insustentável e muito perigoso para o tecido social". Para os empresários de startups, um dos seus principais objetivos é de falar com os bancos centrais sobre a utilização do sistema Monetas e da tecnologia de criptomoedas por trás com o objetivo de tornar mais sustentável a emissão de moedas.
Todavia, o ex-chefe historiador do UBS, Robert Vogler, colocou a ideia na categoria de "aspirações" e o SNB não comentou sobre sua vontade de acalentar tal conceito. Para Vogler, a moda atual de investimento em criptomoedas encontra paralelos em outras situações históricas de crises financeiras. Ele aponta as teorias de Silvio Gesell sobre a emissão de moeda a um valor constante na esteira de uma depressão na Argentina no final dos anos 1800 ou do "WIR", o sistema monetário independente criado pela Suíça nos anos 1930 e que hoje também funciona como uma moeda eletrônica. Para ele não é uma surpresa que ideias de novas moedas sempre surjam acompanhando crises financeiras e econômicas.
"Essas aspirações de se afastar da realidade se tornaram um pouco sintomáticas. Acreditar que você pode evitar alguns riscos do sistema atual", acredita Vogler.
E ele, assim como outros céticos das criptomoedas, ressalta a volatilidade do bitcoin como o maior problema para o seu sucesso futuro. "Se você olha para a gigantesca volatilidade comparada com o dólar ou o franco, para mim isso se resume a uma espécie de aspiração. A ideia é admirável, mas de alguma forma não será a solução para os problemas."
O professor de finanças da Universidade de Boston, Zvi Bodie, declarou ao programa de televisão PBS NewsHour, que uma parte do problema com o bitcoin é que este é uma moeda sem garantias de nenhum governo, terceiros (como uma empresa de cartão de créditos) ou entidade física, independente ou válida (como o ouro). "Bitcoins parecem não ter nenhuma fonte independente de valor além de um grupo de informáticos que concordaram em aceitá-la", afirma Bodie.
Moeda versos conceito
Ninguém nega que o bitcoin é volátil ou ser visto como um investimento de risco elevado, diz Treccani. Essa é um das três principais razões, acredita, que freiam sua popularização. As outras duas seriam acessibilidade e segurança.
Agora mesmo, quando comparado o uso de outras formas de pagamento como cartões de crédito, os bitcoins continuam sendo um nicho no mercado. De acordo com a revista Financial Times, o sistema processa aproximadamente 100 mil transações por dia, enquanto que no caso do Visa, seriam 150 milhões.
Mas Treccani ressalta que a própria criptomoeda e o sistema por trás dela seriam duas coisas diferentes. "Você tem que separar a moeda bitcoin da tecnologia bitcoin", diz. "Então você vê o valor real nessa inovação estrutural."
É a inovação que impulsiona empresas startups abrigadas nas plataformas Crypto Valley e Bitcoin Factory. E Treccani vê mais colegas seus no setor financeiro se acostumando à tecnologia. "Eles podem ainda desconhecer a sua utilidade ou diferenças do atual sistema, mas eles veem que o bitcoin é um passo credível na inovação financeira", afirma. Recentemente, o sinal mais seguro do interesse crescente do mundo tradicional das finanças na criptomoeda possa ter sido o investimento de 75 milhões de dólares da Bolsa de Valores de Nova Iorque e outros parceiros na Coinbase, um mercado online primário de negociação e estocagem de bitcoins.
Gevers, Treccani e outros que trabalham no desenvolvimento do setor suíço de empresas startup ligadas a criptomoedas argumentariam que a Suíça é vista como um país atraente para o lançamento de novas empresas.
Por enquanto, o governo suíço e o Banco Nacional Suíço divulgaram um relatório no ano passado sobre a regulação do mercado de bitcoins. Nele, as autoridades definem a criptomoeda como uma forma de pagamento como outra qualquer, delineando diretrizes para negociantes e operadores.
Isso equivale a um ambiente regulatório mais claro para a criptomoeda na Suíça, argumenta Treccani, comparado com certo grau de incerteza em países vizinhos ou nos Estados Unidos.
Criptomoeda: pequeno dicionário
Bitcoin: o tipo mais utilizado de moeda digital. Ela teria sido inventada em 2008 por uma pessoa com o pseudônimo de Santoshi Nakamoto. Ela é aceita por centenas de empresas eletrônicas no mundo como Amazon e Virgin.
Criptomoeda: uma forma de moeda que utiliza criptografia para controlar sua criação e gestão.
Blockchain: Transações são transmitidas a outros nós em poucos segundos, mas não se tornam oficiais imediatamente, isso acontece apenas depois que a transação é reconhecida na lista de todas as transações conhecidas com marcas temporais mantida coletivamente, conhecida como block-chain ("cadeia de blocos" em inglês). Esse reconhecimento se baseia num sistema de prova-de-trabalho para prevenir gastos duplos e falsificação.
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