Startup suíça desenvolve câmeras que “falam” com as plantas
Uma jovem empresa suíça promete revolucionar a agricultura no mundo. Gamaya desenvolve sistemas inteligentes, que funcionam com câmeras especiais e drones, e permitem o agricultor fazer correções “cirúrgicas” nas plantações. Grandes produtores de cana-de-açúcar e tabaco no Brasil são os primeiros clientes.
O “front” é uma grande fazenda na região sudeste do Brasil. As tropas inimigas pousam silenciosamente na plantação de cana-de-açúcar, sem ninguém perceber. É uma pequena mariposa, da espécie Diatraea saccharalisLink externo. Ela coloca ovos nas folhas e, em poucos dias, as lagartas penetram no colmo, construindo galerias nos caules e matando as plantas aos poucos.
O fazendeiro contra-ataca com uma grande quantidade de agrotóxicos. Mas não percebe que outro inimigo, irredutível, já tomou conta do terreno: ervas daninhas – tiriricaLink externo, capim-colonião e mamona. Resistentes, as plantas nascem por todos os lados e disputam os nutrientes com a cana. O tiro final é a estiagem: a cana vai morrer de sede, pois não chove há semanas.
Esse cenário, que mais lembra as pragas do Egito, faz parte do cotidiano de muitos produtores. Até hoje o combate aos males ocorre de forma aleatória: agrotóxicos, irrigação e adubo espalhados em grandes áreas, na esperança de solucionar os problemas. As medidas não impedem perdas consideráveis de colheita, poluição do meio-ambiente e desperdícios. Porém a tecnologia chegou para facilitar a vida do agricultor: as informações chegam hoje pelo celular e já fazem soar o alarme.
Uma startup suíça
“Sua plantação está em perigo”, alerta o aplicativo. O display do celular exibe imagens multicolores realizadas por drones e satélites das plantações. Cada cor representa um diferente problema. “Naquela parte da área plantada você percebe que a cana está sendo atacada pela cigarrinha-da-raiz (Mahanarva fimbriolataLink externo), um inseto que suga a seiva e transmite toxinas. As folhas amarelam e o colmo começa a definhar”, explica Yosef Akhtman, apontando para a imagem no computador.
O ucraniano vive desde 2011 na Suíça. A camisa de algodão, os óculos sem aros e as mãos finas lhe dão a aparência de alguém que nunca pegou em uma enxada. Porém Akhtman entende de agricultura. Formado em física e matemática, e com doutorado em engenharia elétrica, Akhtman pesquisava na Escola Politécnica Federal de Lausanne (EPFLLink externo) quando descobriu que um novo sistema de análise de dados coletados por drones, equipado com câmera hiperespectrais (ver box), poderia revolucionar a agricultura. Quatro anos depois, fundou a empresa GamayaLink externo com outros colegas. Seu produto: sistemas de inteligência agronômica.
Como trabalham as câmeras hiperespectrais?
Elas capturam imagensLink externo usando diferentes frequências de onda, ampliando o espectro de cores que podem ser detectadas ao gravar comprimentos de ondas de luz do visível ao infravermelho. A “assinatura espectral” das plantas varia com seu estado fisiológico. Se a planta sofre de falta de água, nutrientes ou está sendo atacada por pragas, as folhas são afetadas e elas passam a refletir uma luz diferente.
Soa como ficção científica. Drones guiados pelo computador sobrevoam campos de plantação e produzem imagens com suas câmeras hiperespectrais. Essas imagens, que lembram pinturas surreais, apresentam um terreno de forma detalhada e multicolorida. Cada uma das cores é analisada por um software, capaz de fazer análises de grandes volumes de dados (big data). As informações são interpretadas por inteligência artificial e apresentadas no monitor ou celular. O agricultor tem, então, acesso a uma ampla gama de informações como tipo de planta, estágio de crescimento, nível de hidratação, parasitas e doenças. Ele pode inclusive saber em centímetros onde precisa adubar com potássio, nitrogênio ou fósforo para melhorar a produtividade do plantio.
“É como na medicina se você compara radiografia e tomografia. A tomografia mostra muito mais detalhes e ajuda o médico a fazer um diagnóstico mais preciso”, explica Akhtman. O sistema que desenvolveu é aplicado hoje em plantações de soja, milho e cana-de-açúcar. E como mercado para introduzir os produtos, a escolha do Brasil foi uma decisão lógica. “Enquanto a agricultura na Suíça é de pequena escala e familiar, no Brasil são grandes produtores, muito avançados na agricultura digital. É um potencial de mercado de centenas de milhões de dólares.”
Ajuda de grandes investidores
O capital inicial da Gamaya, um milhão de francos, veio de sete “business angels”. Depois a jovem empresa recebeu investimentos de mais quatro grandes investidores, dentre eles o ex-chefe da Nestlé, Peter BrabeckLink externo, e da família LandoltLink externo, os herdeiros da multinacional farmacêutica Sandoz. Além disso, ganhou uma série de prêmios para jovens empresas, dentre elas do jornal econômico Handelszeitung, que a colocou no ranking das 10 melhores startups da Suíça. Com o apoio, o jovem empresário se sentiu mais seguro para tentar o primeiro passo no mercado brasileiro. “Nicolas Landolt nos convidou para fazer testes em sua fazenda em Goiás e lhes permitir detectar mais facilmente nanismo amarelo da sojaLink externo, um nematódeo parasita que é uma praga devastadora da soja. E os resultados foram muito bons e abriram diversas portas”, revela Akhtman.
Hoje, Gamaya já monitora com seus drones aproximadamente meio milhão de hectares no Brasil, uma área que corresponde a 500 mil campos de futebol. “Temos aproximadamente vinte clientes, alguns deles grandes produtores de cana-de-açúcar ou tabaco. Alguns já assinam nossos serviços e os outros estão testando”, afirma o ucraniano. Questionado sobre o aumento de produtividade, Akhtman relativiza. “É muito difícil colocar um número exato, porque também há muita variabilidade. Mas pretendemos, por exemplo, reduzir pela metade o uso de herbicidas”. A empresa abriu uma representação no Brasil, onde trabalham três representantes.
O mercado é enorme. O Brasil é o maior produtorLink externo do mundo de cana-de-açúcar. Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (ConabLink externo), o país produziu 635 milhões de toneladas em 2018 em uma área estimada de 8,38 milhões de hectares, o que corresponde ao dobro da área de toda a Suíça (41,285 km2). Só uma empresa, o Grupo São MartinhLink externoo, uma das maiores empresas sucroenergéticas do mundo, tem quatro usinas e planta cana em 300 mil hectares (3 mil quilômetros quadrados), o que corresponde a uma área tão grande como o cantão de Vaud.
Soluções à medida
Porém a cana-de-açúcar é uma planta sensível. Chuvas irregulares podem atrasar a safra, como ocorre em 2019Link externo no Brasil. Anualmente os produtores no país tem perdas de até cinco bilhões de reaisLink externo em decorrencia do ataque de broca. Por isso Gamaya promete ajudar o produtor através do seu sistema inteligente. “A cana-de-açúcar é um cultivo de vários anos, com várias colheitas ao ano. Nós ajudamos a melhorar a utilização de insumos como adubos ou herbicidas, levando em conta o uso da terra para múltiplas culturas e a rotação entre elas”, explica.
A aplicação de big data e inteligência artificial na agricultura não resolve todos os problemas. É possível utilizar essa tecnologia em outras culturas? “O problema é que cada uma delas requer uma grande quantidade de conhecimentos específicos. Nossos engenheiros de software precisaram se tornar bons agrônomos em cana-de-açúcar ou soja. O mesmo precisa ser feito se quisermos encontrar soluções para a laranja ou outra fruta”. Todavia a jovem empresa continua expandindo seus conhecimentos.
No final de 2018, Gamaya anunciou o lançamento do sistema TobaccoFit, voltando exclusivamente para produtores de tabaco. A fabricante de cigarros Philip MorrisLink externo utiliza a aplicação com seus fornecedores no Brasil. O objetivo é combater de forma mais eficientes pragas como o vírus do mosaico do tabaco (TMV, em inglês), cuja infecção provoca manchas e descoloração das folhas, retardando o crescimento da planta.
Tecnologia contra a fome
Hoje, a jovem empresa tem 35 funcionários ocupados na sede da empresa em Morges, um vilarejo distante dez minutos de Lausanne, a oeste da Suíça. O inglês é a língua de trabalho, pois a grande parte dos colaboradores não vem da Suíça. “São israelenses, iranianos, belgas, alemães, franceses e até brasileiros”, diz Akhtman. A vantagem de estar baseado na Suíça é a proximidade de grandes centros de pesquisa como a Escola Politécnica Federal de Lausanne e multinacionais do setor agroalimentar como a Nestlé, cuja sede mundial está localizada em Vevey, ou Philip Morris (Lausanne).
Para o jovem empresário, o futuro da agricultura está no desenvolvimento de novas tecnologias. “É preciso aumentar a eficiência da agricultura para alimentar uma população mundial que deve chegar a nove bilhões de pessoas até 2050, segundo as projeções da FAO”, explica o ucraniano.
E não apenas as mudanças climáticas, que alteram a capacidade produtiva de alimento, são um fator. As mudanças no campo exigem novas práticas. “O número de pessoas envolvidas na agricultura cai em todo o mundo. A maior parte da agricultura será totalmente automatizada e substituída por máquinas robóticas nos próximos vinte anos. E para isso você necessita de serviços de agronomia digital autônomas para dizer ao trator o que ele deve fazer”, conclui Akhtman. Frente a um cenário que, segundo a FAO, indica 800 milhões de pessoas no mundo vivendo em estado crônico de subalimentação, uma aposta no futuro.
Biografia
Yosef Akhtman nasceu em 1976 na Ucrânia. Em 1990 imigrou com a família para Israel.
Se formou em 2000 na Universidade Hebraica em física e matemática. Em 2007 se doutorou em engenharia elétrica na Universidade de Southhampton.
De 2011 a 2015 foi pesquisador na Escola Politécnica Federal de Lausanne (EPFL).
Em janeiro de 2015 fundou a empresa Gamaya, uma “spin-off” da EPFL, ou seja, uma empresa que surge a partir de um projeto de pesquisa.
Em 2018 foi eleita pela revista econômica Handelszeitung um dos dez melhores “startups” da Suíça.
Dentre os investidores da empresa, encontram-se personalidades do mundo dos negócios como Peter Brabeck, ex-presidente da Nestlé, e a fundação da família Sandoz.
Entre em contato com o autor do artigo através do Twitter: @alexanderthoeleLink externo
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