Anti-monarquistas usam Justiça suíça contra rei Juan Carlos
Na Suíça, ativistas espanhóis pressionam por ações legais contra o rei emérito Juan Carlos. Eles desconfiam do sistema judiciário nacional e esperam que uma decisão da Suíça pressione a Espanha a investigar outros casos de corrupção na corte. Mas há muito mais por trás disso.
O rei Juan Carlos, que há pouco abdicou de seu trono, é acusado de corrupção, lavagem de dinheiro e evasão fiscal na Espanha. Por causa das contas na Suíça, o ministério público de Genebra também investiga pessoas na comitiva de Juan Carlos.
Ativistas espanhóis tentam exercer influência na Suíça para que Juan Carlos seja processado. Duas organizações estão ativas na Suíça: a ONG Òmnium Cultural e a iniciativa civil Mujeres x la República (Mulheres pela República).
Originalmente fundada durante a ditadura de Franco como uma organização cultural para a promoção da língua catalã, a Òmnium Cultural é hoje – junto com a Assembleia Nacional Catalã (ANC) – uma das principais organizações separatistas da Catalunha. A organização é financeiramente sólida, ao mesmo tempo que está bem conectada – também na Suíça. Òmnium Cultural possui atualmente 183.000 membros.
Em dezembro de 2018, foi realizado um referendo em Madri sobre a forma de governo, onde os cidadãos poderiam indicar se prefeririam uma monarquia ou uma república.
Entre os organizadores deste referendo estavam mulheres que, por esta ocasião, fundaram o pequeno grupo Mujeres x la República (Mulheres pela República). Eles defendem a causa da participação civil e do feminismo.
Em setembro de 2020, a iniciativa civil Mujeres x la República apresentou uma carta aberta ao embaixador suíço na Espanha, que também foi enviada a parlamentares e à mídia suíça.
Na carta assinada por cerca de cem pessoas, os ativistas escrevem que somente o poder judiciário suíço pode julgar o antigo rei espanhol de forma independente e justa. Durante anos, o judiciário espanhol tem feito vista grossa para os atos de Juan Carlos.
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Ativistas solicitam o congelamento de contas
A organização financeiramente mais forte, a Òmnium Cultural, deu um passo adiante. Em 1 de julho de 2020, ela solicitou o bloqueio das contas de Juan Carlos na Suíça e as autoridades suíças rejeitaram este pedido. A razão dada foi a de que não havia nenhuma situação excepcional na acepção da lei sobre o congelamento e restituição de bens adquiridos ilegalmente de pessoas estrangeiras expostas politicamente.
Em setembro de 2020, o parlamentar suíço Christian Dandrès apresentou uma interpelaçãoLink externo ao governo a respeito dos bens do antigo rei da Espanha. Ele queria saber como o Conselho Federal (Poder Executivo) garantiria que “a estrutura legal seria respeitada e que os bens que possivelmente foram adquiridos ilegalmente seriam reembolsados”.
“Não fui contatado diretamente pela Òmnium Cultural”, escreve Dandrès a pedido da swissinfo.ch. Em vez disso, ele havia trabalhado com ativistas em Genebra, que por sua vez estavam em contato com a Òmnium Cultural.
Não é raro na Suíça que os lobistas levem suas preocupações aos parlamentares, que depois as colocam na agenda com iniciativas políticas. Isto é particularmente problemático para os atores estrangeiros, como demonstrou o “caso do Cazaquistão”.
Mas Dandrès não tem medo de ser instrumentalizado. Para ele, a questão é que a Suíça deve combater eficazmente a lavagem de dinheiro. “A questão diz respeito à Suíça, mesmo que ela tenha uma dimensão internacional.”
Ativistas acreditam que a justiça espanhola é tendenciosa
Mujeres x la República espera que Juan Carlos seja condenado na Suíça, pois isso abriria uma porta na Espanha e poderia levar à investigação de outros casos de corrupção na casa real espanhola, diz Cristina Ridruejo de Mujeres x la República. “A justiça espanhola mostrou em inúmeras ocasiões que faz vistas grossas quando se trata de supostos crimes cometidos pelo rei; é por isso que precisamos, infelizmente, da ajuda de outros países.”
Segundo Ridruejo, uma das razões para a incapacidade da Espanha de julgar o rei de forma imparcial e independente é a falta de separação de poderes: assim como na Suíça, na Espanha os juízes são eleitos politicamente.
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Òmnium Cultural também considera o judiciário espanhol tendencioso: “Acreditamos que a Espanha nunca julgará a família real de forma independente, pois isso significaria admitir que o país foi governado por uma pessoa corrupta durante quarenta anos”, diz um porta-voz da Òmnium Cultural.
Apesar das informações da Suíça e apesar do processo aberto em Genebra, os tribunais espanhóis teriam sempre se recusado, até agora, a iniciar um processo contra Juan Carlos.
Além disso, a lei espanhola atual garante ao rei uma ampla imunidade, que, segundo a interpretação da Suprema Corte espanhola, inclui atos privados durante seu mandato. Isto em contraste com a imunidade garantida pelo direito internacional, que só protege os atos oficiais. “É por isso que acreditamos que um outro país, como a Suíça, pode julgar melhor, pois possui distância”, disse o porta-voz da organização.
O que querem realmente os ativistas?
Para a Mujeres x la República não se trata apenas da acusação de Juan Carlos. A organização está questionando a monarquia como um todo. Com base em um referendo em Madri, a organização acredita que uma clara maioria da população espanhola preferiria ter uma república a uma monarquia.
Òmnium Cultural, por outro lado, são separatistas catalães que reivindicam o seu próprio Estado. “O rei espanhol representa o Estado espanhol que é rejeitado”, explica o professor de direito Urs Saxer, da Universidade de Zurique. “A rejeição remonta à conquista de Barcelona em 11.09.1714, na Guerra da Sucessão Espanhola. Um julgamento contra o antigo rei tem provavelmente também a intenção de enfraquecer a monarquia e o Estado espanhol em geral.”
O fato de os ativistas estarem lutando contra a monarquia espanhola não surpreende em nada o professor e jurista Xavier Arbós Marín, da Universidade de Barcelona. O movimento de independência catalão identificou a monarquia como o calcanhar de Aquiles da democracia espanhola. “Um dos argumentos a favor da secessão é a baixa qualidade democrática do Estado espanhol e, dessa forma, a monarquia é um alvo lógico. E mais ainda Juan Carlos I, com seu comportamento inaceitável.”
Ativistas internacionalizam sua causa
Ao colocar suas preocupações na agenda política suíça, os ativistas espanhóis estão recebendo atenção no exterior – o que é útil para eles a nível de política interna.
O fato de os conflitos internos serem “internacionalizados” é muito comum, de acordo com Saxer. “Separatistas como os catalães buscam apoio para sua causa no exterior, na esperança de que os Estados e as organizações internacionais exerçam pressão sobre o Estado em questão.
De acordo com Saxer, o sucesso de causa separatista depende do reconhecimento mundial. Uma Catalunha independente só pode existir se for apoiada por atores europeus importantes. “Parte da estratégia de internacionalização catalã é o exílio de Puigdemont na Bélgica, e o de outros separatistas como Marta Rovira ou Anna Gabriel, na Suíça francófona.
O catalão Arbós Marín chega a uma conclusão semelhante à de seu colega suíço: “O fato de os ativistas estarem presentes na Suíça é certamente parte da estratégia de internacionalização.” E ele continua, “além disso, a Suíça é considerada um país mais solidário com os separatistas, e tem pouca compreensão sobre a reação espanhola.”
As esperanças podem ser decepcionadas
No entanto, é incerto se a Suíça irá atender às expectativas nela depositadas. O Conselho Federal tem até a próxima sessão em dezembro para responder à interpelação acima mencionada.
Com relação ao congelamento das contas de Juan Carlos, não é de se esperar nenhuma surpresa. “De fato, as disposições desta lei (lei federal sobre o congelamento e restituição de bens adquiridos ilegalmente de pessoas estrangeiras politicamente expostas) são adaptadas a outras situações, em particular a países com corrupção notória ou sem estruturas em funcionamento”, afirma Saxer.
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“Claramente, esta situação não se aplica no caso da Espanha. Pois a Espanha é um país democrático de direito, que poderia simplesmente apresentar um pedido de assistência judicial, o qual as autoridades suíças examinariam – que seria provavelmente aprovado – de forma completamente normal.”
Adaptação: Flávia C. Nepomuceno dos Santos
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