ONGs duvidam da generosidade da ajuda climática suíça
De acordo com uma análise internacional, a Suíça é o doador mais generoso quando se trata de ajudar financeiramente os países em desenvolvimento a enfrentar a crise climática. Uma conclusão que, no entanto, não convence as ONGs suíças de ajuda ao desenvolvimento.
O financiamento de projetos de proteção do clima nos países em desenvolvimento, que muitas vezes estão entre os mais afetados pela mudança climática, é um tema central nos atuais debates. E não apenas no contexto da COP27, realizada recentemente no Egito. A questão surge sempre que se discute a responsabilidade dos países industrializados, ou seja, das nações que historicamente geraram mais emissões e que, portanto, contribuíram mais para o aquecimento global.
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COP27 e a contribuição dos países ricos para o clima
Em 2009, os países industrializados, entre eles a Suíça, concordaram em alocar 100 bilhões de dólares por ano até 2020 para financiar projetos de mitigação e adaptação à mudança climática nos países em desenvolvimento. A meta não foi atingida e foi adiada para 2023.
Na origem desse fracasso está a falta de comprometimento de algumas grandes economias, particularmente dos Estados Unidos. É o que revela uma análiseLink externo do site Carbon Brief publicada em 7 de novembro. O site especializado em ciência e política da mudança climática determinou a “parte justa” de cada país, ou seja, a contribuição que cada um deveria fazer de acordo com as emissões que gerou desde 1850.
Os Estados Unidos são responsáveis por cerca de um quinto das emissões globais acumuladas. Em 2020, o país alocou 7,6 bilhões de dólares, quando deveria ter fornecido 39,9 bilhões, segundo o Carbon Brief. Canadá, Austrália, Reino Unido, Grécia, Nova Zelândia e Portugal também não contribuíram com sua “parte justa”.
Em compensação, países como o Japão, a França, a Espanha, a Alemanha e a Itália deram mais do que o necessário. A Suíça também está nesse grupo. De acordo com o Carbon Brief, o país helvético é o Estado que se mostrou mais generoso até agora: a ajuda financeira suíça foi 436% maior do que o país seria obrigado a dar.
Além disso, a Suíça também é um dos poucos doadores que fornecem financiamentos quase que exclusivamente na forma de ajuda direta, conforme solicitado pelos beneficiários. Apenas 3% da sua contribuição é dada na forma de empréstimos, que devem ser reembolsados mais cedo ou mais tarde. A proporção de empréstimos é de 8% para a Itália, 45% para a Alemanha e chega até mesmo a 86% para o Japão, segundo o Carbon Brief.
Origem e destino do dinheiro suíço
Em 2020, a Suíça contribuiu com 659 milhões de francos suíços, dos quais 390 milhões vieram do orçamento da cooperação internacional para o desenvolvimento e de outros fundos públicos, de acordo com o Departamento Federal do Meio Ambiente (OFEV, na sigla em francês).
Pouco menos da metade do financiamento público (cerca de 180 milhões de francos) foi para instituições multilaterais como o Fundo Verde para o Clima e o Banco Mundial. O restante foi destinado a projetos de mitigação e adaptação à mudança climática nos países em desenvolvimento, como a promoção da mobilidade elétrica e a criação de sistemas de alerta precoce para lidar com eventos extremos, como enchentes e secas.
Os principais países beneficiários são o Peru (que recebeu cerca de 6,5 milhões de francos), o Vietnã (5,6 milhões), o Benim (4,9 milhões), as Honduras (4,9 milhões) e a Índia (4,2 milhões), de acordo com os números do OFEV. A Suíça também mobilizou investimentos privados no valor de 269 milhões de francos suíços, principalmente através de bancos multilaterais de desenvolvimento e do Seguro Suíço contra Riscos de Exportação.
Em um e-mail enviado à SWI swissinfo.ch, o OFEV destaca que a contribuição total da Suíça em 2020 foi superior à meta original do governo, que era entre 450 e 600 milhões de francos suíços.
O peso das emissões “cinzentas”
Os resultados da pesquisa do Carbon Brief, no entanto, não convencem as ONGs suíças. “Para calcular a ‘parte justa, a análise leva em consideração apenas as emissões que os países produziram em seu próprio território, ignorando aquelas decorrentes de seu consumo no exterior”, explica Delia Berner, especialista em clima da Alliance Sud, uma comunidade de trabalho que reúne as principais organizações suíças de cooperação internacional.
As análises que levam em consideração essas emissões cinzentas chegam a resultados “diferentes e preocupantes”, diz Sonja Tschirren da Swissaid, citando uma avaliaçãoLink externo realizada há alguns anos, também pelo Carbon Brief, segundo a qual as emissões totais da Suíça seriam 209% mais altas se o CO2 resultante das importações também fosse contabilizado.
“Com uma pegada de carbono de 14 toneladas per capita, contra uma média mundial de 6 toneladas, a Suíça contribui amplamente para o aquecimento global, cujas duras consequências são sentidas nos países pobres do Sul”, disse Tschirren.
Orçamento antigo
Além disso, as ONGs lamentam o fato de que a maior parte do financiamento climático da Suíça seja proveniente do orçamento da cooperação para o desenvolvimento. Não se trata, portanto, de um recurso financeiro novo e adicional, como seria de se esperar no contexto dos 100 bilhões de dólares anuais prometidos pelos países industrializados”, explica Berner.
Christina Aebischer, especialista em clima da Helvetas, teme que uma parte cada vez maior do orçamento da cooperação internacional seja rotulada e utilizada como “financiamento climático”. “Desse modo, a contribuição climática declarada pela Suíça irá aumentar. No entanto, isso não se traduzirá em fundos adicionais”, destaca.
As ONGs estimam que, levando em consideração as emissões ‘cinzentas’ e a capacidade econômica nacional – como estipulado no princípio de “responsabilidade comum, mas diferenciada” da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima –, a Suíça deveria contribuir com pelo menos 1 bilhão de dólares por ano (cerca de 960 milhões de francos).
Um valor que, como os 100 bilhões de dólares anuais prometidos pelos países industrializados, não será de modo algum suficiente para ajudar os países mais pobres: o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente estima que os custos de adaptação à mudança climática nesses países somarão entre 280 e 500 bilhões de dólares por ano até 2050.
Adaptação: Clarice Dominguez
Adaptação: Clarice Dominguez
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