Os robôs e o futuro da agricultura
Drones, ordenhadeiras mecânicas, veículos sem condutores, sensores inteligentes, biovigilância, compartilhamento de dados – o Ministério da Economia da Suíça está pedindo para que os agricultores embarquem em uma "revolução digital", marcando uma virada nas práticas agrícolas que envolve certos riscos.
A Suíça está no centro de avanços que viram drones equipados com câmeras capazes de detectar doenças ou estimar com precisão as necessidades nutricionais de grandes plantações; alface hidropônica cultivada em um ambiente sem solo, alimentado por uma nuvem de 100% de nutrientes orgânicos; e mesmo robôs movidos a energia solar que podem remover as ervas daninhas e reduzir o uso de pesticidas.
Por mais espetaculares que sejam, estas inovações – todas desenvolvidas na Suíça – são apenas o começo da transformação tecnológica e digital que agita a agricultura em todo o mundo.
“A verdadeira revolução está ocorrendo em torno da colheita das lavouras e da gestão dos dados agrícolas”, diz Francis Egger, membro do secretariado da poderosa União dos Agricultores Suíços. “E não estou falando de algo distante no horizonte, mas de uma mudança que irá acontecer este ano e que afetará a Suíça”.
Menos papelada
Cédric Romon possui uma empresa agrícola na região de Lausanne. Hoje, ele se encontra sentado confortavelmente na cabine com ar-condicionado de sua colheitadeira, equipada com um sistema de orientação automática, de onde reúne diariamente grande quantidade de dados sobre a plantação que está colhendo.
“[Os dados permitem que] eu possa informar detalhes precisos para o proprietário da lavoura sobre o rendimento de cada terreno, a qualidade e a umidade do grão colhido”, explica Romon, acrescentando que a capacidade de coletar dados desta maneira também ajuda a reduzir significativamente a quantidade de tempo gasto no escritório.
“Meus colegas enviam diretamente os dados sobre tempo, terreno, rendimento, etc., para um sistema centralizado usando seus smartphones. Isso nos permite passar mais tempo aqui fora e nos concentrar no trabalho que amamos, que é o contato com a natureza”.
Já Egger espera que a digitalização das atividades rurais também alivie os agricultores de alguns dos encargos administrativos que diz ser “quase insuportáveis”. Ele defende a criação de uma única plataforma que simplifique a gestão agrícola e a rede de partes interessadas nesta indústria, incluindo o governo. Tal sistema combinaria os dados agrícolas públicos – ligados ao sistema de pagamentos diretos ou à rastreabilidade dos animais – com dados privados, econômicos e técnicos. Mas ele admite que tal desenvolvimento traz benefícios e riscos.
Embora os carros sem motoristas ainda não tenham aparecido nas estradas, a orientação autônoma de tratores está se tornando cada vez mais popular, especialmente entre os empresários do setor agrícola, de acordo com um relatório da Agroscope publicado no início deste ano. A tecnologia, que combina sensores GPS a um sistema de processamento automático, permite orientar um trator para repetir com precisão na escala de centímetros o mesmo trajeto ano após ano. Isso reduz a compactação do solo, proporcionando melhores condições para as plantas crescerem, otimizando o tempo de passagem das colheitadeiras.
Agricultores: meros trabalhadores?
“As pessoas que possuem dados agregados têm a capacidade de controlar o mercado, o que pode levar a uma integração vertical da agricultura”, comenta Egger. “No final, os compradores podem gerenciar praticamente a própria exploração, o que é algo que já vemos acontecer no setor de avicultura. Por isso, precisamos evitar a qualquer custo uma situação em que o agricultor se torne um mero trabalhador servindo a uma organização”.
Há também um risco de dependência dos fabricantes de máquinas agrícolas e os gigantes de tecnologia, que estão investindo em massa na corrida para a chamada “agricultura 4.0”. A multinacional americana John Deere oferece, por exemplo, sistemas integrados de gerenciamento de fazendas que podem administrar e manter máquinas à distância, planejar orçamentos e otimizar a produtividade do condutor.
“O governo, os cantões e as organizações agrícolas precisam agir rapidamente para evitar uma situação na qual os agricultores se tornem cativos destas multinacionais que ocupam uma posição dominante no mercado”, adverte Egger.
Um ministro suíço otimista
O aviso de Egger é dirigido ao ministro da economia e da agricultura, Johann Schneider-Ammann. Durante uma visita ao Paris International Agricultural Show em março, ele reconheceu os benefícios do chamado agritech.
“Queiramos ou não, a revolução já está acontecendo. A agricultura será renovada por meio da digitalização e a sua competitividade será reforçada”, disse Schneider-Ammann à revista Terre & Nature (Terra e Natureza).
Firme defensor de uma visão da agricultura de livre mercado, Schneider-Ammann está relutante em introduzir regulamentações que imponham limites ao uso de dados agrícolas.
“Precisamos dar aos experimentos iniciais o máximo de tempo e espaço, para aprender suas lições”, disse à Terre & Nature, acrescentando que os agricultores deveriam ser “corajosos e inovadores, se envolvendo neste caminho de digitalização!”.
Alguns especialistas, no entanto, são mais céticos no que se refere às consequências da agricultura digitalizada. Pesquisador do Instituto Universitário de Altos Estudos Internacionais em Genebra, e autor de “Malaise in Agriculture” (Mal-estar na Agricultura), publicado em 2014, Yvan Droz afirma: “Estamos no processo de abrir uma caixa de Pandora real sem saber nada sobre as consequências sociais e psicológicas destas novas tecnologias na vida dos agricultores”.
Isolamento
O estudo conduzido por Droz e outros dois colaboradores na Suíça, na França e no Canadá (Québec) destacou o forte sentimento de solidão que permeia a comunidade agrícola.
“A tecnologia é um fator que favorece o isolamento. Os agricultores passam muito tempo ouvindo rádio ou assistindo televisão sozinhos na cabine de seus tratores automatizados. O contato com seus pares tem sido cada vez mais raro”.
Outra implicação relativa ao crescimento da automatização rural é o prejuízo no relacionamento dos agricultores com a terra e o aumento da distância entre o homem e o animal. Droz concluiu que o uso de ordenhadeiras mecânicas nos estábulos estava prejudicando o vínculo emocional e afetivo que ligava os agricultores aos seus animais. Ele enfatiza também que o uso da tecnologia pode induzir a altos níveis de estresse.
“Durante a fase de adaptação, a ordenhadeira fica conectada diretamente ao smartphone do agricultor. No momento em que há um problema, ele é chamado à sala de ordenha, muitas vezes no meio da noite. A dor física é transformada em dor psicológica”, diz Droz. E tudo isto está ocorrendo em um ambiente econômico e comercial penoso, que está mergulhando os agricultores em um estado profundo de confusão.
Embora considerado um pioneiro na agricultura de precisão na Suíça, Romon também é um tanto reticente frente à imensa evolução digital defendida por Schneider-Ammann.
“Se eu não tivesse um interesse pessoal nestas novas tecnologias, eu teria saído fora há muito tempo”, comenta, acrescentando que o investimento financeiro necessário para estabelecer a agricultura 4.0 é simplesmente irrealista no contexto atual.
“Meus colegas estão sob uma pressão financeira terrível, muitos inclusive falando de mudanças nos empregos. Se quisermos realmente salvar a agricultura suíça, existem projetos muito mais importantes a serem desenvolvidos do que a revolução digital”.
Embora as novas tecnologias estejam sendo progressivamente adotadas pelos agricultores, as máquinas estão longe de predominar no interior da Suíça. Nas grandes nações agrícolas, como os Estados Unidos, o Brasil ou a Austrália, as vantagens da automatização do trabalho no campo já são há muito tempo reconhecidas, com a utilização de drones pulverizadores, máquinas para a colheita e o gerenciamento automático de silos. Na Suíça, no entanto, as fazendas são muito pequenas e possuem o terreno muito acidentado para seguir o modelo de desenvolvimento agrícola norte-americano.
“Em relação à gestão do preparo da terra, a Suíça está observando como o desenvolvimento tecnológico acontece nos outros países. Por outro lado, nosso país tem grande interesse na automatização e digitalização de processos nos estábulos, chiqueiros, etc.”, comenta Francis Egger, da União do Agricultores Suíços.
Sendo assim, existem máquinas que ordenham vacas ou que distribuem ração que são bem-sucedidas na Suíça, assim como os sensores utilizados na criação de gado. Um exemplo é a Anemon, empresa situada em Berna, que desenvolveu um sensor intravaginal que fornece informações sobre a temperatura do corpo, frequência cardíaca e posicionamento por GPS do rebanho. O monitoramento da temperatura bovina é um fator importante na avaliação da produtividade das vacas leiteiras.
Adaptação: Renata Bitar
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