Associação suíça dá apoio a crianças no Amazonas
O que começou em 2011 como uma contribuição financeira individual da então estudante de intercâmbio Florine Angele se transformou em uma entidade suíça voltada para arrecadação de recursos para educação de crianças e jovens de um bairro da periferia da capital amazonense, Manaus. Com representação em Zurique (http://www.vereinafa.ch/Link externo), a associação Fazendo Amigos (AFA) atua para arrecadar doações que ajudem a manter o ensino de 170 alunos, com somas que hoje chegam a 40 mil francos anuais, e já começa a estender o seu braço para o empreendedorismo.
Os primeiros sinais de que a AFA viria a ser algo parecido com o que é hoje começaram a surgir em 2002. Preocupadas com a constante presença dos jovens nas ruas do bairro Zumbi dos Palmares II e o baixo rendimento que tinham nas escolas, as amigas Maria Pereira de Souza Lisboa e Márcia da Conceição Paiva decidiram tomar a responsabilidade para si e fazerem algo para mudar aquela realidade. Em um espaço de 8 metros quadrados usado pelo marido de Maria para o trabalho de marcenaria e com a ajuda do filho mais velho dela, Anderson, as duas instalaram mesas e cadeiras para dar aulas de reforço de Português e Matemática para as crianças, embora nenhuma das duas fossem ainda professoras.
Confiantes na importância de tirar os jovens daquela exposição contínua às situações de vulnerabilidade nas ruas e os ajudando com os estudos, elas foram se organizando, ampliando o atendimento e ganhando mais visibilidade. Em 2006 oficializaram a Associação Fazendo Amigos. E seguindo abraçando todas as oportunidades que surgiam, elas obtiveram o reconhecimento de um casal francês que soube do trabalho delas por meio da ONG Manaus Partage (hoje extinta), que doou recursos para a compra de um terreno onde inauguraram a sede da entidade em 2011. Foi quando o caminho de Maria e Florine se cruzaram.
Impressionada com o trabalho daquela mulher doce e carinhosa, a jovem de então 22 anos que tinha ido a Manaus fazer intercâmbio estudantil foi tocada imediatamente por aquela iniciativa da qual se tornou voluntária. De volta a Suíça, Florine passou a ajudar a entidade com recursos próprios. “Mais do que isso, ela deu um novo rumo pra gente”, conta Maria, que lembra dos detalhes do dia que a conheceu e do quanto foi impactada por seu comprometimento em ajudar a associação. “Desde o primeiro momento em que vi aquela moça loira, muito responsável, muito carismática, ela mostrou um compromisso muito grande com a gente, viu seriedade desde o início no trabalho que a gente desenvolve”, afirma Maria, acrescentando: “Todos os anos ela procura vir a Manaus, acompanha tudo, visita os pais dos alunos, é uma pessoa que realmente nos apoia, que nos ajuda a desenvolver um trabalho que, às vezes, nem as pessoas aqui no Brasil dão importância”.
Ainda mais feliz se diz Florine, que além das visitas presenciais mantém reuniões semanais com o time da AFA no Brasil. Até porque foi ela a responsável pela fundação da associação com o mesmo nome na Suíça. Isso porque a ex-estudante, ao longo dos anos, foi doando não apenas recursos próprios, como captando de amigos e familiares até atingir a dimensão atual. Hoje, aos 31 anos, já formada em Relações Internacionais e Ciências Políticas, ela visita o passado para lembrar do que ajudou a expandir, mas sem perder o olhar para o futuro e os planos para dar mais projeção aos trabalhos da entidade. “Realmente percebi que poderia fazer algo bom e impactar as pessoas com a AFA”, diz ela, que conseguiu apoio de um Rotary Club na Suíça, o que a ajudou na profissionalização dos processos da entidade, inclusive, na formação da associação por lá.
As arrecadações de doações de Florine têm ajudado não só a manter os estudos dos alunos como a capacitação constante dos professores, além do desenvolvimento de novos projetos, ampliando a atuação da AFA, que desde 2014 é presidida por Maria. Tanto ela quando Márcia (que hoje não atua mais da direção da associação) se formaram em Pedagogia, assim como o filho de Maria, Anderson. Mas os títulos não os fizeram parar a busca pelo conhecimento. Maria, por exemplo, tendo que lidar com gestão, foi atrás também de uma pós em Administração.
Hoje, na equipe que lidera, Maria conta com mais de 10 pessoas para atender todos os serviços da AFA, fazendo com que além de aulas de Português e Matemática, os jovens passassem a contar com planos de aulas muito mais ampliados, incluindo educação artística, dança, canto e capoeira. Aos 60 anos, Maria ressalta que se diz realizada com a AFA ainda que haja muito mais coisas a serem feitas. “E já estão sendo”, diz ela que tem o apoio emocional e prático de toda família.
O filho Anderson, que a ajudou desde o início, hoje, aos 40 anos, é educador da associação e instrutor de informática. A nora Thuane de Almeida Lisboa, que dá aulas de balé, canto e educação artística, será a responsável pelo Projeto Jovens Empreendedores, previsto para começar no início de agosto. “Vamos atender 6 jovens adolescentes que passarão a acompanhar a rotina e ajudar nos serviços de estabelecimentos comerciais, como supermercados, padarias, salão de beleza, entre outros, tendo que apresentarem periodicamente relatórios sobre o que aprenderam, assim como os responsáveis pelos negócios”, diz Maria, acrescentando que o projeto conta inclusive com o apoio da Embaixada Suíça no Brasil. “Mais um apoio que tivemos por conta do trabalho da Florine”, diz.
Apoio e reconhecimento também não faltam dos próprios ex-alunos da AFA, como Josiane Maricaua Silva, que estudou no local entre 2014 e 2018. Hoje, aos 18 anos de idade, ela mesma se voluntariou em fevereiro de 2019 para prestar serviços na associação, onde atua como secretária. “Quando comecei a estudar na AFA era bastante tímida, tinha bastante dificuldade em me expressar, mas a partir das atividades que fazia perdi a timidez, fui aluna destaque na minha escola (a escola regular), e tudo graças a AFA”, destaca Josiane. Ela se diz ainda muito agradecida pela AFA ter ajudado não apenas ela, mas também sua família. “Eu me sinto muito feliz de poder contribuir para uma entidade que ajuda não apenas os alunos, mas todos na região, me sinto ótima por fazer parte de uma equipe que desenvolve um trabalho diferenciado na comunidade e em prol dessa comunidade”, diz ela que conclui: “Sou muito grata”.
A seguir o vídeo do Youtube no qual Florine apresenta a AFA (em alemão) e uma entrevista com ela:
swissinfo.ch: Por que vc escolheu a Amazônia para fazer intercâmbio?
Florine Angele: Quando eu tinha 16 anos, morei um ano em São Mateus, no Espírito Santo, e tive a chance de ir ao Amazonas. Adorei! É um lugar tão diferente: os rios largos, a cidade caótica de Manaus, a floresta e tudo mais.
swissinfo.ch: O que mais te impressionou quando conheceu a Associação Fazendo Amigos (AFA)?
F.A.: Lembro do primeiro dia. Fui para lá de ônibus. Manaus é uma loucura para andar de ônibus. Nem existia os smartphones de hoje para eu checar o caminho. Peguei o ônibus (que estava lotado) errado. Todo mundo começou a gritar: “Motorista! Tem uma gringa aqui que tá no ônibus errado! Pára!”. Ele parou na hora só para eu descer. O pessoal me indicou o ônibus correto e me desejou boa viagem. Só este começo já foi incrível, porque isso só acontece no Brasil. Depois, chegando na AFA, lembro o carinhoso “Bem-vinda!” da Maria (Maria Pereira de Souza Lisboa). As crianças ficaram muito curiosas comigo. Acharam muito interessante eu ser de um país tão longe, ser mulher e manter o cabelo curto, loiro, ter olhos claros…
swissinfo.ch: Como vc se organizou para ajudá-los?
F.A.: Quando voltei para Suíça, não tinha a ideia de continuar ajudando inicialmente. Porém, mantive o contato com Maria e meses depois percebi que a AFA estava com problemas financeiros. Então, eu mesma mandei dinheiro junto com os meus país e parentes. Ainda estava na faculdade, fiz uns eventos para arrecadar dinheiro, como a noite de filmes brasileiros. Depois comecei a motivar meus amigos e amigos dos meus pais para doar. A cada ano eu conseguia mais doações. Em 2016, por intermédio de um amigo da família, o clube Rotary Illnau-Effretikon me ofereceu uma cooperação, mas eu tinha de ter uma associação, pois não podia receber como pessoa física. Fundamos a AFA no final de 2016.
swissinfo.ch: Qual sua percepção sobre a evolução da AFA?
F.A.: Tento estar em Manaus a cada um ou dois anos. A evolução é enorme. Desde que conheci a AFA sempre trabalharam de uma forma muito responsável e correta. Inicialmente, trabalhando com a ONG francesa Manaus Partage, que não existe mais, eles obtiveram financiamento de um curso de pedagogia para quatro das professoras. Essa formação se nota no planejamento, nas atividades, na autoconfiança das profissionais. Depois, conseguiram recursos para a sede, inaugurada no ano que eu conheci a AFA, em 2011, embora quando eu estava lá as aulas ainda eram dadas na casa da própria Maria. Mas a sede foi ficando mais e mais legal e professional. Hoje, conta com ateliê de costura, área para cursos de informática, uma mesa coletiva, horta… A equipe da AFA tem um grupo de mulheres trabalhadores, dedicadas, carinhosas que se esforçam muito, são batalhadoras. E justo por isso a AFA é uma instituição muito respeitada na comunidade, faz um trabalho social para todo mundo, não somente para as crianças. Muitas pessoas procuram a “Dona Maria” até para conselhos. Então, estou mais do que satisfeita.
swissinfo.ch: E quais os próximos planos?
F.A.: Implementar o projeto “Jovens Empreendedores”, para o qual tivemos apoio da Embaixada Suíça (que fez uma doação inicial de R$ 20 mil). Se der certo é um trabalho que queremos ter na formação da AFA. Reforço escolar é muito importante, mas precisamos ter mais opções para os jovens que terminam o ensino e que não têm muitas perspectivas de carreira. E na Suíça queremos conquistar o apoio de mais empresas, tanto grandes quanto pequenas, como as que doam apenas uma vez por ano, como no Natal, além de formar mais parcerias com fundações, pois temos de pensar no futuro e, às vezes, conseguir parceiros demora.
Com a pandemia da covid-19 atingindo em cheio a capital do Amazonas, Manaus, e levando o sistema de saúde local ao colapso, toda população entrou em alerta. As rotinas foram alteradas e na AFA não foi diferente. Com as aulas presenciais suspensas, o jeito de continuar ajudando as crianças e os jovens foi por meio da tecnologia. “Continuamos atendemos os alunos por whatsapp e orientando sobre as atividades em casa para mantê-los estudando mesmo durante o confinamento”, conta a presidente da entidade, Maria Pereira de Souza Lisboa.
A AFA também fez um levantamento para saber como estava a situação dos jovens nesse período e perceberam que algumas famílias estavam com dificuldades até de sobrevivência. Prontamente, a associação se organizou para distribuir cestas básicas para as famílias dos alunos. “Há famílias com até 10 pessoas numa casa pequena, e a maioria já pegou covid”, acredita Maria, que já teve o marido, a nora e a neta de 4 anos doentes por causa do vírus, de um total de sete pessoas na mesma casa. Para ela, Manaus nunca entrou em confinamento de fato. “As pessoas saem às ruas, uns com máscaras outros não, parecendo que está tudo normal”, diz.
Da Suíça, Florine Angele, representante da AFA por lá, acompanha toda rotina dos membros da associação nesse período de confinamento muito atenta e apreensiva. “É uma situação bem difícil, mas esperamos que logo tudo volte ao normal”, completa.
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