A pesquisadora que sonha com a ausência de peso
Lavinia Heisenberg acaba de receber o Prêmio Latsis por seu trabalho sobre a gravitação. O objetivo não era apenas corrigir a teoria da relatividade de Einstein, mas também participar da seleção para os futuros astronautas europeus.
A notícia já se espalhou: a Agência Espacial Europeia (ESA, na sigla em inglês) lançou o processo de recrutamento para novos astronautas. Onze anos após a última seleção, os candidatos podem enviar seus currículos a partir de 31 de março. A competição será implacável: seis etapas até outubro de 2022.
Lavinia Heisenberg só esperava por esta oportunidade: a física e cosmóloga alemã sempre sonhou em ir para o espaço. E ela não passou os últimos 37 anos apenas sonhando.
Pelo contrário: hoje trabalha como professora na Escola Politécnica Federal de Zurique (ETH, na sigla em alemão) e já tem uma impressionante lista de publicações em seu nome, assim como o Prêmio Universitário Latsis, concedido aos mais promissores jovens pesquisadores.
Embora seja profissionalmente dedicada à gravitação, incluindo suas implicações quânticas, Lavinia Heisenberg não tem certeza se ela é parente de Werner Heisenberg, um dos pais da mecânica quântica e vencedor do Prêmio Nobel de Física de 1932. E, para dizer a verdade, ela realmente não se importa. Mas de uma coisa ela tem certeza, como nos diz na entrevista.
swissinfo.ch: Você vai se candidatar para ser uma astronauta europeia?
Lavinia Heisenberg: Com certeza! Sei que há muitas candidatas e poucas vagas. Sei também que minhas chances são escassas. Portanto, torça por mim! Mas falando sério, além de ser cientista, também preencho outros critérios. Eu me mantenho em forma fazendo vários esportes como corrida e musculação. Além disso gosto de atividades mais aventureiras como escalada: tanto em pavilhões fechados quanto ao ar livre, nas montanhas. Também treino minhas habilidades cognitivas, minha memória e prático arco e flecha, o que é muito bom para a concentração.
swissinfo.ch: Você participaria de uma missão à Marte?
L.H.: Claro que sim!
swissinfo.ch: Apesar dos perigos?
L.H.: Em tudo há um risco, mesmo em nossa vida cotidiana. Se olharmos para as estatísticas, estar na Estação Espacial Internacional é atualmente menos arriscado do que dirigir um carro. Durante a viagem, os astronautas ficam expostos à radiação cósmica. Este é um problema real, mas estamos à procura de soluções para isso e vamos encontrá-las.
swissinfo.ch: Além de seu desejo de ser astronauta, o que a levou a decidir estudar física?
L.H.: Curiosidade. Por que dois ímãs se repelem quando você não consegue ver as forças que os repelem? Temas infantis como esse e outros. E talvez um pouco de ficção científica, também. Eu adorava ‘Guerra das Estrelas’, por exemplo. Hoje também temos filmes mais “realistas” como ‘Alone on Mars’ ou ‘Interstellar’. Isso é bom, isso pode inspirar os jovens.
swissinfo.ch: A maior parte de seu trabalho está relacionada a papel, quadros ou telas de computador. Você ainda tem tempo para olhar as estrelas no céu?
L.H.: Isso depende principalmente de onde você mora. Com a poluição luminosa na cidade, não se pode mais ver nada. Você teria que se mudar. É por isso que vou dar um passeio à noite pelo lago no verão, pois posso ao menos ver a lua e algumas estrelas. Mas isso não é nada comparado com o que você veria se as condições fossem ideais. Eu estudei durante alguns anos no Chile e tive a oportunidade de viajar para o Deserto do Atacama. Lá estão localizados os maiores telescópios do mundo. É realmente extraordinário! Entretanto, nunca trabalhei em nenhum desses lugares porque não sou astrônoma de observatório.
swissinfo.ch: Que tipo de astronomia você faz?
L.H.: Em meu grupo na ETH tentamos entender as propriedades fundamentais da gravidade: a força que rege as interações entre objetos em larga escala. Ao fazer isso, tentamos formular a força da gravidade de diferentes perspectivas, combinando teorias e observações concretas, tais como as de ondas gravitacionais. Também estamos interessados nas implicações da mecânica quântica para a gravidade. O problema é que a teoria de Einstein funciona até uma certa escala, mas uma vez que se deseja atingir o infinitesimal, ela não pode mais ser aplicada. O espaço de tempo da teoria geral da relatividade não pode ser descrito nos termos da mecânica quântica.
swissinfo.ch: Seu trabalho é pesquisa de base. Quais aplicações práticas podem ser obtidas?
L.H.: Einstein também tinha este problema. Na época ninguém podia ver como suas equações poderiam ser usadas na prática. Quem poderia ter imaginado satélites artificiais orbitando a terra no início do século 20? E quem poderia viver hoje sem GPS ou comunicações via satélite? Mas hoje, nosso domínio das leis da gravidade nos permite calcular essas órbitas.
Isso vale para o Centro Europeu de Pesquisa Nuclear (CERN). Higgs-Boson (nome dado em homenagem ao físico inglês Peter Higgs) são partículas elementares do modelo padrão da física elementar. Elas foram finalmente encontradas lá após décadas, mas são de pouca utilidade para nós na vida cotidiana. Porém, a necessidade de compartilhar seus próprios dados com a comunidade física mundial levou os pesquisadores do CERN a inventarem a World Wide Web. E quem pode passar sem a Internet hoje em dia?
Procura-se astronautas
Pela quarta vez em sua história, a Agência Espacial Europeia (ESA, na sigla em inglês) lança uma campanha de recrutamentoLink externo, no final da qual de 4 a 6 candidatos “escolhidos a dedo” se juntarão ao Corpo Europeu de Astronautas. As inscrições estarão abertas de 31 de março a 28 de maio.
A última campanha em 2008 atraiu mais de 8000 candidaturas. Também desta vez, a ESA espera milhares de aplicações de seus 22 países membros – incluindo a Suíça.
Para serem elegíveis, os candidatos devem ter menos de 50 anos de idade, possuir mestrado em um assunto científico e ter pelo menos três anos de experiência profissional. O candidato ideal deve estar em boa saúde física e mental, e ter uma resistência excepcional à pressão.
Ele ou ela também deve dominar perfeitamente a língua inglesa. O russo – a segunda língua no espaço – não é essencial nesta fase, mas será ensinada durante o treinamento.
Desde os tempos dos pioneiros americanos e soviéticos – quando os astronautas eram todos pilotos militares – os critérios de seleção se ampliaram consideravelmente. A ESA está encorajando mulheres a se candidatarem – embora não haja cotas – e está abrindo o processo de seleção para candidatos com deficiências (deficiência nos membros inferiores e baixa estatura).
Esta nova geração de astronautas – masculinos e femininos – se dirigirá inicialmente para a Estação Espacial Internacional. A ESA não faz segredo do fato de que os poucos lugares em missões à lua que negocia com a NASA – em troca de fornecimento de equipamentos – são principalmente para aqueles que já voaram no espaço.
Portanto, estou convencida de que a física que estamos fazendo hoje terá implicações práticas num futuro próximo. Não podemos dizer ainda em que áreas: novas fontes de energia, novas maneiras de se locomover – são coisas que ainda não podemos imaginar.
swissinfo.ch: Sua família se mudou muito quando você era criança. Você estudou e trabalhou em diferentes partes do mundo, e fala seis idiomas fluentemente. O que a levou a decidir se mudar para a Suíça?
L.H.: Na vida acadêmica, muitas vezes você tem que se mudar. Muitas vezes você não tem escolha: é simplesmente o próximo passo na carreira. Eu era um pós-doutoranda na ETH quando tive a sorte de receber uma bolsaLink externo do Conselho Europeu de Pesquisa para fundar meu próprio grupo. Aqui encontrei tantas pessoas fantásticas, que para mim seria difícil ir embora. Me sinto em casa.
Adaptação: Flávia C. Nepomuceno dos Santos
O grande mistério da matéria
Matéria se comporta de maneira diferente, dependendo de que escala se utiliza para observá-la. Esta é a lição das duas grandes teorias físicas do século 20: a teoria geral da relatividade e a mecânica quântica.
Estes dois modelos são válidos e amplamente validados por experimentos, mas permanecem incompatíveis até hoje. Quando descemos à escala dos átomos, a gravidade – a força que retém nossos pés na terra e mantém as galáxias unidas – não parece mais importar.
Daí a ideia de que a teoria da relatividade e a mecânica quântica podem ser apenas aproximações de uma teoria geral que ainda não foi descoberta, e pela qual os físicos estão procurando há mais de 100 anos. A equipe de Lavinia Heisenberg quer fazer uma contribuição para isso.
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