1945 – Crianças suíças no exterior em meio à guerra
A II Guerra Mundial também foi um grande desafio para suíços que viviam nos países vizinhos. O conflito forçou muitos deles a fugir. No entanto, o retorno à terra de origem não ocorreu sem dificuldades.
Na série de áudio “1945 – Crianças suíças no estrangeiro em meio à guerra”, o canal público de rádio SRF entrevistou Dora Warth, Eberhard Notter e Barbara Grünwald, suíços que viviam na Alemanha durante a II Guerra Mundial. Hoje falam das suas experiências na Pomerânia e Prússia, antigos territórios da Alemanha, e o retorno à pátria.
Dora Warth
Quando nasceu em 1932, Dora Warth não poderia imaginar que passaria a maior parte de sua vida em um vilarejo próximo ao rio Reno no cantão de St. Gallen. Ela vivia em uma fazenda na Silésia, território que fazia parte da Alemanha antes da guerra.
Seu pai tinha uma posição privilegiada no vilarejo, pois sabia tudo sobre pecuária. “Não poderia haver um trabalho melhor em tempos de paz”, diz.
Dora Warth fazia parte da terceira geração de uma família de suíços do estrangeiro. Seu avô, como muitos outros vaqueiros, havia encontrado trabalho em uma das grandes fazendas do leste da Alemanha, no final do século 19.
Sua nacionalidade só ficou evidente para a família quando eclodiu a II Guerra Mundial. Dora tinha apenas sete anos de idade quando as crianças na escola começaram a questionar porque seu pai não havia sido convocado pelo Exército alemão como os outros homens do vilarejo. (episódio 1)
O conflito só se tornou concreto para Dora após os primeiros alarmes aéreos e a chegada de refugiados no vilarejo. À medida que a frente de combate se aproximava, a situação ficava mais tensa. No outono de 1944 os habitantes receberam a ordem de evacuar suas casas.
A família de suíços passou meio ano fugindo, a pé, dos combates e se juntado a grupos cada vez maiores de refugiado, a temperaturas que podiam chegar aos 20 graus Celsius negativos. No final da guerra, estacionaram em um território ocupado pela Rússia. Durante quase um ano viveram, juntos com dezenas de outros refugiados, em um estábulo na Saxônia.
Por acaso, o pai soube que um consulado improvisado da Suíça funcionava em um porão em Dresden. Lá foram informados que iriam participar de um plano secreto: em uma noite, eles e outros suíços seriam transportados por soldados americanos para outro lugar.
Depois passaram uma temporada em um campo de refugiados em Berlim e Hannover. Só depois, já no final de 1946, é que viajaram em um trem especial de volta à Suíça. (episódio 2)
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Ao contrário de muitos outros suíços do estrangeiro, a família de Dora Warth não precisou passar muito tempo em um abrigo para refugiados. Seu pai encontrou trabalho em uma empresa metalúrgica em Dornach e um lar em Altstätten, no cantão de St. Gallen. Poréma família recebeu pouca ajuda da Suíça: “Altstätten não sabia o que fazer com os refugiados.
Quando chegaram, os habitantes queriam doar lençóis, mas os recém-chegados não tinham sequer uma cama ou colchões. A soma de dois mil francos, que toda família de suíços do estrangeiro deveria ter recebido, não chegaram aos Warth. (episódio 3)
Eberhard Notter
Eberhard Notter nasceu em 27 de novembro de 1941 na Pomerânia, que também fazia parte da Alemanha. Hoje é a Polônia. Seu avô havia emigrado para a Pomerânia e trabalhava também como vaqueiro. Seu pai também tinha a mesma profissão.
Durante a guerra, o pai tentou proteger sua família de sete pessoas dos ataques dos soldados russos. Para isso trazia sempre consigo uma carta de proteção emitida pelo Consulado da Suíça. No entanto, houve saques regulares por soldados russos, dos quais Eberhard Notter ainda se lembra bem, apesar de ser apenas uma criança na época.
Suas irmãs mais velhas contaram que durante os saques a mãe escondeu a dentadura e se disfarçou de idosa para se proteger de violações. (episódio 1)
Pouca ajuda da Suíça
A política oficial da Suíça em relação aos suíços do estrangeiro nos anos do conflito é um capítulo ainda desconhecido. A historiadora Sabine Hofmann pesquisou a situação dos descendentes de suíços na Prússia através do estudo da correspondência oficial enviada pelo consulado local ao governo em Berna. Sua conclusão: as lideranças na época não conheciam a situação no local.
Os suíços que viviam na parte oriental da Alemanha tinham direito de pedir documentos de proteção emitidos pelos consulados helvéticos. No entanto, isto se mostrou inútil na maioria dos casos. E mesmo quando a maioria dos suíços do estrangeiro também fugiram dos combates junto com a população alemã. A realidade é que a Suíça não conseguiu ajudar seus cidadãos a retornarem à sua terra de origem.
Segundo Hofmann, a Suíça foi surpreendida pelos migrantes helvéticos que apareciam na sua fronteira e teve que oferecer abrigos e colocá-los em quarentena. Essas pessoas não eram bem vistas pelas populações locais.
Na verdade, o retorno de mais de 70 mil suíços do estrangeiro foi um grande fardo para a Suíça. Só em 1945 havia quase 10 mil alemães vivendo no país, muitos deles completamente desprovidos e dependentes de ajuda financeira.
Sabine Hofmann: Suíços na Prússia no final da II Guerra Mundial. Medidas de proteção e esforços de resgate do governo helvético, 1944-1948. Editora VDM, 2009.
Por um tempo a família se escondeu em um bosque com medo dos russos. Finalmente, com permissão oficial das forças ocupantes, o pai foi autorizado a continuar trabalhando em uma fazenda, na ordenha de vacas.
Um ano após o fim da guerra, eles tiveram de abandonar às pressas o país. A Polônia havia feito um acordo com a Suíça determinando o retorno dos suíços do estrangeiro. A Cruz Vermelha recolheu todos os que viviam na região e os embarcou em trens de volta à pátria. A longa viagem ainda está na memória do garoto, que na época tinha apenas quatro anos de idade. (episódio 2)
Ao chegar na Suíça, a família ficou de quarentena e depois foi separada: uma irmã continuou no campo de refugiados por estar doente. O irmão gêmeo era deficiente auditivo e foi colocado em um lar para deficientes. O próprio Eberhard ficou em um abrigo, onde pode se recuperar dos anos de fome passados durante a guerra. O resto da família foi viver em um lar para refugiados suíços no cantão do Ticino. O pai encontrou um emprego no cantão da Argóvia.
Dois anos depois de chegarem à Suíça, é que a família pode se reunir. Eberhard Notter chegou a visitar sua aldeia natal na Polônia, nos anos 1990. Foi uma viagem emocional ao seu próprio passado. (episódio 3)
Barbara Grünwald
Barbara Grünwald nasceu em 24 de junho de 1939 na parte oriental da Prússia. Seu pai era técnico em laticínios. Era a segunda geração de suíços que viviam nessa região, que hoje também pertence à Polônia. Seu pai aprendeu uma profissão e prestou o serviço militar na Suíça. Depois retornou e se casou com uma alemã.
Barbara Grünwald nasceu pouco antes da eclosão da II Guerra Mundial. O fato de o pai não ter sido convocado pelo Exército causou inveja entre as mulheres alemãs do vilarejo. Entretanto, a carta de proteção emitida pelo consulado suíço não a protegeu. Seu tio foi morto. (episódio 1)
Nada, porém, ocorreu com Barbara Grünwald, o irmão e seus pais. Eles continuaram a recuar frente à aproximação da linha de combate. Em algum momento, foram evacuados da região juntos com todos os habitantes do vilarejo.
Mulheres e crianças fugiram em carroças por várias semanas, atravessando estradas cobertas de neve até Mecklenburg. Ali o pai voltou a se reunir com a família – ele recebeu a ordem de continuar a fazer seu trabalho no vilarejo, mas depois fugiu de bicicleta, a menos 20 graus Celsius e sob fogo de aviões russos. (episódio 2)
De Mecklenburg, a família viajou até a Áustria com três malas, onde encontraram um tio, que poderia dar um trabalho ao pai. Frente à dificuldade de encontrar um trabalho na Áustria, mesmo como técnico de laticínios, decidiu retornar à Suíça após o fim da II Guerra Mundial.
Ao chegar no país dos antepassados, também ficaram de quarentena. Depois foram abrigados em um centro de refugiados no cantão de Berna. Mais tarde se mudaram para o cantão da Argóvia, onde o pai encontrou trabalho. Para Barbara Grünwald, finalmente a paz.
Apesar das crianças na escola a insultarem por vezes com expressões como “Sauschwabe” (n.r.: porca da Suábia), Barbara se acostumou com o novo lar. Seu irmão e sua mãe também se adaptaram. Somente seu pai, que era o único que falava suíço-alemão, tinha dificuldades com a nova situação. Ele nunca mais encontrou um emprego como especialista em laticínios.
Barbara Grünwald, hoje com 81 anos, nunca foi à Polônia. Ela não gosta de saber que não se fala mais o alemão no vilarejo natal. (episódio 3)
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